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Tom Cruise está em busca de um jovem astro para sucedê-lo no posto de principal embaixador mundial da Cientologia.
Tom Cruise está em busca de um jovem astro para sucedê-lo no posto de principal embaixador mundial da Cientologia.| Foto: Divulgação/Paramount Pictures

De tempos em tempos, voltamos a ouvir falar da Cientologia – e as histórias são, invariavelmente, controversas. Neste ano, novos fatos envolvendo os adeptos dessa religião misteriosa, que combina ufologia, espiritismo e autoajuda, vêm pipocando na imprensa todas as semanas. As notícias incluem processos judiciais, acusações de estupro, intimidações, uma pessoa desaparecida e, é claro, seu membro mais famoso: Tom Cruise.

Já em janeiro, a Igreja da Cientologia voltou à baila por conta de uma piada contada pelo humorista Jerrod Carmichael, apresentador da 80ª edição do Globo de Ouro, premiação promovida pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros em Hollywood (e considerada uma prévia do Oscar). Herdeiro de uma tradição de comediantes negros e polêmicos, como Chris Rock e Dave Chappelle, ele fez um comentário pouco compreendido durante a transmissão do evento, mas que ganhou bastante repercussão nos dias seguintes.

Para tirar sarro de Tom Cruise, que em 2021 devolveu três troféus recebidos em anos anteriores, num protesto contra a “falta de diversidade” entre os membros da associação, Carmichael apareceu no palco com as supostas estatuetas e disse: “Sou apenas um anfitrião temporário, mas tenho uma proposta. Acho que podemos pegar essas três coisas aqui e trocá-las pelo retorno seguro de Shelly Miscavige”.

Ele se referia à mulher de David Miscavige, líder dos cientologistas e considerado o grande guru de Cruise. Shelly não é vista em público desde 2007, e muitos têm dúvidas sobre seu paradeiro e estado de saúde. Segundo a igreja, ela apenas quis se recolher para se dedicar a projetos pessoais. E o próprio Departamento de Polícia de Los Angeles, cidade-sede da organização, garante que ela não está desaparecida. Mas o caso já virou uma espécie de lenda urbana em Hollywood, onde o grupo costuma converter celebridades desde os anos 1960.

Vários ex-membros da religião se sentiram vingados pela piada, incluindo a atriz Leah Remini, conhecida por escrever livros e produzir documentários sobre os abusos psicológicos que presenciou enquanto fazia parte do grupo. Em suas redes sociais, a antiga protagonista da série ‘O Rei do Bairro’ agradeceu Charmichael pela piada e voltou a perguntar: “Onde está Shelly?”.

Talvez aproveitando o momento, ela também anunciou, no início de agosto, que finalmente entrou com um processo judicial contra a igreja e David Miscage. “Por 17 anos, eles me submeteram a tortura psicológica, difamação, assédio e intimidação, impactando minha vida e carreira. Acredito que não fui o primeiro alvo da Cientologia e de suas operações, mas pretendo ser a última”, afirmou.

Não são raros os depoimentos de cientologistas dissidentes que alegam sofrer perseguições após abandonarem a igreja. O diretor e roteirista Paul Haggis, por exemplo, recentemente condenado pelo estupro de uma mulher, acusa o grupo de forjar provas para incriminá-lo. “A Cientologia é muito bem-sucedida em destruir seus inimigos sem deixar uma única impressão digital para trás”, disse sua advogada, durante o julgamento.

A defensora do vencedor do Oscar pelo filme ‘Crash: Sem Limite’ ainda mencionou no tribunal uma entrevista concedida por ele à revista New Yorker logo após sua saída da organização. “Dentro de dois ou três anos, o público vai ler notícias de algum escândalo envolvendo a minha pessoa. Um problema que vai parecer não ter nada a ver com a igreja”, afirmou na época. O argumento, no entanto, não pesou para o júri – e Haggis foi obrigado a pagar uma indenização à vítima no valor de U$ 7,5 milhões (R$ 36,5 milhões, na cotação atual).

