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86 casos por dia

Estupro e violência contra mulheres: por que ser turista na Índia é tão perigoso

A mãe da jovem Jyoti Singh, que morreu após ser estuprada em 2012, deixa a Suprema Corte após ouvir a decisão do tribunal em Nova Déli (Índia), em maio de 2017. O Supremo Tribunal da Índia manteve a pena de morte para quatro dos acusados que participaram no estupro Singh em 2012, num caso que chocou o país e levou a uma legislação mais dura.
A mãe da jovem Jyoti Singh, que morreu após ser estuprada em 2012, deixa a Suprema Corte após ouvir a decisão do tribunal em Nova Déli (Índia), em maio de 2017. O Supremo Tribunal da Índia manteve a pena de morte para quatro dos acusados que participaram no estupro Singh em 2012, num caso que chocou o país e levou a uma legislação mais dura. (Foto: EFE/Rajat Gupta)

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O vídeo da brasileira relatando o ataque físico e sexual que sofreu durante uma viagem de moto pela Índia no começo deste mês viralizou em todas as redes sociais e deixou os turistas do país asiático em alerta. No entanto, não é a primeira vez que um caso assim ocorre na Índia.

Em 2013, uma americana foi estuprada em um caminhão por três homens e outra turista suíça foi vítima de estupro coletivo quando acampava com seu marido em um vilarejo do distrito de Datia. O mesmo ocorreu, em 2014, com uma dinamarquesa quando foi pedir informações sobre a localização de seu hotel após se perder em Nova Déli e, em 2018, com uma mulher britânica enquanto caminhava para o seu hotel no estado ocidental de Goa.

Essas vítimas são apenas algumas das tantas que já fizeram denúncias na Índia nos últimos anos. O país tem um dos maiores índices de violência contra as mulheres e suas leis não são o suficientemente rigorosas para frear estes atos criminosos.

O casal de influenciadores

“Volta ao mundo de moto”, é o nome do projeto do casal que viralizou no Youtube e no Instagram compartilhando suas viagens pelos cinco continentes. Vicente, de 63 anos, é espanhol mas morou 11 anos no Brasil, onde conheceu a jovem Fernanda, de 28, na cidade de Fortaleza, em 2015. Lá, permaneceram por três anos até que decidiram mudar suas vidas e percorrer o mundo de moto.

Fernanda foi a que teve a ideia de documentar todas as aventuras que teriam dali pra frente. O primeiro destino foi a Europa. Com o tempo, a quantidade de seguidores foi aumentando e vários patrocinadores, interessados em seu trabalho, entraram em contato para ajudar a financiar os custos da viagem. Logo, eles se tornaram um casal bastante influente na internet.

Após conhecer 66 países, o casal foi para a Índia, onde permaneceu por seis meses, com a intenção de continuar a viagem para o Nepal. Na noite de sexta-feira (dia 1° de março), eles decidiram acampar perto de uma estrada na região de Dumka, no leste da Índia, e foram atacados por sete homens que entraram em sua barraca, espancaram Vicente e estupraram Fernanda. Após o ataque, os criminosos fugiram. Por volta das 23h, o casal conseguiu entrar em contato com a polícia, que o levou a um hospital.

“Eles me amarraram e colocaram uma faca no meu pescoço. Disseram que iam me matar e sete homens estupraram a Fernanda”, disse Vicente em uma publicação feita nas histórias do Instagram do casal. Em pouco tempo, o vídeo viralizou e começou a busca da polícia.

Em diálogo com o jornal espanhol El Mundo, Vicente contou que já estavam “a caminho da fronteira com o Nepal, saindo da Índia” quando tudo ocorreu. “Estava escurecendo e decidimos parar e acampar. Já estávamos dentro da barraca quando três homens chegaram em duas motocicletas e começaram a gritar com a gente e a jogar pedras. Quando olhei para fora, vi que um deles carregava uma adaga na manga. (...) Assim que saímos, vimos que mais quatro homens haviam chegado. Enquanto tentávamos conversar com eles e acalmar a situação, três dos homens agarraram Fernanda. Tentei ir atrás dela, mas os outros quatro começaram a me bater”, relatou o marido.

Os delinquentes deixaram Vicente semi-inconsciente, logo o amarraram e o ameaçaram com uma faca. “Colocaram uma espécie de lona na minha cabeça e me disseram que iam cortar meu pescoço e que não queriam sujar de sangue”, comentou o espanhol. Ele também lembrou como levaram Fernanda para trás de uns arbustos e que depois já não a ouvia ou via. “Achei que eles a tivessem matado”, afirmou.

Por sua parte, Fernanda também aceitou falar com o jornal e contou como foi o terrível episódio: “No mato, várias pessoas me agarraram e tiraram a minha roupa. Depois, eles me estupraram em turnos. Sempre havia quatro comigo. Quando gritei, eles me bateram no rosto. Só os ouvi repetindo as mesmas palavras em inglês: only sex, only sex [somente sexo]”.

