Pesquisa mostra que a Justiça do Trabalho se vê como redistribuidora de renda. Juízes tomam decisões que protegem um trabalho, mas prejudicam milhões.| Foto: Pixabay

A fonte de renda de 5,5 milhões de brasileiros pode estar ameaçada. Este é o número de brasileiros que trabalham com aplicativos de transporte e entregas no país atualmente. Isso porque o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região decidiu que o motorista de Uber não é autônomo e tem vínculo empregatício com o aplicativo.

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Para os julgadores, o trabalhador não exerce as atividades por iniciativa própria e conveniência nem se auto-organiza, estando subordinado à empresa. Se a decisão for confirmada pelo Tribunal Superior do Trabalho, ela formará jurisprudência, o que pode tornar inviável o modelo de negócios não apenas da Uber, mas de outros aplicativos de transporte, como o Cabify e o 99, e de entregas, como iFood e Rappi.

Decisões com base em caráter ideológico

Paradoxalmente, sob o pretexto de proteger o trabalhador, uma decisão como essa da Justiça do Trabalho poderá deixar o trabalhador sem opções e desempregado. É por causa de processos assim que há quem diga que a Justiça do Trabalho toma decisões com base em seu caráter ideológico e é muito protetiva em relação ao trabalhador.

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Uma das principais reclamações feitas por críticos da Justiça do Trabalho é que as decisões ignoram o direito a pretexto de buscar uma “distribuição de renda”. Um exemplo disso ocorreu em março de 2017, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), defendeu a extinção da justiça especial.

Na época, o parlamentar afirmou que juízes tomam decisões “irresponsáveis” que levam pequenas empresas a quebrarem e que a Justiça do Trabalho “não deveria nem existir”.

O que os dados mostram sobre a Justiça do Trabalho

O estudo “As decisões da Justiça Trabalhista são imprevisíveis?”, realizado pelos pesquisadores Bruno Salama, Danilo Carlotti e Luciana Yeung, demonstrou que a percepção de que a Justiça do Trabalho toma decisões ideológicas está correta. Eles analisaram quase 130 mil processos julgados entre 2003 e 2016 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que abrange a Grande São Paulo e região. É a maior amostra de jurisprudências já realizada em uma pesquisa acadêmica no Brasil.

O resultado? Os pesquisadores descobriram que raramente as ações movidas pelos trabalhadores são julgadas improcedentes – apenas 11,45%. O valor médio das condenações às empresas nesse período foi de R$ 28.493,54.

“Nos casos analisados, parece claro que o reclamante sempre terá pedidos acolhidos pelo Judiciário. Ou seja, é previsível que o Judiciário dê provimento, pelo menos parcial, aos reclamantes”, escrevem os pesquisadores.

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Isso significa que a Justiça do Trabalho é previsível: ela tende a dar ganho de causa ao empregado. Tanto que uma das pesquisadoras, Yeung, questiona se, perante tamanho viés, seria racional as empresas arcarem com despesas de advogados para responderem a essas ações.

O levantamento empírico apontou ainda que em mais de 99% das vezes o pedido de assistência judiciária gratuita feita pelos trabalhadores foi aceito pelos magistrados. “Apesar da gratuidade da justiça ser uma solução possível para garantir o livre acesso ao Judiciário dos mais pobres, como ela é concedida de forma irrestrita, a gratuidade pode induzir à litigância frívola e temerária”, afirma o advogado, professor e pesquisador Ivo Gico Jr.

Com a gratuidade quase assegurada, além de juízes que decidem previsivelmente a favor dos empregados, criou-se um conjunto de incentivos perversos para a litigância. “Pedir mais nunca é demais”, concluem os autores do estudo do Insper.

“O mais comum era que reclamantes tentassem de tudo e deixassem ao juiz a tarefa de separar ‘o joio do trigo’, isso é, os pedidos com substância dos pedidos sem qualquer chance de cabimento”, escrevem eles no trabalho acadêmico.

Reforma trabalhista

Vale lembrar que os processos analisados foram julgados antes da reforma trabalhista aprovada em 2017. Entre os pontos aprovados na reforma está a cobrança de honorários de sucumbência pelo reclamante na Justiça do Trabalho. Isso significa que, se o trabalhador entrar com ações que não sejam julgadas procedentes, ele pode ter de arcar com as custas do processo.

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Especialistas acreditam que a medida pode desincentivar a litigância frívola. Dados preliminares mostram que a quantidade de ações trabalhistas diminuiu 17% no primeiro ano de vigência da reforma.

Para magistrados, Justiça do Trabalho serve para fazer redistribuição de renda

Uma pesquisa de 2019, realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), apontou que dois terços dos juízes trabalhistas acreditam que suas decisões não devem ser pautadas por jurisprudências. Ou seja, a maioria entende que não precisa seguir os entendimentos das instâncias superiores ao julgarem um processo. O índice é duas vezes maior do que o observado entre os magistrados da Justiça Federal e 13,6% maior do que entre os juízes estaduais.

Além disso, 14,7% dos juízes trabalhistas disseram que o bom magistrado é aquele que, sobretudo, "valoriza a justiça social". Esse índice é mais do que o dobro do registrado pelos juízes federais e foi bastante superior em relação às respostas dos magistrados das justiças estadual e militar.

Outra prova desse viés foi uma carta divulgada pelos juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) em agosto de 2016, posicionando-se contra cortes orçamentários. Na carta, os juízes diziam que a Justiça do Trabalho é um “poderoso instrumento de distribuição de renda”.

Outro exemplo de que os juízes trabalhistas se veem como promotores da redistribuição de renda, e não como aplicadores da legislação, está no texto "Retrato falado: a Justiça do Trabalho na visão de seus magistrados". Ele foi escrito por Angela de Castro Gomes em 2006. Nele, lê-se:

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"Um diagnóstico reafirmado pelos entrevistados (...) [que destacam] a ‘superioridade’ do direito do trabalho é se tratar sem dúvida do mais testado e eficiente dos meios de minimização das desigualdades — de distribuição de renda, de justiça social.”

Em sua tese de doutorado, a professora Luciana Yeung escreve sobre o contexto em que a legislação trabalhista foi criada:

“Indústria nascente, o operariado emergente, a necessidade de estabilidade social nas cidades, o populismo de Getúlio Vargas, o seu desejo de garantir o apoio dos trabalhadores e de controlar o movimento trabalhista incipiente. Todos esses elementos foram determinantes na forma em que o direito trabalhista brasileiro tomou: paternalista, corporativista, com forte interferência estatal”.

E conclui: “Em termos econômicos, o conjunto de leis trabalhistas criadas por Vargas e seus sucessores teve como consequência econômica a criação, de fato, de um sindicato invisível e monopolista”.

Vale lembrar que o Código de Processo Civil de 2015 acabou com o que os juristas chamam de "livre convencimento". A nova legislação estabelece que os tribunais devem uniformizar a jurisprudência, “a mantendo estável, íntegra e coerente”. Para isso, os magistrados precisam observar os entendimentos dos juízes de instâncias superiores, o que diminui a influência de interpretações pessoais.

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