A fome e o desemprego trazidos pelas restrições impostas por causa da Covid-19 têm tornado a população brasileira de baixa renda ou em posição de vulnerabilidade alvo fácil para estelionatários, que se aproveitam para enganá-la com a falsa oferta de doação de alimentos.
Em uma comunidade carente da Zona Leste de São Paulo, Tamara Santiago, de 28 anos, soube de cestas básicas que seriam distribuídas por uma associação a pessoas da sua região. Para receber o benefício bastaria enviar alguns documentos e pagar uma taxa de 20 reais.
A ideia pareceu tentadora diante do valor da cesta básica, que tem continuamente aumentado de preço desde o início da pandemia. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) publicados em março, a cesta básica em São Paulo aumentou 20% nos últimos 12 meses e está custando R$ 626 no estado. O que compromete quase 57% da renda de um trabalhador que recebe um salário mínimo.
Tamara explica que precisaram pedir dinheiro emprestado para realizar esse pagamento, pois ela e o marido estão desempregados e vivem desde então de doações recebidas de amigos e familiares. Tudo na esperança de conseguir alimentos para os seus três filhos. Mas a cesta nunca chegou.
O vigilante revela que a sua família passou a receber ameaças da população indignada, pois era ele quem coletava, em sua própria casa, os dados e o dinheiro que eram levados todo final de tarde por outra pessoa. Ele conta que se dirigiu ao 49º DP de polícia para formalizar denúncia, mas foi direcionado ao 53º DP, delegacia que atende a área onde aconteceram os fatos, mas não poderá ir pois se encontra enfermo.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que os casos estão sendo investigados como estelionato pelo 41º DP (Vila Rica) e pelo 1º DP de Itapecerica da Serra. E que as vítimas foram orientadas quanto ao prazo de representação criminal e que estão sendo realizadas diligências para localizar o autor do crime.
Golpe do WhatsApp
Golpes pela internet se tornaram mais frequentes durante a pandemia. De acordo com levantamento feito pelo Instituto Ipsos entre novembro e dezembro do ano passado e publicado agora em janeiro, 47% dos brasileiros têm feito mais compras na internet do que antes da pandemia. Com uma multidão de famílias sofrendo com a fome e o desemprego, mas que possuem acesso a redes sociais, a promessa de recebimento de cestas básicas se tornou uma isca perfeita.
Segundo o delegado José Barreto, que chefia o Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos de Curitiba (Nuciber), os boletins de ocorrência sobre crimes online dobraram após a pandemia, chegando a oito mil no ano de 2020 na capital paranaense.
Barreto explica que os estelionatários sempre utilizarão um pretexto para que a vítima possa fornecer dados para eles, como uma isca. Neste caso, a cesta básica. Então é colocado um link, onde a pessoa é encaminhada para uma página falsa, onde serão capturados os dados da vítima, que podem ser utilizados para a prática de outros golpes. Um exemplo desse tipo de golpe é o “Projeto Alimento Solidário”, que oferecia uma cesta básica e um vale-compras de R$ 50 para quem se cadastrasse "gratuitamente". Em outra versão se diz que serão doadas mais de 100 mil cestas básicas e vale-compras para a população de baixa renda, bastando preencher um formulário para receber. Mas a doação nunca chega.
O site que era linkado no Projeto Alimento Solidário foi sinalizado como suspeito pelo site especializado Scamadviser. Segundo Jorij Abraham, diretor do Scamadviser, os motivos para que esse tipo de site seja sinalizado como suspeito é o fato de ele ser um subdomínio, ocultar a identidade dos proprietários no banco de dados; ter outros sites com baixa confiança no mesmo servidor e não estar otimizado para mecanismos de pesquisa.
“Por que um site não gostaria de ser encontrado pelos mecanismos de pesquisa? Cada vez mais, os golpistas não querem ser encontrados para impedir a detecção rápida”, completa Jorij, que revela que hoje cerca de 3 a 5% dos sites mundo afora são fraudulentos.
De acordo com o site Boatos.org, que reportou como boato a oferta de benefício do Projeto Alimento Solidário, a prática de ofertar benefícios tem sido constante, e vários outros supostos projetos são utilizados como chamariz. “Renda Cidadã Emergencial” e ” Vale Gás” são outros supostos programas utilizados por golpistas. Todos plagiando programas reais do governo, na intenção de confundir as pessoas.
O delegado Barreto alerta também para outros tipos de golpe, como o conhecido como “Golpe do Whatsapp”. Golpistas entram em contato com pessoas por telefone oferecendo benefícios. “Para receberem o prêmio, as vítimas devem enviar um código recebido por SMS. Mas na verdade trata-se de um verificador do Whatsapp ou Instagram, que passa o acesso dessas contas para o controle do golpista. E a partir daí os estelionatários têm livre acesso para pedir dinheiro para os contatos das vítimas, se passando por elas”, conta o delegado, que acrescenta que muitos desses golpistas têm experiência de técnicas agressivas de convencimento de telemarketing, o que facilita na prática desses crimes.
O delegado revela que muito desse problema se deve ao fato de as pessoas não entenderem a importância de seus dados, que podem ser utilizados pelos golpistas para criar perfis falsos para aplicarem uma série de golpes.
“É preciso se proteger e nunca passar seus dados para qualquer pessoa. Não existe almoço grátis, por isso é necessário suspeitar de qualquer benefício”, recomenda o delegado.