Lloyd Pendleton: conseguiu reduzir, ao longo de uma década, o número de moradores de rua de Utah em 91%: de duas mil pessoas em 2005 a menos de 168 até 2016| Foto: Jessey Dearing/Divulgação

Um adolescente morava com o pai nas ruas e abrigos de Utah, nos Estados Unidos. Casado, teve a chance de mudar-se para uma habitação de apoio permanente com a sua esposa e duas crianças pequenas. Hoje, empregado, ele deixará a moradia de apoio. Histórias assim marcam a trajetória de Lloyd Pendleton, o homem que conseguiu reduzir, ao longo de uma década, o número de moradores de rua de Utah em 91%: de duas mil pessoas em 2005 a menos de 168 até 2016.

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O programa de habitação baseado na ideia de “housing first” (algo como “primeiro, habitação”) está no centro do projeto que Pendleton desenvolveu como diretor da Homeless Task Force de Utah, parte da Divisão de Habitação e Desenvolvimento Comunitário do estado.

“Nós construímos casas novas ou reformamos hotéis para criar cerca de mil unidades de alojamento permanentes. Além disso, também alugamos locais existentes e os usamos como habitação de apoio”, conta Pendleton, em entrevista à Gazeta do Povo.

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Especialistas em habitação, agências sem fins lucrativos e de serviços sociais e financiamentos federal, estadual e privado foram os elementos combinados na criação de uma gestão de casos para apoiar os chamados sem-teto crônicos (pessoas que vivem nas ruas por mais de um ano ou que retornaram cerca de quatro vezes nos últimos três anos. Também fazem parte desses casos indivíduos que sofrem de doenças físicas ou mentais). 

O ambicioso objetivo de zerar o número de moradores de rua do estado de Utah nasceu em 2005. Doze anos depois, quem vê a trajetória de Lloyd Pendleton no departamento não imagina o quão avessa era sua visão sobre política de redução de danos no passado.

Sua opinião mudou em 2003, durante uma conferência, quando soube dos resultados associados à ideia de “housing first”, o fornecimento imediato de habitações.

“Quando eu ouvi pela primeira vez sobre o que era a política redução de danos, eu a achei um tanto falha. Entretanto, quando entrei em contato com os desabrigados, comecei a perceber a engrenagem. Hoje, o modelo é a base para a política de moradias”, diz Pendleton. 

Atualmente os Estados Unidos contabilizam um total de 549.928 pessoas dormindo nas ruas todos os dias, segundo dados de novembro de 2016 do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano. No Brasil, pesquisa recente publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados de 2015, projeta que o país tenha pouco mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas. 

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 “Por que essas pessoas não arrumam um trabalho?” 

O mito mais difundido sobre os moradores de rua, diz Pendleton, aponta para a necessidade do emprego como fator prioritário e mesmo antecedente a políticas públicas de moradia.

“Esse, infelizmente, é um sentimento comum entre a maioria das pessoas com quem tive contato. Muitos me dizem: ‘por que esses indivíduos deveriam ganhar uma moradia se eles não lutaram por isso?’. Pesquisas mostram dados relevantes sobre essas pessoas. Em serviços de emergências, por ano, gastamos entre 20.000 e 40.000 dólares. Já chegamos a cifra de 500.000 dólares em alguns casos”, conta. Dentre as emergências estão internações, chamados por equipes médicas, visitas a hospitais, interações policiais, entre outros. 

O custo do programa desenvolvido por Pendleton, contudo, com suporte e moradia para os desabrigados, não ultrapassa os 15.000 dólares por ano. Do ponto de vista econômico, as contas fecham. Nem é preciso citar o impacto social.

“Com moradia, os custos com emergência caem enormemente e também, em casos crônicos, essas pessoas tornam-se mais dispostas a receber algum tipo de tratamento. Nós descobrimos que a maioria dos desabrigados tinha problemas de saúde mental ou relacionado ao uso de substâncias. Assim, a habitação com serviços de gerenciamento de casos era necessária para ajudá-los a alcançar alguma estabilização na vida”, diz. 

Pendleton conta que, ao longo desses dez anos, muitos alojados se reconectaram com familiares que por muito tempo tentavam travar contato. O programa desenvolvido por ele também presta auxílio àqueles que conseguem ou buscam algum emprego.

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“Os fatores para as pessoas viverem nas ruas são muitos. Incluem problemas econômicos duradouros em um país, apoios e não-apoios políticos e sociais, questões criminais e escolhas pessoais”, diz, para exemplificar a complexidade da situação. 

Se Pendleton mudou completamente a forma como pensa e se aproxima da questão, na sua opinião, foram três os segredos em Utah:

1) a reunião de diferentes atores sociais em torno de uma mesma visão e abordagem;

2) uma grande colaboração entre pessoas que prestam serviços aos desabrigados, líderes políticos, estaduais e municipais, líderes comunitários e empresas; e

3) antes de tudo, compaixão e a preocupação na elaboração de projetos experimentais.

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“Vemos essa população marginalizada como parte importante de nossa sociedade. Além disso, quando implementamos nosso projeto, começamos com pilotos para testar as novas ideias. Esses pilotos eram de baixo custo e de baixo risco, mas forneceram excelentes experiências de aprendizado e provaram que as ideias funcionavam. Só assim, então, as expandimos.” 

Hoje, aposentado, Lloyd Pendleton tem consultado outros estados a respeito de diferentes abordagens para eliminar o problema crônico dos desabrigados.