Outro caso de agressão sexual cometido por um cientologista teve seu desfecho na semana passada. Danny Masterson, astro das séries cômicas ‘That 70’s Show’ e ‘The Ranch’, foi condenado a 30 anos de prisão por drogar e estuprar duas mulheres, ex-integrantes da igreja, no início da década passada.

O julgamento ganhou uma extensiva cobertura midiática, justamente por envolver a Cientologia – que, de acordo com as vítimas, tentou intimidá-las, buscando evitar a continuidade do processo. Porta-vozes do grupo, por sua vez, acusaram a imprensa de promover o preconceito religioso e associar o réu ao seu credo religioso.

Relativamente nova, doutrina foi criada por um autor de ficção científica 

Não é muito fácil explicar os preceitos “cientológicos” em linhas gerais. Criada pelo escritor norte-americano de ficção científica L. Ron Hubbard na década de 1950, a doutrina gira em torno do conceito de thetan, a essência espiritual de cada indivíduo. Segundo Hubbard, os thetans carregam as experiências traumáticas vividas pelos humanos em outras encarnações, que acabam afetando negativamente a existência atual.

Para eliminar esses traumas – e deixar a mente limpa, livre e mais desenvolvida –, os membros da Cientologia se submetem frequentemente a um processo conhecido como dianética. Descrita como uma “ciência moderna da saúde mental”, essa prática consiste em uma longa série de sessões nas quais os cientologistas relatam suas emoções para um “auditor”.

Auxiliados por um equipamento parecido com um polígrafo, o e-meter, utilizado para “medir o estado mental dos indivíduos e suas mudanças”, os auditores ouvem essas memórias e ajudam as pessoas a alcançarem um estágio mental e espiritual superior.

Aliás, esse aparelhinho também entrou na pauta da imprensa neste ano. Tudo porque a igreja não admite que ele seja incluído no conceito de “direito ao reparo” – que consiste na liberdade do consumidor de realizar a manutenção de produtos eletrônicos como bem entender, não dependendo apenas dos fabricantes.

Nos últimos anos, alguns estados americanos já aprovaram leis que favorecem os usuários nesse sentido. Entretanto, a empresa produtora dos e-meters, ligada ao espólio de L. Ron Hubbard, considera ilegal o acesso não autorizado ao equipamento, cujos direitos autorais são protegidos. Para os críticos, porém, o receio da organização vai além da quebra de patente – reside na possibilidade de que as assistências técnicas externas comprovem a completa ineficácia e falta de utilidade dos aparelhos.

Fundador da igreja afirmava que somos extraterrestres reencarnados

Até aí, a Cientologia não difere muito de outras modalidades de autodesenvolvimento oferecidas por terapeutas e coaches disponíveis aos montes no mercado. Mas Hubbard adicionou um enredo fantástico à sua narrativa, protagonizada por extraterrestes obrigados a migrar para a Terra há milhares de anos, após uma crise de superpopulação em seu império intergaláctico. Trocando em miúdos, esses ETs refugiados são os thetans e os humanos, suas sucessivas encarnações em busca de evolução.

Origens à parte, os críticos da igreja costumam demonstrar preocupação com relação a alguns de seus dogmas. Especialmente no tocante à aversão dos cientologistas aos tratamentos médicos convencionais. Há vários registros de adeptos que morreram apenas por não tomarem remédios ou não buscarem ajuda em situações de emergência.

Entre os casos mais famosos está o de Jett Travolta, filho dos atores John Travolta e Kelly Preston, dois dos mais notórios membros do grupo. Diagnosticado com autismo aos 2 anos de idade, ele morreu aos 16, em 2009, devido a uma convulsão. Travolta nega qualquer tipo de negligência baseada nos preceitos de sua religião, mas ainda hoje é acusado de não ter procurado o acompanhamento correto para o adolescente.

Anos depois, o ator teria ouvido amigos próximos, não cientologistas, e aceitado submeter Kelly a um tratamento tradicional contra o câncer de mama. A atriz, no entanto, não conseguiu vencer a doença e morreu em 2020, aos 57 anos.

