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Ciência e ética

“Estamos vivendo entre a última geração humana mortal e a primeira imortal”

José Luis Cordeiro: o autor do livro "A Morte da Morte" afirma que as novas tecnologias vão tornar a humanidade imortal em 25 anos. (Foto: Reprodução/ Wikipedia)

Em 2029, vamos parar de envelhecer. Apenas 16 anos depois, em 2045, haverá tecnologias capazes de nos transformar novamente em jovens, não importa quão velhos estejamos. Ninguém mais vai morrer por envelhecimento. E todos serão eternamente jovens e saudáveis. A previsão é feita pelo engenheiro venezuelano José Luis Cordeiro e pelo matemático inglês David Wood, autores do livro "A Morte da Morte", recém-lançado no Brasil pela editora LVM.

Cordeiro e Wood defendem que inovações na medicina e na genética como o CRISPR (método de edição genética) e as células-tronco serão capazes em poucos anos de não só interromper o envelhecimento como fazer toda a humanidade — mesmo os idosos — rejuvenescer. A imortalidade deixará de ser ficção e se tornará realidade.

Em conversa com a Gazeta do Povo, José Cordeiro, de 57 anos, engenheiro mecânico formado pelo respeitado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), explica o que falta para a humanidade se tornar imortal, como será a sociedade do futuro e se valerá a pena viver em um mundo assim.

Gazeta do Povo: A armadilha malthusiana, teoria segundo a qual a população cresceria demais e todos passariam fome, foi desarmada. Mas não corremos o risco de torná-la realidade se as pessoas pararem de morrer?

José Cordeiro: Há problemas bons e problemas ruins. Se vivermos mais tempo e vivermos saudáveis então esse será um bom problema. Para mim, o verdadeiro problema do mundo é que a população está se estabilizando, começando a diminuir. Na Europa, a população está diminuindo. Na Rússia, diminuindo. No Japão, diminuindo. Na China, a população está começando a diminuir. A população está ficando estável até mesmo no Brasil. Antes as pessoas falavam em 300 milhões de habitantes no Brasil, mas isso não vai mais acontecer. São populações cada vez mais velhas. O que nos leva à questão do envelhecimento, a principal causa de mortes no mundo. No mundo desenvolvido mais de 90% das pessoas morre das doenças relacionadas ao envelhecimento, principalmente doenças cardiovasculares, câncer, e doenças neurodegenerativas.

Não basta parar de morrer, o senhor e David Wood defendem no livro que as pessoas viveriam para sempre jovens e saudáveis. Como seria essa sociedade baseada na juventude e na imortalidade? Não correria o risco de se tornar uma sociedade hedonista, niilista, sem ideais elevados?

Cordeiro: Seria uma sociedade muito melhor, muito mais educada, mais experiente. A vida vai ser muito melhor. E, é claro, tudo isso seria opcional. Porque mesmo agora as pessoas que desejam morrer podem morrer. Não é obrigatório “não morrer”. Também temos pessoas que se suicidam hoje. Mas eu trabalho para que as pessoas vivam mais tempo, jovens e saudáveis.

Como ficariam questões como assassinato, aposentadoria e trabalho em um futuro sem morte? Por exemplo, se uma pessoa de 40 anos hoje no Brasil for assassinada, levando em conta a expectativa atual, ela terá pelo menos 30 anos de vida roubados. Mas nesse futuro sem morte um assassinato estará tirando centenas ou até milhares de anos de uma pessoa. Então provavelmente essa sociedade consideraria o assassinato algo ainda mais grave, se isso é possível, do que hoje. Isso levanta questões até sobre o que fazer com um assassino: seria razoável ou mesmo viável manter alguém preso por milhares de anos, por exemplo?

Cordeiro: O valor da vida vai crescer, porque poderemos viver muito tempo. Se a vida é importante agora, será muito mais importante no futuro. Vamos ter mais experiência, mais conhecimento, mais educação, e acho que as pessoas serão ainda melhores também. Em média, a humanidade será muito melhor, e por isso não teremos muitos criminosos. Eles vão compreender que vamos viver mais tempo e o mundo será mais pacífico. Vamos viver mais, mas com pessoas mais civilizadas, mais educadas e mais humanas. É bom lembrar que o primeiro direito humano é o direito à vida. E não só a vida das pessoas jovens, o direito à vida é de todas as pessoas, das pessoas velhas também.

Nesse futuro que o senhor vislumbra as pessoas ainda teriam permissão para tarefas e práticas que possam as colocar em risco, desde dirigir um carro a praticar esportes radicais? As pessoas não correriam o risco de se tornar mais medrosas, cautelosas ao ponto da inação?

Cordeiro: Acidentes continuarão acontecendo, homicídios tragicamente devem continuar acontecendo, mas isso não impedirá que a sociedade em geral seja melhor, que as pessoas sejam melhores e mais humanas. Se vivermos mais, também seremos mais éticos com o meio-ambiente e a natureza. Como vamos viver mais tempo, não haverá mais a história de preservar para as gerações seguintes: nós mesmos seremos as próximas gerações. Por isso entendo que as consequências da longevidade estendida serão todas positivas. Não vejo consequências negativas, mesmo que a população aumente.