Vicente ainda lembra que implorou para que eles parassem e que até lhes ofereceu dinheiro. “Mas eles não estavam lá para nos roubar. Eles não tocaram nas motos e nem levaram os US$ 300 que eu tinha na carteira. Eles passaram três horas estuprando a Fernanda”, disse o influenciador.

As autoridades locais informaram que identificaram todos os agressores, que têm entre 20 e 30 anos. No sábado (2), três homens foram detidos e na terça-feira (5), a polícia indiana prendeu os outros cinco suspeitos que estavam foragidos.

O ministro de Jharkhand, Mithilesh Kumar Thakur, chamou o episódio de um “incidente condenável”. “Se um crime foi cometido, os culpados não serão poupados”, disse.

O casal foi indenizado com um cheque de cerca de US$ 12 mil dólares pelo ataque. “[As autoridades da Índia] estão nos tratando muito bem, atendendo todas as nossas necessidades. Também as autoridades consulares espanholas, que estão aqui conosco nos apoiando”, afirmou Vicente.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, a embaixada do Brasil em Nova Déli, capital da Índia, acompanhou e prestou “toda a assistência consular cabível” à turista brasileira na Índia.

“Imediatamente após tomar conhecimento dos fatos, a embaixada do Brasil em Nova Déli procurou contato com a cidadã brasileira e as autoridades locais. Paralelamente, diante da informação de dupla nacionalidade brasileira e espanhola, a embaixada do Brasil coordenou-se com a embaixada da Espanha, que informou estar prestando assistência consular às vítimas”, informou o Itamaraty.

Outros casos na Índia

Um caso bem semelhante ao de Fernanda e Vicente ocorreu em 2013. Um casal de suíços estava de bicicleta em Madhya Pradesh, a caminho do Taj-Mahal, (ponto turístico mais visitado do país) quando foi abordado por vários homens que espancaram e amarraram o marido em uma árvore, e estupraram a mulher.  Eles tiveram ainda seus objetos roubados.

As autoridades prenderam e condenaram seis homens pelo ocorrido. No entanto, o porta-voz da polícia indiana, Avnesh Kumar Budholiya, afirmou durante uma coletiva de imprensa que o casal também foi culpado do ataque por não terem procurado informações sobre a segurança antes de viajar.

"Por que escolheram aquele lugar? Eles estavam no lugar errado na hora errada. Eles passaram por uma delegacia de polícia no caminho para a área em que acamparam. Deveriam ter parado e perguntado sobre lugares para dormir", afirmou Budholiya.

No mesmo ano, uma turista americana sofreu um estupro coletivo na cidade de Manali, no Estado de Himachal Pradesh, após aceitar uma carona. De acordo com informações do chefe de polícia local, Kamal Kumar, a mulher de cerca de 30 anos foi estuprada na boleia de um caminhão por três homens. Ela voltava de uma caminhada na montanha para a casa onde estava hospedada.

Em 2014, uma turista dinamarquesa de 51 anos denunciou que foi estuprada por oito homens de Nova Déli. A mulher teria sido levada a um lugar isolado e estuprada após pedir informação aos mesmos sobre a localização de seu hotel ao se perder na zona comercial de Connaught Place, no centro da capital.

Após o ato, a dinamarquesa conseguiu chegar no local onde estava ficando hospedada e pediu ajuda ao diretor do hotel que chamou à polícia. Dois anos depois, cinco homens foram condenados à prisão perpétua.

Dados que preocupam 

Os casos de abuso sexual na Índia são denunciados frequentemente não apenas por turistas como também pelas nativas. O caso da estudante de fisioterapia Jyoti Singh, de 23 anos, que foi estuprada e torturada por seis homens em um ônibus em movimento na cidade de Nova Déli, em 2012, foi um dos casos mais marcantes da história do país.

A Índia teve de lidar com vários dias de protestos devido à morte da jovem, 13 dias após o incidente, ocasionada pelos ferimentos internos quando foi jogada nua do ônibus.

O caso de Singh fez com que milhares de pessoas fossem às ruas do país para expressarem sua indignação e cobrar ações mais firmes por parte das autoridades. Como resultado, houve mudanças em suas leis que tornaram um pouco mais severas as sentenças para este tipo de crime. No entanto, não foi o suficiente para diminuir o número de denuncias por abuso sexual.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Índia é considerada como o pior país para uma mulher viver, no grupo das vinte nações mais ricas do mundo. Segundo dados do próprio governo indiano, um total de 31.516 casos de estupro foram registrados em 2022, uma média de 86 casos por dia.

O relatório da National Crime Records Bureau (NCRB — Departamento Nacional de Estatísticas Criminais) detalhou uma escalada substancial nos crimes denunciados contra mulheres. Enquanto em 2020 houve 371.503 casos, em 2021 foram registrados 428.278, passando para 445.256 casos em 2022, marcando um aumento preocupante em relação aos anos anteriores.

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