No mundo das finanças, a semana começou lembrando o pior de 2008, quando a falência do centenário banco Lehman Brothers deu início a uma crise no sistema financeiro mundial. O Banco do Vale do Silício (SVB), especializado em startups, colapsou durante o fim de semana (11 e 12) após sinais de crise desde quarta-feira passada (08). O banco, que completa 40 anos, anunciou um prejuízo de US$ 1,8 bilhão (R$ 9,42 bilhões), o que fez com que os clientes temerosos de perder dinheiro corressem para retirar o dinheiro depositado — o pior pesadelo de todo banco. Os clientes do SVB ganharam a garantia das principais instituições econômicas do governo americano de que o dinheiro de impostos seria usado para cobrir seus depósitos, ação que as instituições justificam como uma forma de não alastrar a crise.
Ilustrativa da crise foi a venda da sucursal britânica do SVB por apenas uma libra esterlina (6,4 reais) para o banco HSBC, com mediação das autoridades. Kemi Badenoch, parlamentar conservadora e Secretária de Estado para o Comércio Internacional do Reino Unido, comemorou a movimentação, pois representa uma possível solução para os investidores sem socorro baseado em impostos.
É possível que a crise do banco não seja meramente econômica, mas também tenha uma dimensão ideológica. Felippe Hermes, editor-chefe do site BlockTrends, voltado para finanças e criptoativos, comentou que o SVB “foi um dos bancos mais ativos em promover a agenda ESG, com foco em sustentabilidade, governança e pautas sociais”. Sigla em inglês para “Ambiental, Social e Governança”, o selo ESG é uma moda no mundo corporativo que supostamente comprovaria que uma empresa é responsável e ética.
Em conformidade com essa agenda, o SVB “pode ter sido distraído por exigências da diversidade”, comentou o colunista Andy Kessler, do Wall Street Journal. Após oferecer uma explicação puramente econômica dos motivos pelos quais o banco faliu, Kessler informa que, em um manual para orientar o voto de acionistas em reuniões, o SVB comentou com orgulho que tem em sua mesa diretora “45% de mulheres”, “um negro”, “um LGBTQ+” e “dois veteranos [de guerra]”. “Não estou dizendo que 12 homens brancos teriam evitado essa bagunça”, explica Kessler, mas essa mensagem revela algo sobre prioridades.
A maioria dos clientes do Banco do Vale do Silício eram empresas startups, ou seja, iniciantes. Em conjunto, são investimento de alto risco. Entre abril de 2022 e janeiro de 2023, o banco sequer tinha um funcionário dedicado à gestão de risco. O manual para acionistas do SVB, no mesmo período, registra quarenta menções às pautas ambientalistas e sociais. Havia um comitê supervisor que incluía entre suas prioridades “sustentabilidade ambiental, mudanças climáticas, iniciativas externas da empresa para diversidade, equidade e inclusão”. O setor ambiental, por exemplo na produção de tecnologia para energia eólica e solar, tem um histórico de entregas insuficientes apesar de investimentos governamentais na casa dos trilhões, como conta o especialista Michael Shellenberger.
O selo ESG é usado para rankings produzidos por nomes tradicionais do mundo financeiro como a S&P. Em maio do ano passado, quando a fabricante de carros elétricos Tesla foi excluída do ESG, o chefe da empresa, Elon Musk, reagiu no Twitter: “O ESG é um golpe. Foi transformado em arma por farsantes justiceiros sociais”. Ele também ironizou que a petrolífera ExxonMobil — com um histórico de grandes desastres ambientais, como o vazamento do petroleiro Exxon Valdez, em 1989 — era classificada entre as dez melhores do mundo para o meio ambiente. Antes da exclusão, ele chamou o ESG de “diabo encarnado”. O ativista conservador Tom Fitton, da ONG contra a corrupção Judicial Watch, concordou: “Os padrões do ESG são marxistas e muitas vezes estão em conflito com a lei e outras obrigações fiduciárias”.
Uma das cabeças por trás do ESG é a de Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial. Há décadas, a organização por trás da cúpula anual na Suíça, que atrai líderes do mundo todo, propõe que as empresas devem dar menos prioridade à entrega de lucros aos acionistas para enfatizar o “capitalismo das partes interessadas” (“stakeholders”), que seriam, por exemplo, aquelas pessoas que enfrentam consequências indiretas (externalidades) da atividade das empresas, como as afetadas pelo aquecimento global. Essa ideia ganhou a simpatia especial da esquerda, e, para críticos como Musk e Fitton, virou uma desculpa para a introdução de ideologia progressista nas missões das empresas, assentando seu domínio cultural.
