“A educação pública enfrenta uma crise de proporções épicas”. Com esta contundente afirmação, Laura Meckler intitulava um artigo publicado no Washington Post mês passado. Meckler aludia a uma série de indicadores: decresce a matrícula, aumentam os incidentes violentos e o absenteísmo, pioram os resultados, faltam professores, e cada vez há mais pais que vão às escolas para se queixar, às vezes de forma furiosa.
Realmente, entre esses fatores não é simples distinguir causas e consequências. Por outro lado, alguns resultam de circunstâncias recentes, como por exemplo a pandemia, e outros obedecem a problemas que poderíamos chamar de estruturais, e que não se podem solucionar unicamente pela escola, como a desigualdade social ou a segregação urbanística. De todo modo, é mesmo positiva a reação que estão protagonizando muitas famílias nos últimos meses, e que está gerando uma certa sensação de “momento histórico” e “tomada de consciência”.
Basicamente, as queixas se referem a três aspectos: a resposta deficiente de muitas escolas públicas em face da pandemia – e as causas dessa resposta –, a percepção de que a ideologia woke se infiltrou nas aulas sem o consentimento dos pais, e a denúncia de que não se está fazendo todo o necessário para melhorar o rendimento acadêmico, que está há anos em queda. [Woke, usado como adjetivo, tem sido traduzido como "lacrador", dado o caráter pejorativo em ambas as línguas, e até a coincidência de bordões: "Get woke, go broke" e "Quem lacra não lucra". A ideologia woke é conhecida entre nós como pelos nomes de ideologia de gênero e lacração, embora compreenda a teoria crítica da raça e o ambientalismo apocalíptico. (N. t.)]
Pandemia, burocracia e sindicatos
O fechamento dos colégios por causa da covid pôs à prova a flexibilidade e a operacionalidade de cada escola. Decerto nem todas partiam da mesma posição. Em geral, as situadas em zonas mais pobres contavam com o importante obstáculo de muitos não terem à mão um dispositivo eletrônico ou uma conexão de internet adequada para acompanhar as aulas online. Não obstante, inclusive comparando escolas com um perfil socioeconômico similar, as públicas tiveram um desempenho pior que, por exemplo, as charter schools, que também são gratuitas, mas são geridas de maneira muito mais autônoma.
Algo similar parece ter ocorrido na Espanha. Segundo um recente relatório sobre alunos do ensino secundário do País Basco, onde escolas públicas experimentaram uma estagnação acadêmica significativamente maior que os de escuelas concertadas durante a pandemia e o pós-pandemia, inclusive depois de descontar o efeito do fator socioeconômico. [As escuelas concertadas são fruto de parceria público-privadas na Espanha. (N. t.)]
Contudo, o principal motivo de queixa entre as famílias norte-americanas descontentes tem mais a ver com a duração excessiva do período de educação remota do que com suas consciências. De fato, muitas famílias consideram que os sindicatos e as associações de professores da rede pública, ao exigirem condições de segurança pouco realistas para a volta às aulas, puseram seus próprios interesses acima do dos alunos.
Em alguns casos, só a pressão dos pais conseguiu que se adiantasse a volta das aulas presenciais.
Por outro lado, queixam-se de a excessiva burocratização da rede pública ter entorpecido o desenvolvimento de iniciativas em escolas que poderiam ter reagido com uma prontidão maior.
Ideologia “woke”
Outra fonte de descontentamento entre muitos pais da rede pública é a doutrinação na ideologia woke que, em sua opinião, estariam recebendo os seus filhos.
O assunto é bastante polêmico em si mesmo: quem pensa assim considera que estão lesando seu direito fundamental a educar os filhos segundo seus próprios valores; enquanto, do outro lado, se acusa essas famílias de obstaculizar o dever escolar de fomentar o senso crítico dos alunos, e se apontam alguns grupos conservadores como os verdadeiros urdidores da onda de protestos.
Mas, para além da batalha dialética, produziram-se atuações desmedidas por ambas as partes, que encontraram ainda mais enfrentamento. Alguns pais trataram de boicotar – e às vezes conseguiram – reuniões de distintas autoridades educacionais. Em alguns casos chegou a haver detenções por comportamentos ameaçadores.
