A fotógrafa canadense e ativista em defesa dos direitos dos animais Jo-Anne McArthur não nega que seu novo livro poderia ser descrito como enviesado. É justamente essa a ideia.
As imagens reproduzidas no livro “Captive” foram feitas em zoológicos de cinco continentes, mas não incluem fotos de funcionários dando mamadeira a filhotes de hipopótamos, fazendo ultrassonografias de pandas ou mesmo limpando jaulas. Elas foram feitas desde a perspectiva do público, e, disse McArthur, visam mostrar os animais como “indivíduos”, em oposição a representantes de suas espécies. As fotos são incomuns e às vezes marcantes, mostrando animais solitários justapostos a multidões de humanos que os olham com curiosidade, em meio às paisagens suburbanas e às barreiras que os mantêm cercados.
O livro é declaradamente contrário aos zoos, mas McArthur espera que ele seja visto como contribuição para a discussão pública crescente sobre os animais em cativeiro. Essa discussão ganhou destaque com a repercussão de incidentes envolvendo as orcas do aquário Sea World e a morte do gorila Harambe, mas também vem sendo travada na surdina entre administradores de zoológicos.
Segue uma entrevista com McArthur sobre seu livro, acompanhada por uma seleção de fotos do livro e das legendas acompanhantes, redigidas pela fotógrafa. Todas as fotos foram feitas em 2016.
A entrevista foi resumida e editada para possibilitar maior clareza.
R: Tenho uma memória da primeira infância de um zoológico no Havaí. Um orangotango estava defecando em sua mão, passando a fezes sobre uma árvore e comendo-as. Todos os turistas estavam rindo, gritando e fazendo fotos. Nossa família também fez fotos. Eu só tinha estado em um ou dois zoos antes disso. As pessoas citam com frequência meu “amor” pelos animais. É verdade, mas apenas em parte. Sempre senti também uma preocupação com os animais. Muitas vezes senti tristeza por eles. Vê-los em exposição me parecia tão incômodo, tão doloroso. As pessoas todas olhando para eles, e eles nos olhando. Sei que não sou a única a me sentir assim.
Não me recordo de um momento de virada. Me lembro apenas de sempre estar do lado dos animais quando era questão de vê-los, conviver com eles e tudo o mais. Me lembro de ter sempre achado que não era justo para os indivíduos mantidos em zoológicos, para os cachorros presos em quintais ou os pássaros presos em gaiolas.
Já estive nos bastidores. Tenho muitos amigos que trabalham em zoológicos, e ao longo dos anos pude ouvir suas queixas e preocupações. No início dos anos 2000, quando eu ainda era assistente de fotógrafa, um fotógrafo de moda que eu conhecia adorava animais e me convidou para fazer uma sessão de fotos com ele que duraria três dias. O zoo estava alugando os animais para fotos, para ganhar um pouco de dinheiro. Naquela tarde, o animal em questão era uma águia-americana. Nos bastidores havia fileiras e mais fileiras de aves grandes engaioladas. A águia estava presa pelo tornozelo e, sob os holofotes quentes da sessão de fotos, foi obrigada a ficar sentada sobre um pano de fundo branco, sobre uma caveira de vaca, ao lado de uma bota de couro, o artigo que era o objeto da publicidade. A águia estava ofegante e toda hora tentava fugir. Ela voava até o fim de sua corrente e então era puxada de volta e de ponta-cabeça, pendurada da corrente, então endireitada pelo funcionário do zoo e reposicionada sobre a caveira de vaca para ser fotografada. Meus amigos que trabalham em zoos me falavam reservadamente sobre como os incomodam essas coisas que os visitantes desconhecem ou não veem, como os casos em que animais novos são introduzidos, mas o processo dá errado e termina em morte; sobre animais presos em cercas ou fiações, que são encontrados pela manhã; sobre famílias que são separadas repetidas vezes em função de programas de reprodução.
