Como se sabe pelo menos desde os tempos do Novo Testamento, e como o eleitor brasileiro pode atestar sem grandes dificuldades, às vezes o povo prefere os ladrões. Mas certo e errado não são categorias submetidas ao voto popular. O filme “Estrada Sem Lei”, disponível na Netflix, faz justiça aos homens que interromperam a trajetória assassina de Bonnie e Clyde, o casal de bandidos-celebridade que aterrorizou parte dos Estados Unidos na década de 1930.
O filme do diretor John Lee Hancock não pretende gerar confusão moral na cabeça do espectador. Ao contrário, traça uma linha entre o certo e o errado, heróis e vilões. E Bonnie e Clyde, apesar de bonitos e bem-vestidos, não passam de assassinos cruéis, dispostos a matar por sadismo e preocupados apenas com o próprio bem-estar.
Se “Estrada Sem Lei” fosse puramente uma obra de ficção, não chegaria a ser digno de nota: seria mais um filme policial com um enredo previsível. O mérito do filme é contar uma história real, mas sob uma perspectiva nova. De alguma forma, é uma reparação histórica: como mostra o filme, os algozes de Bonnie e Clyde não receberam o crédito devido.
O filme, lançado no ano passado, é ambientado no Texas, no ano de 1934. Bonnie e Clyde já haviam deixado um rastro de sangue na região, de cidade em cidade. Sem o aparato tecnológico de hoje, era quase impossível para os policiais se anteciparem aos criminosos.
Quando foram chamados pelas autoridades do Texas para atuar no caso (leia-se matar Bonnie e Clyde), Frank Hammer (Kevin Costner) e Maney Gault (Woody Harrelson) já eram homens considerados ultrapassados: aposentados, eles haviam pertencido aos Texas Rangers, a lendária unidade de polícia que perseguira criminosos no Velho Oeste e que acabara praticamente extinta. Os tempos são outros. O carro substituía o cavalo. A popularização do cinema e do rádio criava a cultura da celebridade, da qual Bonnie e Clyde se alimentaram.
Os anos 30 também foram anos de pobreza. Poucos anos após o crash da Bolsa em 1929, o país ainda vivia os efeitos agudos da recessão. Isso talvez ajude a explicar a fama de Bonnie e Clyde. Os assaltos a banco eram, de alguma forma, uma espécie de justiça contra aqueles que haviam colocado o país naquela situação. Mas o filme nos convida a uma reflexão moral; os criminosos não são justificados. Os heróis, por outro lado, agem como se espera deles. Hammer é sério, de poucas palavras. Gault, bem-humorado e sagaz. Ambos incorruptíveis. O filme traz alguns resquícios do Velho Oeste, mas com novos elementos - incluindo cenas de perseguição em elegantes Fords V8. Isso, a fotografia cuidadosa e a recriação realista da década de 1930 são bons argumentos a mais em favor do filme. Mas “Estrada Sem Lei” vale a pena, sobretudo, como uma apologia dos heróis desconhecidos.