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Feira de Frankfurt tem tensão no ar com editoras de extrema-direita

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, na Feira do Livro: edição de 2017 homenageia a literatura francesa. | Frankfurter Buchmesse 2017 / Marc Jacquemin
A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, na Feira do Livro: edição de 2017 homenageia a literatura francesa. (Foto: Frankfurter Buchmesse 2017 / Marc Jacquemin)

“Nós não gostamos de estrangeiros. Como você”, diz Petrus Lahm, no estande da editora Leopold Stocker, na Feira do Livro de Frankfurt, em dado momento da entrevista na sexta-feira. “Você é muçulmano?” O tom da conversa é tenso e deixa o interlocutor incrédulo – será uma brincadeira? Depois, fica mais afável e oferece uma aguardente austríaca ao repórter.

A cena se desenrola no corredor G, no primeiro andar, pavilhão 3, na feira. Nesse espaço, ficam as editoras de extrema-direita alemãs, que já deram dor de cabeça ao maior evento literário do mundo: era correto aceitá-las?

A feira deu seu recado criando um ambiente esquisito. No mesmo lugar onde estão a Leopold Stocker e a Antaios Verlag, outra casa de mesmo perfil, espalham-se editoras no lado oposto do espectro político – em vez de proibir os extremistas, a feira quis deixá-los próximos de seu contraponto.

Em frente à Antaios, está a Fundação Amadeu-Antonio, fundação que publica livros sobre direitos humanos e contra o racismo. Ao lado da Leopold Stocker fica a Casa de Educação Política Anne Frank, instituição que combate a discriminação e orienta vítimas de racismo. Mais um passo e chega-se ao estande da Fundação Rosa Luxemburgo, filósofa marxista morta por milícias de direita na Alemanha. Lá, vendem-se livros dela e exemplares em capa dura de O Capital, de Karl Marx.

Na tarde deste sábado, pessoas com roupas pretas acumulavam-se em frente à Antaios para o lançamento de um livro. Desde a quarta-feira, quando a Feira do Livro ainda nem havia sido aberta para o público, eles já reuniam mais pessoas do que Leopold Stocker e as editoras de esquerda. Götz Kubitschek, editor da casa e celebridade na extrema-direita, circula por Frankfurt acompanhado de Björn Höcke, um dos líderes do Alternativa para a Alemanha (AfD), o principal partido nacionalista no país.

“Sempre que aparece alguém querendo defender o seu povo, dizem que é de extrema-direita. Não somos nazistas, somos tradicionalistas. Publicamos livros de autores que não teriam espaço em outras casas e é preciso trazer o debate para a sociedade”, diz Lahm, da Leopold Stocker. No centro do pensamento de Lahm não está a “raça pura”, como nos anos 1930; ele fala em defesa da “cultura alemã”. No país, ultranacionalistas têm defendido o chamado “pluralismo racial”: outras raças não devem ser exterminadas, mas cada um deve ficar no seu quadrado. “Não queremos que a cultura alemã desapareça. Tem muitos muçulmanos [na Alemanha]. Querem construir mesquitas em cada cidade. Mas aqui não é o Cairo”, diz ele, depois acrescentando ter “muitos amigos” árabes, porque viveu em Tel Aviv. “As ideias têm de ser discutidas numa democracia. As pessoas [os autores] precisam ter direito de se expressar.”

“O conceito de raça está fora de moda, por isso eles dizem isso”, diz Daniel Geschke, da Fundação Amadeu-Antonio. “Para mim, é só uma roupagem moderna do fascismo”, rebate. “Eles não falam mais em raça, e sim em cultura alemã. Mas é um ideal nazista mesmo assim”, diz Martin Beck, da Fundação Rosa Luxemburgo.

A Alemanha vive uma ascensão inédita da extrema-direita. O partido de direita nacionalista Alternativa Para a Alemanha conquistou, na última eleição, mais de 90 cadeiras no parlamento do país.

“Tivemos longas discussões nas últimas semanas, porque nos pediram para proibi-los de estar na feira. Conversamos, mas não vamos fazê-lo, porque Frankfurt é uma feira sobre a liberdade de expressão. Mesmo que eu não goste do que eles dizem, tenho de permitir”, diz o alemão Juergen Boos, presidente da Feira de Frankfurt. De todo modo, a feira está atenta porque neste sábado, dia em que ela é aberta para o público em geral, havia o perigo de confusão. Na quinta-feira, alguns funcionários da Antaios foram provocar os da Casa de Educação Política Anne Frank, que distribui panfletos em uma campanha contra eles.

Mesmo assim, fora da Fundação Amadeu-Antonio, que deu o azar de ser vizinha de porta dos extremistas, ninguém parece questionar a decisão da Feira. “Somos pela liberdade de expressão, não queremos que eles sejam expulsos, mas não vamos ficar calados”, diz Anna Bechttoff, da Casa Anne Frank. Ela acha que a ideia de eles ficarem perto dos nacionalistas foi boa – se algo acontecer, eles esperam servir de contraponto.

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