A aprovação de uma lei que proíbe o aborto após a detecção do batimento cardíaco no estado americano da Geórgia provocou reação de empresas como Disney e Netflix.| Foto: Pixabay

O governador republicano da Geórgia assinou em maio uma lei que proíbe abortos no estado depois que o primeiro batimento cardíaco é detectado. As exceções são as de praxe: casos de estupro e incesto e também quando a mãe corre risco de morrer. Os batimentos cardíacos no feto são detectáveis por volta da sexta semana de gestação. A lei da Geórgia passará a ter efeito em 2020.

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A chamada “Lei do Coraçãozinho” é mais uma que tenta reverter o icônico caso Roe vs. Wade, julgado pela Suprema Corte e que, em 1973, legalizou o aborto nos Estados Unidos. No Alabama, por exemplo, uma lei recém-aprovada pelos senadores estaduais proíbe abortos inclusive em casos de estupro e incesto. A lei foi sancionada pela governadora Kay Ivey. Leis semelhantes estão em tramitação em Ohio, Kentucky e Mississippi.

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O objetivo das leis estaduais é obrigar a Suprema Corte dos Estados Unidos a analisar mais uma vez o assunto e, talvez, levar os juízes a reverter a decisão de Roe vs Wade. Em 1992, uma iniciativa semelhante culminou no caso Planned Parenthood vs Casey, que infelizmente reafirmou a legalização do aborto no país.

"A empresa da família"

A Lei do Coraçãozinho, contudo, ganhou ares dramáticos depois que o CEO da Disney, Bob Iger, disse que a legislação pró-vida inviabilizaria as atividades da empresa na Geórgia. “Acho que muitas das pessoas que trabalham para nós não irão querer continuar trabalhando lá [por causa da nova lei]”, disse ele à Reuters. A Disney é conhecida pelos norte-americanos como “a empresa da família”.

A Geórgia é um importante polo da indústria audiovisual nos Estados Unidos. Estima-se que os estúdios injetem na economia local algo em torno de US$10 bilhões por ano.

Outra grande produtora que ameaçou abandonar suas atividades na Geórgia por causa da Lei do Coraçãozinho foi a Netflix, que usa o estado como cenário para produções de sucesso como Stranger Things. Ted Sarandos, executivo de conteúdo da Netflix, foi mais enfático do que seu colega da Disney. Para ele, a nova legislação da Geórgia seria uma “afronta aos direitos das mulheres”. Ele ressaltou, contudo, que continuará filmando no estado enquanto a lei não entrar em vigor. Afinal, negócios são negócios.

A reação de grandes produtores como a Disney e a Netflix revela a hipocrisia política por trás dos estúdios, sempre preocupados em passar uma imagem de protetores dos direitos humanos. Se por um lado a nova legislação pró-vida da Geórgia incomoda os executivos da Disney, por outro a empresa não vê nenhum problema em gravar em países como a Jordânia e os Emirados Árabes Unidos, que têm leis muito mais severas contra o aborto.

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Aliás, os posicionamentos políticos da Disney nunca foram exatamente firmes em se tratando de direitos humanos. A empresa considera a China, por exemplo, um importante parceiro e uma espécie de “nova fronteira” do entretenimento. A China, no entanto, é um país reconhecido por violar os direitos humanos. No momento, a Disney filma lá a versão live-action de Mulan. Mas não se ouviu nenhuma palavra do CEO sobre acusações de que o governo chinês prende muçulmanos em campos de “reeducação”.

A empresa tampouco ameaçou deixar de filmar na Irlanda do Norte, que recentemente aprovou uma rígida lei pró-vida. Aliás, uma das maiores apostas da Disney para 2020 é Artemis Fowl: O Mundo Secreto, filmado na Irlanda do Norte.

A Netflix tampouco é firme em suas convicções políticas. O mesmo CEO que se manifesta enfaticamente contra a Lei do Coraçãozinho não vê problema algum em filmar a série Marco Polo na Malásia e Narcos na Colômbia – dois países onde o aborto é proibido. A Malásia, por sinal, é um país muçulmano que, como tal, considera homossexualismo crime. Isso não parece ser uma questão de consciência para os produtores.

A reação das celebridades

Várias celebridades também se manifestaram contra a lei da Geórgia. Miley Cirus, ex-Hannah Montana e conhecida mais por suas polêmicas do que por seu talento musical, se manifestou com uma foto no Instagram na qual aparece lambendo lascivamente um bolo sobre o qual se lê “Aborto é uma questão de saúde”.

A cantora Rihanna também se pronunciou pelas redes sociais, numa mensagem com insultos e meia-dúzia de pontos de exclamação. Billie Eilish usou todo o poder de argumentação de seus dezessete anos para dizer que as leis pró-vida são “tão inacreditáveis que me deixam, tipo, vermelha”.

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Até o muçulmano prefeito de Londres, Sadiq Khan, tão crítico da islamofobia, se manifestou a respeito do que está acontecendo na Geórgia. Ignorando o fato óbvio de que todos os países muçulmanos proíbem o aborto e que as leis são prerrogativa dos governos estaduais, não da administração federal, ele aproveitou as recém-aprovadas leis pró-vida para atacar o presidente norte-americano Donald Trump. “O que estamos vendo é um retrocesso nos direitos reprodutivos das mulheres”, disse ele num vídeo endereçado a Trump, não ao rei da Arábia Saudita, claro. A estrela em ascensão Sophie Turner, que acaba de gravar Game of Thrones na Irlanda do Norte, disse ter informado seus agentes que não trabalhará em estados com leis pró-vida. Manifestaram-se ainda Emma Watson, Lady Gaga, Ellen DeGeneres e Busy Phillips, que encorajou as mulheres a assumirem nas redes sociais que já se submeteram a um aborto. A campanha foi um fracasso.