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Educação

Falta de liberdade e cancelamentos: Idade das Trevas nas universidades americanas

Intolerância e pessimismo: o corpo discente das universidades americanas (Foto: Pixabay)

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Alcançar o Bem, o Belo e o Verdadeiro. Muito antes que o Iluminismo prometesse o fim do “obscurantismo religioso” frente aos avanços inexoráveis das luzes da razão e da ciência, esta era a proposta da educação medieval; de modo que é curioso que o período que protagonizou o nascimento das primeiras universidades, criadas para serem templos da busca pelo conhecimento como um fim em si mesmo — não como ferramenta para “mudar o mundo” — seja conhecido como “Idade das Trevas”.

Contando-se a partir do surgimento da Universidade de Bolonha, em 1150, seriam necessários pelo menos oito séculos para que os expoentes da academia percebessem que, a julgar pelo saldo de guerras, campos de concentração e ideologias nefastas que marcaram o século XX, a instrumentalização do conhecimento em prol da utopia do progresso e da transformação da realidade não conduz aos melhores resultados — nem à melhor ciência.

O problema é que o caminho de volta ao ensino e pesquisa desatrelados de interesses ideológicos é longo; e alguns de seus principais inimigos vivem no século XXI: só nos Estados Unidos, lar de algumas das mais prestigiadas universidades do mundo, o espaço para o debate franco de ideias é limitado, permeado por cancelamentos e assuntos intocáveis (por “ferirem a sensibilidade” dos estudantes) e especialmente hostil aos conservadores, como mostra uma pesquisa publicada pelo Instituto Sheila e Robert Challey para Inovação e Crescimento Global.

A American College Student Freedom, Progress and Flourishing Survey (“Pesquisa Americana sobre Liberdade, Progresso e Prosperidade de Estudantes Universitários”, em tradução livre) é uma pesquisa anual que avalia as percepções dos alunos sobre a diversidade de opiniões e a liberdade do campus; seu desenvolvimento humano e suas crenças sobre o futuro; bem como a atitudes dos alunos em relação ao empreendedorismo, suas impressões sobre o capitalismo e o socialismo e como a faculdade influencia seus pontos de vista. E o resultado do levantamento de 2021 confirma uma impressão recorrente.

“As faculdades e universidades americanas desempenham um papel vital na formação de futuros líderes políticos, culturais e empresariais. No entanto, há uma preocupação crescente entre o público americano em relação ao estado atual do ensino superior e sua influência na sociedade. Pesquisas recentes começaram a identificar desafios importantes nos campi universitários relacionados à liberdade de expressão e tolerância de diversos pontos de vista”, diz o documento. O estudo contou com a participação de mil alunos de graduação de 71 faculdades e universidades nos Estados Unidos.

Um único discurso

De acordo com a pesquisa, a maioria dos estudantes americanos diz perceber um clima aberto ao compartilhamento de ideias controversas ou impopulares em sala de aula. Ainda assim, o alto percentual dos que temem dizer o que pensam — cerca de 43% — é preocupante. Destes, quase 60% são conservadores.

A mesma disparidade se nota quando o assunto é a percepção que os alunos têm dos professores. Mesmo que a maioria (76%) acredite que os tutores fomentam a diversidade em sala de aula, mais da metade dos que se declararam conservadores discorda que os professores trabalham pela diversidade.

Entre os alunos progressistas, é preponderante a disposição para a censura. Embora a maioria dos alunos não seja favorável ao “desconvite” de palestrantes polêmicos em eventos acadêmicos, quase 40% dos progressistas acredita que a faculdade deve cancelar a palestra caso muitos estudantes discordem do ponto de vista em questão; contra apenas 17% dos conservadores. Também há mais progressistas (42%) do que conservadores (20%) a favor do abandono de leituras curriculares que deixem alunos desconfortáveis.

A diferença mais gritante, contudo, diz respeito à atitude para com professores que porventura façam comentários considerados “ofensivos”. 85% dos estudantes progressistas crêem que eles devem ser denunciados. O mesmo percentual de conservadores é contra esta prática.

Pessimismo injustificado

A pesquisa aponta, ainda, para um pessimismo injustificado entre os estudantes: metade dos alunos acredita, com base no que aprendeu na faculdade, que os Estados Unidos e o mundo estão cada vez piores - uma proporção que se mantém entre progressistas e conservadores. O fato de que a expectativa de vida, renda, acesso a comida e à educação estão cada vez melhores parece passar longe da sala de aula.

Por outro lado, o ensino ideologizado se reflete em outro dado relevante: apenas 56% dos estudantes sentem orgulho de ter nascido nos Estados Unidos. Entre os conservadores, os patriotas são 86%. Entre os progressistas, apenas 40%. Há que se ressaltar também que, frente às definições de capitalismo e socialismo, cerca de metade dos conservadores têm uma visão positiva do primeiro, um percentual que cai para 10% do outro lado.

A julgar pela multiplicidade de correntes sociais e filosóficas que tratam de modelos econômicos, projetos de nação ou expectativas para o futuro, o que há de verdadeiramente preocupante neste relatório é a submissão à “cultura do cancelamento” por parte do corpo discente, além da pouca abertura a pontos de vista associados ao conservadorismo.

"A descoberta mais deprimente deste relatório é o quão profundamente autoritários são os estudantes americanos que se descrevem como progressistas”, escreveu o historiador Nial Ferguson, professor das Universidades de Harvard e de Oxford. “O pior de tudo é seu entusiasmo nojento em informar isso aos professores e uns aos outros".

Já se passaram três anos desde que os psicólogos Jonathan Haidt e Greg Lukianoff publicaram, na revista americana The Atlantic, o artigo que deu origem ao aclamado best-seller "The Coddling of The American Mind" (algo próximo de "A infantilização da mente americana"). O livro é o melhor "raio-X" já feito da fragilidade da liberdade de expressão nas universidades americanas, motivada, principalmente, pela chegada de uma geração superprotegida, ansiosa e incapaz de diferenciar críticas de ataques.

Em seus estudos sobre as diferenças morais entre progressistas e conservadores, Haidt identificou que professores e cientistas tendem a ser progressistas por frequentemente apresentarem o traço de personalidade conhecido como "abertura ao novo", o que ajudaria a explicar, em partes, seu predomínio nas universidades. Mas o próprio psicólogo assume não apenas que a proporção de progressistas e conservadores nas cátedras está exageradamente desequilibrada, como que a presença corrente de pensamento majoritária não deveria coibir ou calar as outras.

Nos Estados Unidos, Haidt é o fundador da Heterodox Academy, um movimento civil que envolve acadêmicos do país inteiro e de todas as vertentes ideológicas, comprometidos com a liberdade de expressão e da troca de ideias na universidade. Ainda que não haja pesquisas com a mesma abrangência no Brasil, é de se questionar quando uma alternativa similar vai surgir por aqui. Até lá, o apelido pejorativo e descabido dado à Idade Média cabe bem a certos ambientes universitários, onde as tão exaltadas luzes da ciência dão lugar ao breu sufocante da ideologia.

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