Monocultura política
O Vale do Silício, que dá nome ao banco, é um centro de inovação na Califórnia com raízes na década de 1950, quando houve um esforço tecnológico americano para mostrar superioridade sobre a União Soviética. Hoje, abriga as sedes de empresas de tecnologia como Twitter, Facebook, Google, Apple, Netflix e Uber. Em pesquisa do Centro de Política Responsiva, em 2018, o dinheiro doado por funcionários dessas empresas teve a marca mínima de 81,5% para candidatos do Partido Democrata, no Uber, seguida por 94,5% no Facebook, até o máximo acachapante de 99,6% na Netflix. O máximo de doação para candidatos do Partido Republicano, mais à direita, foi de 33,9% na Oracle — a empresa deixou o Vale do Silício na pandemia, em dezembro de 2020, e foi para Austin, no Texas. Ela era sediada na região desde 1977.
Outro sinal da quase monocultura política do Vale do Silício é que nenhuma das cidades da região — San Jose, Santa Clara, Mountain View, Palo Alto, Menlo Park e outras nove, a depender da definição das fronteiras do vale — tem atualmente um prefeito republicano. A última vez que um republicano foi prefeito por lá foi em 2014, quando Chuck Reed terminou seu segundo mandato como prefeito de San Jose. A Califórnia não vê um governador republicano desde 2011, último ano do ator Arnold Schwarzenegger.
Ter ideologia é preciso, mas lacração é a ideologia errada para empresas
Dois bilionários da tecnologia que não aderiram à lacração são Jeff Bezos, fundador da Amazon, e Peter Thiel, co-fundador do PayPal. A Amazon já aderiu a diversas iniciativas ligadas ao identitarismo em sua loja online, mas a postura de Bezos é bem outra na administração. Já Thiel é um crítico da esquerda em geral.
A solução de ambos não é criar empresas destituídas de ideologia, nem voltar ao foco exclusivo ou prioritário no lucro dos acionistas. Em uma conferência em 2019, Peter Thiel disse que “a ideologia que se quer não é ideologia nenhuma, é a ideologia certa”. Pensador, ele oferece qual seria a ideologia certa em obras como “De Zero a Um” (Objetiva, 2014, com coautoria de Blake Masters). Seria um misto de liberalismo e nacionalismo que desafia o politicamente correto e a conformidade ao pensamento dominante do Vale do Silício e o establishment.
Para Thiel, não há inovação sem rebeldia de pensamento. No livro, ele conta que sempre pede, em entrevistas de emprego, que o candidato dê um exemplo de crença que a maioria das pessoas têm, mas é falsa. Ele dá sua própria resposta: “a maioria das pessoas pensa que o futuro do mundo será definido pela globalização, mas a verdade é que a tecnologia é mais importante. Globalização sem nova tecnologia é insustentável”. Mas ele não é inimigo da pauta ambiental: ele diz que a China, se crescer do modo como crescia até aquele ponto sem inovação, chegaria a desastres ambientais. A antipatia com a esquerda é mútua: comentaristas que pendem para essa orientação política acusam Thiel de ser responsável pela falência do SVB, por ter chamado seus clientes a sacarem os depósitos assim que houve sinal de crise, segundo o Washington Examiner.
Já Bezos administrou sem lucros a Amazon durante 9 anos, desde sua fundação em 1994. O primeiro lucro veio em 2003, envolvendo o custo da demissão de um sétimo do quadro de funcionários e fechamento de centros de distribuição. Como registra o livro “A Loja de Tudo” (Intrínseca, 2014), de Brad Stone, o projeto de Bezos era criar uma cultura interna (uma ideologia interna) para a empresa com extremo foco em produtividade e meritocracia na seleção dos funcionários. Ele pedia a todo candidato que apresentasse sua nota nos exames de admissão das universidades e estimulava debates.
“A cultura da Amazon é notoriamente conhecida pelo confronto, e ele é iniciado por Bezos, que acredita que a verdade surge do embate de ideias e perspectivas — embates às vezes violentos”, diz o autor. Essa postura merece contraste com os “espaços seguros” que viraram moda em círculos de esquerda identitária. Em um desses confrontos, sobre e-mails de marketing para saúde e cuidados pessoais, o chefe resistiu ao foco no lucro: “nenhum lucro compensava a perda de confiança do cliente. Foi um momento revelador — e confirmador. Ele estava disposto a sacrificar um aspecto lucrativo do seu negócio”.
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