Tampouco a outra parte contribuiu para apaziguar o debate. Pelo contrário. No fim do ano passado, vazou-se uma carta enviada pela Associação Nacional de Conselhos Escolares ao presidente Biden na qual se usava a expressão “terrorismo doméstico” para se referir ao comportamento agressivo de algumas famílias. Por outro lado, nas últimas eleições no estado da Virgínia, o candidato democrata declarou que os pais “não devem dizer aos colégios o que devem ensinar”, referindo-se aos conteúdos relacionados à ideologia woke. Esta frase, que lembra a da ex-ministra de Educação da Espanha (“os filhos não são dos pais”), esquentou os ânimos de muitas famílias e, segundo os analistas, foi determinante para que esse candidato terminasse perdendo as eleições em um território tradicionalmente democrata.
Assim, o enfrentamento pela ideologia woke ou outros conteúdos relativos à educação em valores se tornou cada vez mais azedo. Por isso são bem-vindas as tentativas de conciliação. Por exemplo, a de uma professora da rede pública do Arizona, que, num artigo recente, defendia as chamadas “leis de transparência curricular”, que obrigam os professores a publicarem os conteúdos dados em sala. Segundo ela, a escola deve fomentar o pensamento crítico nos alunos, e isso só é possível expondo-os a teorias diferentes, às vezes rivais. Não obstante, “em face da crescente polarização dos planos de aula, e do crescente alarme dos pais – amiúde com razão – com os conteúdos, cabe-nos pôr algum tipo de salvaguarda nesses debates. Os pais merecem saber o que seus filhos escutam, discutem e aprendem na escola, onde passam pelo menos a metade do dia, e com frequência mais da metade.”
Estagnação acadêmica
Na pesquisa sobre o diferente desempenho das escolas públicas e concertadas bascas durante a pandemia, os autores formulavam três possíveis causas para o fenômeno: o maior senso de urgência destas últimas, consequência da necessidade de corresponder ao gasto feito pelas famílias; seu maior grau de autonomia, que lhes permitiu responder com mais agilidade; e contarem com mais preparo quanto ao uso de ferramentas digitais.
Enquanto os dois primeiros fatores se referem ao funcionamento interno do colégio – ainda que de alguma maneira estejam condicionados por elementos externos –, o terceiro aponta a diferença de recursos entre umas escolas e outras. Nos Estados Unidos, existe um grande debate em torno do financiamento das escolas públicas, que muitos consideram insuficiente, e que se manifesta sobretudo na escassez de professores.
Na verdade, como comentaram alguns analistas, existem diferenças de recursos não só entre as escolas públicas e privadas, senão também dentro das públicas. Em parte, a lacuna se explica pela segregação urbanística. A maioria do financiamento nas escolas públicas provém dos impostos arrecadados em nível local, e, de fato, das taxas de propriedade. Isto faz com que as situadas em bairros ricos, onde se arrecada mais, gozem de mais recursos, ainda que logo os fundos aportados por autoridades estaduais e federais tratem de compensar as desigualdades. Para amenizar o problema, nas últimas décadas foram aprovadas várias reformas no mecanismo de financiamento, mas seus efeitos ainda não equilibraram as contas, e as sucessivas crises econômicas dos últimos anos esvaziaram os cofres dos governos.
Soluções
Não obstante, outros especialistas assinalam que a culpa do pobre desempenho e da piora do clima escolar nas escolas públicas não obedece apenas, nem sequer majoritariamente, ao fator econômico.
Nesse sentido, falou-se da necessidade de melhorar a disciplina e cultivar um ambiente de altas expectativas acadêmicas, e para isso reforçar a autoridade do professor; de flexibilizar a contratação e a despedida de novos docentes, ao estilo das charter schools; de consolidar um currículo estável e centrado nas habilidades fundamentais; e, de fato, de aumentar o tempo dedicado à instrução linguística, calcanhar de Aquiles dos estudantes desavantajados. Também se propõe aumentar a liberdade dos pais para escolher a escola, ou obrigar as escolas a oferecerem com transparência os dados que permitam saber o rendimento relativo – conforme os anos anteriores – de cada uma, bem como de cada professor.
Algumas dessas medidas, que são consideradas anátemas em parte da esquerda e dos sindicatos dos professores, eram reclamadas há poucas semanas pelo Progressive Policy Institute, um think tank tradicionalmente ligado ao partido democrata.
©2022 ACEPRENSA. Publicado com permissão. Original em espanhol.