Dada a oportunidade, as pessoas em geral estão mais dispostas a sofrer ou a causar dor nos outros, em troca de dinheiro? Experimento descrito na edição mais recente do periódico PNAS sugere que a primeira opção é significativamente mais aceita que a segunda, confirmando a hipótese de que pessoas comuns são capazes de agir de modo “hiper-altruísta”, abrindo mão de vantagens pessoais para poupar outros, mesmo estranhos, de sofrimento.
“A noção de que as pessoas se comportam de modo ‘hiper-altruísta’ é realmente desafiadora diante de diversas perspectivas”, reconhece o principal autor do artigo que apresenta o experimento, Lukas J. Volz, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. “Incluindo as teorias econômicas que, frequentemente, sugerem que todos tentamos, principalmente, maximizar o ganho pessoal”.
Além de decidir sobre aplicar dor a si mesmo ou a outra pessoa, em benefício próprio, os voluntários tinham ainda a opção de sofrer dor em benefício do outro – recebendo um choque para que um desconhecido fosse premiado – e de causar dor no outro para que a vítima recebesse uma recompensa.
O experimento foi conduzido do seguinte modo: o voluntário via-se diante de uma tela de computador onde aparecia uma “oferta”, que ele deveria aceitar ou recusar, sob a forma de duas barras horizontais coloridas de tamanhos diferentes, uma verde, representando uma recompensa em dinheiro, e uma amarela, representando a intensidade de um choque elétrico. As ofertas se repetiam, mas com quatro fatores variando: não só o comprimento de cada uma das barras, mas também o destinatário da dor e do dinheiro: o próprio voluntário ou um desconhecido.
Os resultados: 80% das ofertas de sofrer dor para ganhar dinheiro foram aceitas, assim como 70% das ofertas de causar dor em terceiros em benefício próprio. Também foram aceitas 60% das ofertas de sofrer dor para que um estranho se beneficiasse, e 70% das ofertas de causar dor num estranho para que o desconhecido recebesse o dinheiro.
Salvar o outro
“Os participantes se mostraram dispostos a sofrer alguma dor para beneficiar os outros de modo altruísta”, destaca Volz, lembrando, no entanto, que a disposição de sofrer dor pelos outros, embora presente, foi que menos se manifestou, sendo aceita em apenas 60% das vezes. “O comportamento altamente altruísta parece depender bastante da modalidade do cenário: estamos mais dispostos a agir de forma altruísta em cenários onde podemos salvar os outros do sofrimento, em vez de apenas beneficiá-los às nossas custas. Isso pode ter implicações, por exemplo, para compreender decisões em contextos como doação de órgãos”, acredita.
A partir do tamanho relativo das barras verde e amarela – dinheiro e dor –, os autores do artigo calcularam o que pesava mais na decisão dos voluntários em cada situação: se a quantidade de dinheiro prometida ou a intensidade da dor esperada. Quando a opção era sofrer dor para ganho próprio, o fator que mais pesou foi o tamanho da recompensa; quando a opção era sofrer dor para beneficiar o desconhecido, a intensidade prevista do choque foi primordial. Ou seja, mesmo na mais altruísta das ações – sofrer dor para beneficiar o outro – o fator preponderante no cálculo dos voluntários foi egoísta: eles levaram mais em conta quanta dor teriam de suportar, não quanto dinheiro o estranho receberia.
Os autores do artigo sugerem que, em vista disso, os modelos teóricos – tanto em economia quanto em filosofia moral – que veem prejuízo e recompensa como equivalentes não refletem corretamente a forma como o cérebro humano avalia essas situações. Nesses modelos, deixar de ajudar uma pessoa (privá-la de uma recompensa) e prejudicá-la (causar-lhe uma perda) são vistas como ações idênticas. Mas não é assim que a mente interpreta essas situações.
Pesos diferentes
Para Volz, essa é uma constatação que pode ter implicações importantes tanto para a teoria econômica quanto para o desenho de políticas públicas, ao pôr em evidência o fato de que danos e recompensas têm pesos diferentes, dependendo do contexto.
“Em situações onde decisões beneficiarão o bem-estar de outros e terão potenciais implicações negativas para nós mesmos, por exemplo, aumentando impostos para aumentar a segurança social, nossa resposta pode diferir, dependendo de se acreditamos que estamos abrindo mão de benefícios ou se estamos sendo prejudicados”, pondera o autor.
“Os resultados de Volz e seus coautores corroboram a visão de que modelos econômicos de auto-interesse puro são caricaturas, incapazes de explicar a evolução dos comportamentos cooperativos, dos quais a vida social depende. A modalidade da consequência, ou percepção dos efeitos para si das escolhas morais, juntamente com as emoções e sentimentos morais, são fundamentais para explicar que o altruísmo genuíno é possível”, disse à BBC Brasil a economista Roberta Muramatsu, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo e especialista na área e economia comportamental.
“Mais interessante foram os resultados obtidos pelos autores”, prossegue ela. “São compatíveis com que um número crescente de economistas e sociólogos vem destacando – indivíduos são altruístas porque isso lhes dá alguma satisfação, não necessariamente material. Os autores chamam de ‘altruísmo com viés egoísta’. Eu sinceramente tenho dúvidas sobre a adequação do termo, pois ele parece carregar uma negativa carga valorativa desnecessária”.
Muramatsu elogia o destaque dado pelos autores ao fato de que as escolhas envolvendo ganhos e danos não são intercambiáveis. “Isso coloca um problema para a nossa tarefa de desvendar a influência das tendências egoístas e altruístas. Já existem evidências neurais sobre estruturas distintas associadas à representação dos prêmios e danos. Os autores destacam tal ponto de maneira bem oportuna, e rigorosa”.
Com “puxadinhos” no Orçamento, governo Lula legaliza fracasso do arcabouço fiscal
Alexandre de Moraes procurou presidente do Banco Central para pedir pelo Banco Master
Campanha da Havaianas com Fernanda Torres leva chinelada de políticos e consumidores de direita
Próximo alvo? As semelhanças e diferenças nas ofensivas de Trump contra Maduro e Petro