Pode-se passar horas discutindo os méritos artísticos da performance realizada na abertura da Mostra Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Mas existe uma outra questão envolvida nesse caso: é recomendável expor crianças à nudez dessa forma?
Há algum problema com esse tipo de contato com a nudez? Sem dúvida.
“O que aconteceu lá foi um abuso sexual e psicológico”, responde a psicóloga Georgia Scher, que atua nas varas de família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro há 17 anos.
“Não foi pedofilia, que se define como uma doença cujo portador depende de uma criança para obter satisfação sexual. Mas foi um caso claro de abuso. A mãe poderia inclusive responder à Justiça, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente garante proteção diferenciada para toda criança”.
Em nota, a Associação Médica Brasileira emitiu opinião parecida: “Não consideramos a performance adequada, pois expõe nudez de um adulto frente a crianças, cuja intimidade com o corpo humano adulto, de um estranho, pode não ser sficiente para absorver de forma positiva ou neutra essa experiência. Situações de nudez, contato físico e intimidade com o corpo são próprias do desenvolvimento humano, desde que ocorram entre pessoas com perfis equivalentes, quanto à idade, maturidade e cultura”.
O que pode?
Qual a diferença entre aprender o funcionamento do corpo humano numa aula de biologia e tocar o corpo nu de um coreógrafo durante um evento público? É o contato físico. “Essa criança foi estimulada a tocar no corpo de um adulto nu. Ela não tem a maturidade necessária para entender o significado do que ela fez”, explica Georgia Scher, que atua em perícias, inclusive com denúncias de abuso.
“Por mais que a mãe tenha explicado, ela não vai saber a diferença de contextos. Ela poderia repetir o gesto num outro momento, longe da mãe, com um homem, conhecido ou desconhecido, que a incentivasse a tocá-lo”.
A terapeuta Veronica Esteves de Carvalho explica que a descoberta da sexualidade é um processo natural: “Crianças estão descobrindo o mundo e a si próprio tentando entender sensações e sentimentos que os estímulos recebidos de fora provocam dentro de si. Em um processo exploratório e de grande curiosidade, vão entendendo ao longo da infância as relações e diferenças de gêneros, as sensações de prazer e desprazer que o corpo nos proporciona, além de irem aprendendo sobre privacidade e intimidade”. O problema é quando os estímulos são confusos.
“As exposições ao nu provocam uma série de questionamentos que precisam ser entendidos pela criança para que isso não atrapalhe em seu desenvolvimento”, diz Carvalho, que exemplifica: “Posso passar a mão no corpo de qualquer adulto? Posso ficar pelado na frente de qualquer pessoa? As pessoas podem passar a mão no meu corpo? Enfim, quais os limites corporais que devemos respeitar e ensinar as crianças para que elas não fiquem expostas e vulneráveis? Sabendo dos seus limites, a criança aprende a respeitar o próprio corpo e, consequentemente, o corpo do outro, evitando a confusão de sentimentos, a erotização precoce e situações de vulnerabilidade.”
Educação cuidadosa
Isso não significa evitar a educação sexual. Ela apenas precisa respeitar as fases de desenvolvimento psicológico e emocional. O melhor caminho, nesse caso, é responder ao que as crianças perguntarem, manifestando sua própria curiosidade. “Os pais devem ensinar sobre o corpo humano, sobre sexualidade, dentro das necessidade delas, partindo de um desenvolvimento natural. Você não precisa acelerar esse desenvolvimento, essa maturação”, diz Georgia Scher.
Já para Patrícia Paione Grinfeld, psicóloga e idealizadora do projeto Ninguém Cresce Sozinho, é preciso levar em conta que as crianças são curiosas por natureza. “É saudável que a criança possa explorar o próprio corpo. A exposição ao nu pode ser prejudicial quando a nudez desperta na criança sentimentos que lhe são confusos, como por exemplo, se sentir inferiorizada por ter um corpo sem os ‘volumes’ do corpo de um adulto. E é sempre prejudicial quando a nudez tem um caráter erótico, de sedução”.
“Até aproximadamente os seis ou sete anos a criança internaliza as regras sociais. Isso significa que até esta idade ela ainda precisa de ajuda dos adultos para poder entender e se apropriar das normas que regulam a vida em sociedade, como por exemplo, o que é permitido/proibido, público/privado em relação ao corpo dela e ao corpo de qualquer outra pessoa”.
E quanto a ver os pais nus? Grinfeld responde: “Isso sempre vai depender do contexto de cada família e da maneira como cada criança fica diante da situação.”