A busca desenfreada pela autopromoção atinge patamares inéditos nas redes sociais. Enquanto muitos influenciadores de esquerda exibem sua devassidão com um estranho orgulho, seus opostos de direita optam por ostentar suas virtudes como troféus. Eles alegam ter transcendido a “quarta camada da personalidade”, um estágio onde o desejo de ser amado supera o anseio pelo dever para com Deus, agindo com retidão apenas quando há elogios em vista.
Contudo, há uma evidente discrepância entre essa suposta maturidade emocional e a realidade por trás das narrativas compartilhadas. Será que ninguém percebe que a constante exibição de virtudes denuncia uma dependência da aprovação alheia? Quantos não colocam o seu bem-estar nas mãos do público? A conquista de milhares de seguidores pode inflar seus egos, conferindo-lhes uma sensação de poder quase divino, enquanto a ausência de reconhecimento tende a lançá-los em uma profunda desolação, fazendo-os sentir-se insignificantes em meio ao vasto universo dos deuses do Instagram.
Proximidade
No passado, quando as pessoas acompanhavam a vida dos famosos, havia uma enorme distância entre elas e seus ídolos. Lembro-me de ter sido fã de Avril Lavigne, vendo-a como alguém distante de mim, intocável e perfeita, segundo meus parâmetros adolescentes. No entanto, hoje em dia, os famosos não são necessariamente figuras distantes; são pessoas comuns que ascenderam “do nada” usando as redes sociais. Embora possam empregar estratégias para aumentar seu alcance, essencialmente não são muito diferentes de nós.
Essa proximidade gerou uma nova percepção em relação aos influenciadores, os quais muitas vezes são vistos como amigos virtuais prontos para ouvir e aconselhar, além de compartilhar suas vidas íntimas conosco. Os cursos de marketing digital aproveitam essa mudança de paradigma, capitalizando sobre uma ansiedade generalizada, um sonho coletivo, uma promessa impagável de que qualquer um pode se tornar o próximo milionário ou um ícone do conservadorismo.
Falsas virtudes
É curioso como até aqueles que se consideram propensos ao “pensamento crítico”, desaprovando as dancinhas sensuais ou o BBB, encontram sua própria maneira de inflar o ego. São os que fazem publicações que enumeram as virtudes necessárias para ser seu namorado, além de autoelogios por hábitos simples como acordar cedo e tomar banho gelado, e até mesmo a exposição do faturamento mensal como um estandarte de sucesso.
O cenário torna-se ainda mais dramático quando sinalizam virtudes de atividades que nem sequer se tornaram hábitos enraizados. Por exemplo, alguém se matricula em uma academia e imediatamente compartilha uma foto com uma frase típica de marombeiros, criando a impressão de um estilo de vida regrada já consolidado. Da mesma forma, os influenciadores menores (até o homem comum) distorcem suas situações financeiras, com contas bancárias vazias sendo ofuscadas por fotos em restaurantes e viagens de luxo, todas parceladas no cartão de crédito.
A discrepância entre a imagem projetada no Instagram e a realidade leva muitas pessoas a idolatrarem seus deuses, sem perceber que muitos deles enfrentam problemas como depressão, ansiedade e um vazio existencial profundo. O sentimento de grandiosidade que os acompanha é frequentemente efêmero, sendo rapidamente seguido por uma autocrítica severa, uma voz interna que ecoa: “Eu sou uma farsa!”
São figuras divinas sentindo que, no dia a dia, não conseguem corresponder à imagem perfeita que construíram virtualmente, com o auxílio de maquiagens, filtros e edições meticulosas. Então, por que se comparar a esses influenciadores, seja em termos de corpo, finanças ou relacionamentos, quando a realidade humana nunca é tão entusiasmante e perfeita quanto nas redes sociais?
Cartilha uniformizante
Há ainda um público que se distingue por sua preocupação com questões globais, especialmente as políticas, diferenciando-se daqueles que parecem mais voltados para o próprio ego e a inveja disfarçada de admiração. No entanto, esse grupo muitas vezes se sente menos inteligente ou compassivo por não dominar técnicas retóricas necessárias para expressar seu “vasto conhecimento” geopolítico. Eles não conseguem explicar detalhadamente a guerra em Israel, as estratégias militares de Putin ou as decisões arbitrárias do STF. O que fazem então? Idolatram influenciadores que têm respostas prontas para todo fenômeno mundial, simplesmente repetindo ideias e conceitos das bolhas conservadoras.
O cenário é tão obscuro que esconde um movimento significativo de conservadores que se assemelha aos ideólogos ao promover uma cartilha uniformizante. São grupos que citam os mesmos autores, vestem as mesmas roupas e têm os mesmos planos de vida. Imaginam que a leitura das obras de Tolkien possibilita um entendimento automático de simbolismo e os livros de Chesterton os deixam automaticamente menos alienados.
Da mesma forma, associam a prática de musculação a um incremento na masculinidade e a abertura à vida à feminilidade, como se essas características fossem modelos iniciáticos que conferissem virtudes automatizadas ao espírito. Parece que as ambiguidades da consciência foram suprimidas por uma identidade grupal rígida e valores estereotipados.
Com esse tom provocativo, não estou desmerecendo a genialidade de Tolkien e Chesterton, assim como os benefícios de acordar cedo e tomar banho gelado. O meu único propósito é aletar contra as generalizações excessivas, pois tenho visto uma tendência preocupante entre os conservadores, algo que tem sido ignorado.
Tem gente com receio de ler obras filosóficas como as de Nietzsche ou Hegel, enquanto outros caem na armadilha de estereotipar todos os pobres como preguiçosos e idealizar a felicidade associada às famílias numerosas. Acabam caindo no pensamento único descrito por Orwell e em padrões estereotipados de autoexaltação. Cabe lembrar da sabedoria da passagem bíblica de João 5:31: “Se eu dou testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro.”
A verdade é que precisamos abandonar o próprio ego e cultivar uma mentalidade flexível para apreciar as sutilezas da realidade. Não há um universo preto e branco: o estudo excessivo de simbolismo pode causar um deslocamento da realidade material, ao passo que uma adesão inflexível ao tradicionalismo pode resultar em desencanto com o presente.
Em contraponto, lembro das palavras de Mário Quintana: “Os tempos mudaram, mas a vida continua a mesma. Eu não sou como aqueles velhos que dizem: ‘Ah, os bons velhos tempos…’ Eu tenho vontade de dizer para eles: ‘Os tempos são sempre bons, o senhor é que não presta mais…’”
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