“Nós não gostamos de estrangeiros. Como você”, diz Petrus Lahm, no estande da editora Leopold Stocker, na Feira do Livro de Frankfurt, em dado momento da entrevista na sexta-feira. “Você é muçulmano?” O tom da conversa é tenso e deixa o interlocutor incrédulo – será uma brincadeira? Depois, fica mais afável e oferece uma aguardente austríaca ao repórter.
A cena se desenrola no corredor G, no primeiro andar, pavilhão 3, na feira. Nesse espaço, ficam as editoras de extrema-direita alemãs, que já deram dor de cabeça ao maior evento literário do mundo: era correto aceitá-las?
A feira deu seu recado criando um ambiente esquisito. No mesmo lugar onde estão a Leopold Stocker e a Antaios Verlag, outra casa de mesmo perfil, espalham-se editoras no lado oposto do espectro político – em vez de proibir os extremistas, a feira quis deixá-los próximos de seu contraponto.
Em frente à Antaios, está a Fundação Amadeu-Antonio, fundação que publica livros sobre direitos humanos e contra o racismo. Ao lado da Leopold Stocker fica a Casa de Educação Política Anne Frank, instituição que combate a discriminação e orienta vítimas de racismo. Mais um passo e chega-se ao estande da Fundação Rosa Luxemburgo, filósofa marxista morta por milícias de direita na Alemanha. Lá, vendem-se livros dela e exemplares em capa dura de O Capital, de Karl Marx.
Na tarde deste sábado, pessoas com roupas pretas acumulavam-se em frente à Antaios para o lançamento de um livro. Desde a quarta-feira, quando a Feira do Livro ainda nem havia sido aberta para o público, eles já reuniam mais pessoas do que Leopold Stocker e as editoras de esquerda. Götz Kubitschek, editor da casa e celebridade na extrema-direita, circula por Frankfurt acompanhado de Björn Höcke, um dos líderes do Alternativa para a Alemanha (AfD), o principal partido nacionalista no país.
“Sempre que aparece alguém querendo defender o seu povo, dizem que é de extrema-direita. Não somos nazistas, somos tradicionalistas. Publicamos livros de autores que não teriam espaço em outras casas e é preciso trazer o debate para a sociedade”, diz Lahm, da Leopold Stocker. No centro do pensamento de Lahm não está a “raça pura”, como nos anos 1930; ele fala em defesa da “cultura alemã”. No país, ultranacionalistas têm defendido o chamado “pluralismo racial”: outras raças não devem ser exterminadas, mas cada um deve ficar no seu quadrado. “Não queremos que a cultura alemã desapareça. Tem muitos muçulmanos [na Alemanha]. Querem construir mesquitas em cada cidade. Mas aqui não é o Cairo”, diz ele, depois acrescentando ter “muitos amigos” árabes, porque viveu em Tel Aviv. “As ideias têm de ser discutidas numa democracia. As pessoas [os autores] precisam ter direito de se expressar.”
“O conceito de raça está fora de moda, por isso eles dizem isso”, diz Daniel Geschke, da Fundação Amadeu-Antonio. “Para mim, é só uma roupagem moderna do fascismo”, rebate. “Eles não falam mais em raça, e sim em cultura alemã. Mas é um ideal nazista mesmo assim”, diz Martin Beck, da Fundação Rosa Luxemburgo.
A Alemanha vive uma ascensão inédita da extrema-direita. O partido de direita nacionalista Alternativa Para a Alemanha conquistou, na última eleição, mais de 90 cadeiras no parlamento do país.
“Tivemos longas discussões nas últimas semanas, porque nos pediram para proibi-los de estar na feira. Conversamos, mas não vamos fazê-lo, porque Frankfurt é uma feira sobre a liberdade de expressão. Mesmo que eu não goste do que eles dizem, tenho de permitir”, diz o alemão Juergen Boos, presidente da Feira de Frankfurt. De todo modo, a feira está atenta porque neste sábado, dia em que ela é aberta para o público em geral, havia o perigo de confusão. Na quinta-feira, alguns funcionários da Antaios foram provocar os da Casa de Educação Política Anne Frank, que distribui panfletos em uma campanha contra eles.
Mesmo assim, fora da Fundação Amadeu-Antonio, que deu o azar de ser vizinha de porta dos extremistas, ninguém parece questionar a decisão da Feira. “Somos pela liberdade de expressão, não queremos que eles sejam expulsos, mas não vamos ficar calados”, diz Anna Bechttoff, da Casa Anne Frank. Ela acha que a ideia de eles ficarem perto dos nacionalistas foi boa – se algo acontecer, eles esperam servir de contraponto.