O presidente Jair Bolsonaro sofrerá impeachment, vai chegar até o fim do mandato, será reeleito em 2022? Para o propósito deste texto, nada disso importa. Também não importa o que você ou eu pensamos do presidente, porque pelo menos para este texto isso não é relevante. É ruim? É bom? É péssimo? É maravilhoso? Esqueça disso por um momento. Existem valores maiores que qualquer governo. E, aproveitando o momento de crise, vários inimigos desses valores estão jogando pesado.
Um valor que no Brasil sempre foi tratado a pedras e pauladas é a liberdade - tanto à direita como à esquerda. O Brasil está entre os últimos colocados de qualquer ranking que tenha a palavra liberdade no título: liberdade econômica, liberdade de expressão, liberdade de imprensa. Com esse histórico não é de se espantar os vários episódios de truculência policial registrados nas últimas semanas no país inteiro.
A adoção do lockdown (bloqueio total), em vários estados e cidades brasileiras, tem, é claro, um propósito sanitário. Medidas subsidiárias como esta são aceitáveis pelo bem maior da comunidade. O que vemos, no entanto, são governos despreparados adotarem medidas draconianas em nome do bem comum. O governador do Maranhão, Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil, decretou o lockdown na capital São Luís e apareceu na TV dizendo que as primeiras medidas contra as pessoas que descumprirem as regras serão “educativas”. Aplausos. E caso descumpram novamente? A força da lei. Traduzindo: "Cadeia neles!"
Quem são esses perigosos meliantes? São pequenos comerciantes cujos estabelecimentos não são considerados essenciais para a população, mas que assim mesmo precisam pagar funcionários, que por sua vez precisam alimentar suas famílias. Num país onde a liberdade econômica e a responsabilidade individual são confundidas com capitalismo selvagem e egoísmo, a chance é que ganhem o mesmo tratamento reservado a chefes de gangues e homicidas.
O que se vê é quase um clima de estado policial. A defesa da prisão para aqueles que descumprem a quarentena. O uso da força bruta. Denúncias. A pandemia deu a oportunidade para quem odeia a liberdade ver seus sonhos se tornarem realidade.
Não é caso de se advogar o fim da quarentena, o desbunde geral, longe disso. A Covid-19 não é brincadeira, não é uma gripezinha. Muitas pessoas ainda não se deram conta da gravidade da doença. Pergunte a um profissional de saúde como funciona o entubamento. Nos casos mais graves, que exigem este tipo de procedimento, os pacientes podem ficar semanas com tubos que os ajudam a respirar, mas ao mesmo tempo extremamente desconfortáveis, tanto que precisam receber medicamentos para ficar sedados. É só imaginar ver um ente querido nesta situação para ter uma ideia do problema.
Em momentos de dificuldade e desespero como este, porém, não é recomendável abrir mão de liberdades civis ou adotar medidas autoritárias para pretensamente controlar a população. Muitos alegam falar em nome da ciência - embora a maioria tenha mais pendores cientificistas do que realmente científicos. Pois bem, vamos adotar então a ciência como parâmetro. Um dos periódicos médicos mais respeitados do planeta, o British Medical Journal (BMJ), publicou nesta quarta-feira um estudo conduzido por especialistas em comportamento defendendo que a melhor forma de garantir o distanciamento social não tem nada a ver com mensagens punitivas, autoritárias ou divisivas. O mesmo estudo afirma que a maneira certa é por meio de mensagens claras, positivas, segmentadas por idade, região e hábitos. Usar o autoritarismo e punições como forma de assegurar o distanciamento pode inclusive ter o efeito contrário, afirmam. Ciência.
Por isso é hora de conservadores e liberais estarem atentos a outras coisas que não se chamam Jair Bolsonaro - que gosta de reclamar, mas até agora, registre-se, não apresentou um plano concreto para abertura econômica ou garantia das liberdades. Ele pode deixar de ser presidente amanhã e o Brasil continuará aqui. Sem liberdade, no entanto, estaremos em um país cada vez mais pobre -economicamente, espiritualmente e intelectualmente. Um sonho para aqueles que cultuam China, Cuba e Coreia do Norte.
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