O livro será criticado por tender em uma só direção. Mas é importante lembrar que os zoológicos são enviesados. Precisamos ter contato com seus aspectos mais tenebrosos, para continuarmos a discussão dos problemas ligados ao cativeiro. As imagens em “Captive” vão animar a discussão sobre os indivíduos presos nesses sistemas. A discussão sobre os zoológicos frequentemente acaba conduzindo aos tópicos dos esforços de conservação e preservação de espécies, às expensas dos indivíduos. Quem está do lado de fora enxerga o esforço de marketing dos zoos. Do lado de dentro, como visitantes, o zoo molda o modo como enxergamos ou deixamos de enxergar os animais. Para isso, tudo é útil –as trilhas bem cuidadas, a música, o entretenimento complementar. Quero que nos lembremos que nós podemos percorrer um zoológico em duas ou três horas e depois voltar para casa, para nossa família, nossos amigos e uma vida de relativa autonomia. Mas os animais do zoológico permanecem lá muito tempo depois que nós nos fomos. Quero tentar mostrar como isso talvez seja para eles.
Quero afastar a discussão da muleta da conservação. “Mas e a conservação?” é a resposta sempre dada a qualquer pessoa que queira contestar os muitos problemas éticos enfrentados pelos zoológicos hoje. Os zoológicos vendem muito bem seus esforços de conservação, mas na realidade gastam a maior parte de seu dinheiro com outros projetos.
Os animais em cativeiro vivem entediados, solitários, separados de suas famílias e seus amigos, certo? Mas tudo bem, é em nome da conservação.
Marius, a girafa macho abatida e dissecada publicamente por um zoo dinamarquês, foi sacrificada porque era um excedente genético? Tudo bem, é em nome da conservação.
Sim, me contem por favor sobre a conservação bem-sucedida que está acontecendo. Me mostrem os casos bem-sucedidos de reintrodução de gorilas na natureza. De girafas, também. Me falem de conservação de elefantes. Hoje em dia os zoos usam o argumento da conservação para justificar a captura de animais silvestres, incluindo ainda em 2016 elefantes africanos, e para trazê-los para zoos americanos.
Sim, e seus responsáveis são os primeiros a admitir que ainda têm um longo caminho a percorrer antes de alcançar suas metas. Incentivo as pessoas a olharem para a reforma de zoológico que está sendo promovida ali. Por exemplo, o zoo transferiu seus elefantes para um santuário em uma região de clima mais quente, porque considerou que mantê-los em Detroit seria eticamente indefensável. A maioria dos zoos não toma uma iniciativa desse tipo, devido à provável perda de receita. Mas o zoo de Detroit a aproveitou como oportunidade para discutir a ética do cativeiro e mostrar que ele quer ser líder na reforma dos zoológicos. Os ursos polares desse zoo foram resgatados e têm espaço suficiente para se esconder do público. Grande atenção é dada aos programas de educação em assistência digna aos animais. O zoo tem um cinema em 4D onde os visitantes podem ver os animais em seus hábitats naturais. Este ano ele promoveu um simpósio global sobre bem-estar de animais em zoos e aquários.
Os zoológicos sabem que estão na berlinda, e não de uma maneira positiva. Muitos zoos estão interessados em promover reformas reais, enquanto outros apenas procuram maneiras de mudar as coisas para parecer que estão fazendo reformas. Os zoos não são imutáveis nem inevitáveis e, sob sua forma atual, a maioria é arcaica. Eles precisam evoluir para adequar-se à ética mais compassiva de nosso tempo.
“Captive” é minha contribuição para a discussão em curso sobre a ética de se manter animais em cativeiro. Falta-nos pensamento crítico quando se trata de outras espécies. Nós as encaramos sem vê-las – interações essas que são mostradas frequentemente no livro. Quero que as pessoas que veem esse livro se tornem parte do número crescente de pessoas que estão cobrando responsabilidade dos zoos. Quero que elas repensem a ideia de visitar zoológicos e procurem em vez disso apoiar esforços que ajudam animais, tais como centros de vida silvestre, santuários de animais e projetos de conservação in-situ. Também podemos aprender muito mais vendo animais filmados em alta definição em seus habitats naturais do que olhando um animal isolado atrás de um vidro sujo.
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