Outra celebridade de Hollywood ligada à organização, Kirstie Alley (conhecida no Brasil pela série de filmes ‘Olha Quem Está Falando’), também morreu de câncer recentemente, em dezembro do ano passado, aos 71 anos. Segundo o jornalista norte-americano Tony Ortega, especialista na cobertura dos assuntos relativos à Cientologia, a atriz havia alcançado, em 2018, o nível mais alto dentro de todas as etapas de desenvolvimento da doutrina (um processo que pode levar 20 anos e custar aos adeptos milhares de dólares em cursos e sessões de audição).

Quem chega a esse estágio, de acordo com Ortega, é incentivado a acreditar que possui habilidades sobre-humanas e está imune a doenças. Este seria o caso de outro cientologista famoso acometido por um câncer – o músico de jazz Chick Corea, morto em fevereiro de 2021.

Apesar destas e outras controvérsias (a lista de histórias cabeludas é extensa e inclui até acusações de tráfico infantil), a Cientologia não parece estar enfraquecida. Mesmo a suspeita de que Tom Cruise teria deixado a religião, divulgada neste ano por vários veículos de imprensa, não se confirmou.

Pelo contrário: novas informações dão conta de que o próprio Cruise está em busca de um jovem astro para sucedê-lo no posto de principal embaixador mundial da igreja. Entre os candidatos estão Austin Butler, ator indicado ao Oscar deste ano por ‘Elvis’, e Robert Irwin, apresentador de programas de televisão sobre vida selvagem – filho do falecido Steve Irwin, pioneiro nesse tipo de atração.

Diretora de uma “missão” em São Paulo acredita que o Brasil tem apenas 900 adeptos

Apesar de ser considerada uma seita em vários países, a Cientologia é tratada como religião no Brasil. Mas é mais fácil identificar seus praticantes por meio do termo “dianética”, presente em livros e cursos oferecidos na internet.

“Acredito que existem cerca de 900 pessoas que realmente levam a sério a Scientology no Brasil. Outras 20 mil são simpatizantes, que participam eventualmente de atividades”, afirma Luciana Santos, de 38 anos, pedagoga e diretora de uma “unidade” localizada no bairro do Tatuapé, em São Paulo.

Sim, os adeptos brasileiros não falam o nome em português. Questionada se essa é uma determinação da sede norte-americana, Luciana nega. “É um nome próprio, só por isso. Se eu tenho um amigo chamado Joseph, não vou chamar ele de José”, diz.

Segundo ela, que conheceu a doutrina em 2003, quando buscava superar uma depressão pós-parto, a relação com a matriz em Los Angeles é “bem livre”. Não há uma centralização muito rígida, e cada unidade apenas negocia com os americanos licenças de direitos autorais para trabalhar com os conteúdos produzidos por eles (até a gráfica que imprime os livros em português fica nos Estados Unidos).

No mais, não existe uma preocupação com a realização sistemática de encontros ou rituais. Ainda assim, as missões locais (como também são chamadas) podem promover casamentos, batizados e até cerimônias fúnebres. Luciana também garante que não se cobra qualquer forma de dízimo dos membros, que custeiam a manutenção das unidades comprando livros e inscrições para cursos e palestras.

“Os americanos costumavam vir com frequência dar palestras aqui, mas depois da pandemia isso diminuiu bastante”, afirma a pedagoga, que realizou um treinamento nos EUA em 2015, no estado da Flórida, onde a Cientologia inaugurou, dois anos antes, uma catedral. Comparado a um parque da Disney, o complexo levou 15 anos para ser construído e custou US$ 145 milhões (o equivalente a R$ 706,1 milhões).

Para Luciana, as polêmicas envolvendo o grupo são parte de um processo natural enfrentado por qualquer religião nova. “A Scientology é muito diferente e fora do padrão. E tudo que é assim causa impacto. Não nos sentimos incomodados com o que as outras pessoas pensam. Apenas observamos”, diz.

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