Quais seriam as consequências positivas?

Cordeiro: Não podemos encarar o aumento da população apenas como mais bocas para alimentar, e sim como cérebros para criar, imaginar e descobrir. Mais pessoas significam mais ideias e mais inovação. Por isso que a humanidade avançou tanto nos últimos anos, porque agora temos mais pessoas tentando. Com a população estabilizada, isso se torna um problema, ainda mais porque nas próximas década começará a colonização do espaço, a partir do planeta Marte. As pessoas também vão se reinventar constantemente. Você provavelmente vai trabalhar 20 anos como jornalista e depois sai para viajar de férias e depois mais 20 anos como arquiteto. Depois tira férias novamente, de cinco anos, dez anos, e vai trabalhar talvez como pintor, artista.

O que falta para a ciência estender a vida de forma mais radical? As pessoas que estão nascendo agora vão viver 200, 300 anos?

Cordeiro: Ainda não temos capacidade de controlar o envelhecimento ou mesmo revertê-lo, mas o mundo mudou muito na última década. A tecnologia para isso está aparecendo. O prêmio Nobel de Medicina de 2012 foi concedido ao japonês Shinya Yamanaka pela reprogramação celular. Ele transformou células velhas em novas mudando apenas quatro genes. Isso era impensável há uma década. Agora sabemos que é possível reverter o envelhecimento, que é possível mudar a idade das células. Os cientistas agora trabalham para mudar a idade dos órgãos e depois de todo o organismo. Isto está só começando. Estamos vivendo tempos mágicos, entre a última geração humana mortal e a primeira geração humana imortal. Eu pergunto às pessoas: vocês querem estar entre os primeiros que vão morrer ou entre os primeiros que vão viver jovens para sempre? Eu não quero viver para sempre como velho. Quero viver como jovem. Deveremos ter tecnologia para rejuvenescer as pessoas no máximo até 2045. Por isso não quero morrer. Quero chegar até 2045. E, ainda melhor, quero ser mais jovem em 2045 do que sou hoje.

Vou tentar chegar vivo até lá…

Cordeiro: 2045 é data determinada para que as pessoas, não importando a idade, rejuvenesçam. Mas antes, em 2029, a medicina já vai permitir que a cada ano que você viva ganhe outro ano de vida. Até chegar em 2045, quando teremos a tecnologia de rejuvenescimento biológico.

Me parece que o senhor tem muita confiança na tecnologia e na capacidade dos homens de serem bons, uma visão um pouco rousseauniana da humanidade. O que faz o senhor acreditar tanto que as pessoas serão boas neste mundo onde ninguém morre?

Cordeiro: Ainda teremos acidentes, homicídios e suicídios. Mas o conjunto da humanidade vai melhorar. Hoje a humanidade está muito melhor que um século atrás, ou um milênio atrás. Um professor de Harvard chamado Steve Pinker escreveu um livro muito bom chamado "Os Anjos Bons da Nossa Natureza". Ele mostra como hoje somos muito melhores, muito mais humanos, mais educados, mais éticos e mais civilizados do que em qualquer período da história. Este é o melhor momento para estar vivo. Eu acho que isto tende a continuar, que vai melhorar ainda mais. As pessoas vão se preocupar mais com o futuro da humanidade pois elas farão parte deste futuro. Por exemplo, vamos ter muito mais cuidado com a natureza.

Por que encarar o envelhecimento como uma doença e não como algo natural do ser humano?

Cordeiro: Primeira coisa: a vida é para ser vivida. Há pessoas que dizem que a morte dá significado à vida. Isto é ridículo! É como falar que o divórcio dá significado ao matrimônio. Mais vida significa uma vida melhor. A imortalidade foi o primeiro sonho da humanidade. O mais velho conhecido, "A Epopeia de Gilgamesh", da Mesopotâmia, era sobre imortalidade. Nós, humanos, sempre almejamos a imortalidade, e agora, pela primeira vez na história, temos a tecnologia para reverter o envelhecimento.

Se as pessoas passarem a viver tanto tempo, mais de mil anos, por exemplo, como o senhor acha que as religiões serão impactadas. Sendo imortais, as pessoas não vão começar a achar que elas próprias são deuses, já que a imortalidade é uma qualidade exclusivamente divina?

Cordeiro: A humanidade vai mudar totalmente com a imortalidade biológica. Toda a sociedade, todas as estruturas tradicionais, a educação, o matrimônio, vai mudar. Imagine viver mil anos com a mesma pessoa. Antes o matrimônio era até que a morte os separasse. Tudo vai mudar. Por isso é difícil saber como será a sociedade, pois a tecnologia avança muito rapidamente. Em 100, 200 anos no futuro o próprio conceito de humano vai mudar muito em razão das novas tecnologias.

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