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Inteligência artificial

Ferramenta de IA da Google para escrever notícias pode diminuir confiança na imprensa

Google testa ferramente da IA para ajudar jornalistas a escrever notícias (Foto: Bigstock )

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No início de julho, a Google iniciou testes de uma nova solução de Inteligência Artificial para notícias. Grandes veículos internacionais como The New York Times (NYT), The Washington Post e The Wall Street Journal participaram dos experimentos com a nova ferramenta que está sendo chamada de Genesis.

O experimento, primeiramente relatado pelo NYT, não deixa de ser controverso e gerou inúmeras manifestações entre aqueles que apoiam a iniciativa e os que a condenam. As principais preocupações apontadas giram em torno da falta de acuidade da IA na busca e compilação de informações, dos erros que essas ferramentas cometem, trazendo informações falsas como verdadeiras, e como essas situações podem agravar a perda global de confiança na imprensa.

Crise de credibilidade jornalística 

Dados do Relatório de Notícias Digitais de 2023, produzido pelo Instituto Reuters, demonstram que a “confiança nas notícias caiu, em todos os mercados, em mais de 2 pontos percentuais no último ano, revertendo em muitos países os ganhos obtidos no auge da pandemia do Coronavírus”.

Apenas quatro em cada dez pessoas da amostragem total, ou 40% dos entrevistados em 46 países, dizem que, na maioria das vezes, confiam na maior parte das notícias a que têm acesso. No Brasil, o percentual é um pouco mais alto, 43%, ainda que tenha declinado cinco pontos percentuais em relação a 2022.

“A crítica a jornalistas é alta no Brasil, onde quase dois terços dos entrevistados alegam ouvir ou ver pessoas criticando a imprensa com frequência – compatível com um ambiente de queda na confiança e alta polarização”, descreve o relatório.

O professor Carlos Alberto Di Franco, especialista em jornalismo brasileiro e comparado, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia (ISE) e colunista da Gazeta do Povo, afirma que esse desgaste não é novidade.

“A mídia e a imprensa, em geral, passam por uma grave crise de credibilidade que está relacionada ao processo de diminuição de custos, iniciado há décadas, que levou à diminuição de jornalistas experientes nas redações, estratégia realizada a partir de um olhar unicamente financeiro”.

Como consequência, Di Franco explica que, aos poucos, sem as técnicas e a experiência de jornalistas renomados nas redações, a narração tomou o lugar do bom e velho jornalismo da apuração e checagem de fatos, com a proliferação do colunismo e de textos de opinião.

IA para auxiliar ou apurar? 

O professor destaca que a ferramenta do Google pode ser bem-vinda, caso seja destinada a auxiliar os profissionais. “Eu acho que pode ser interessante, desde que levada com muito critério e que não busque substituir a apuração jornalística”, comenta.

No entanto, caso essa não seja a proposta da empresa, Di Franco afirma que será preciso bastante reserva, sob o risco de abalar ainda mais a credibilidade jornalística.

As declarações de executivos dos jornais que testaram o projeto corroboram essa preocupação. De acordo com o NYT, alguns chegaram a classificar a apresentação que o Google fez como “perturbadora”. Testemunhas ainda observaram que a empresa parecia ignorar o esforço necessário para produzir notícias precisas e engenhosas, e dava como garantida a apuração de fatos e dados.

O posicionamento oficial do Google, entretanto, destoa dessa visão. Jenn Crider, diretora de comunicação da empresa, disse que o objetivo do Genesis é oferecer aos profissionais de imprensa a escolha de usar novas tecnologias emergentes de uma forma que aprimore seu trabalho e produtividade.

"Por exemplo, ferramentas com inteligência artificial podem auxiliar com opções de títulos ou diferentes estilos de escrita. (...) Simplesmente, essas ferramentas não se destinam a, e não podem, substituir o papel essencial que os jornalistas têm na reportagem, na criação e na checagem de fatos."

Automação para dados estruturados 

Os receios e divergências sobre o uso de automações também não são novidade no mundo jornalístico. Antes mesmo do lançamento das últimas soluções de IA generativa, como o ChatGPT, jornais e agências de notícias já utilizavam ferramentas que ajudam a transformar dados estruturados em notícias.

“Em 2012 e 2013, uma empresa chamada Narrative AI começou a automatizar a escrita de reportagens”, conta o jornalista e coordenador do Master em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling do Insper, Pedro Burgos.

“Você pode criar regras para escrever um texto completo a partir de algumas informações. Por exemplo, para divulgar o resultado de um jogo de futebol, é possível criar a regra de que, se houver três gols de diferença entre um time e outro, a palavra goleada será utilizada no título, etc”.

Burgos defende que, assim como ocorre com essas automações, as soluções de IA podem contribuir para a escrita de diversas notícias que envolvam relatos simples, como os de acidentes, de condições do clima, placares de jogos de futebol e listas de indicações.

“A automação serve para essas notas onde a acurácia não é tão importante. Mas, quando pensamos no jornalismo de prestígio, que demanda tempo para apuração dos fatos, a conversa com fontes para contextualização e aprofundamento, além da contextualização do próprio jornalista que escreve a matéria, já não é possível pensar que a ferramenta produza a reportagem em sua totalidade”, comenta.

Joshua Benton, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Boston, também tem uma visão mais utilitarista para o Genesis. “O fato de uma ferramenta não produzir notícias perfeitas não significa que não possa ser útil para um repórter.”

IAs generativas já existentes, como o ChatGPT, podem e já estão sendo utilizadas para auxiliar na estruturação de reportagens. Elas podem sugerir a inserção de fatos inusitados e relevantes a que os repórteres não teriam acesso e até uma citação que possa agregar ao conteúdo final.

Segundo Burgos, "ferramentas, como o ChatGPT, são como calculadoras de linguagem e vão ser parte cada vez mais comum no nosso arsenal. Hoje, temos dificuldade de escrever sem um editor de texto eletrônico. E o jeito como escrevemos é radicalmente diferente daquele dos jornalistas que usavam a máquina de escrever”.

Em outro uso da IA nas redações, a agência de notícias Reuters, por exemplo, desenvolveu uma ferramenta que auxilia a encontrar pessoas e assuntos em vídeos, além de transcrever as falas. Tais alternativas diminuem de forma expressiva o esforço e o tempo de edição, fazendo com que as notícias sejam publicadas com mais agilidade.

"A necessidade do consumidor está no coração dessas inovações”, afirmou Conor Molumby, gerente de produto sênior da agência. Nas redações de jornais e agências de notícias, a demanda de leitores e assinantes por acesso rápido às informações direciona as escolhas editoriais, e também impulsiona o uso de soluções que otimizem e rentabilizem a produção de notícias.

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