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O ditador cubano Fidel Castro discursa durante as comemorações dos 20 anos da morte de Ernesto Che Guevara
O ditador cubano Fidel Castro discursa durante as comemorações dos 20 anos da morte de Ernesto Che Guevara| Foto: EFE

Em 1962, no auge da crise provocada pela construção de uma base para mísseis soviéticos em Cuba, o ditador Fidel Castro trocou cartas e telegramas com o líder soviético Nikita Khrushchev. Divulgada em 1990, a correspondência aponta que Castro chegou a exigir do dirigente da União Soviética que lançasse um ataque nuclear, porque os Estados Unidos estavam prontos para invadir Cuba.

Em 26 de outubro de 1962, o ditador de Cuba, que na época tinha apenas 35 anos, escreveu ao “querido camarada Khrushchev”: “Considero que um ataque é quase iminente, a acontecer nas próximas 24 a 72 horas”. E prosseguiu: “Acredito que a agressividade dos imperialistas faz com que eles sejam extremamente perigosos. Se eles levassem adiante o plano de invasão de Cuba, seria o momento de eliminar esse perigo para sempre, em um ato da mais legítima autodefesa. Por mais dura e terrível que seja esta solução, não há uma alternativa”. Khrushchev reagiu, sugerindo que o cubano era irresponsável — inclusive porque o uso de armas nucleares destruiria o próprio país caribenho.

Naquele momento, o mundo ficou refém de Fidel, enquanto os governantes de Estados Unidos e URSS manejavam para evitar um confronto que colocasse a própria existência da nossa espécie em risco. “Entre 26 e 27 de outubro de 1962, a civilização humana esteve perto da destruição”, afirmam, em artigo para o jornal The New York Times publicado em 2012, os professores James G. Blight e Janet M. Lang, autores de 'The Armageddon Letters: Kennedy/Khrushchev/Castro in the Cuban Missile Crisis' [As Cartas do Armagedom: Kennedy/Khrushchev/Castro na Crise dos Mísseis de Cuba, sem edição no Brasil]. “Crianças foram enviadas a abrigos, prateleiras de supermercado foram esvaziadas enquanto as pessoas buscavam latas de sopa e água engarrafada”.

Naquele momento, eles alegam, com base em pesquisas que envolveram uma entrevista de quatro dias com o ditador, “Cuba era muito mais perigosa do que o Irã ou a Coreia do Norte atualmente”. E a crise foi solucionada por John Kennedy e Khrushchev “apesar das objeções de Castro”. Para entender como a humanidade esteve tão perto do fim, dizem eles, “é preciso olhar não para Washington ou Moscou, mas para Havana”.

Naquele momento, Fidel Castro governava Cuba havia menos de quatro anos — a entrada triunfal na capital aconteceu em janeiro de 1959. Mas já estava claro que o rebelde, que havia surpreendido o planeta com o sucesso da rebelião que derrubou o governo do presidente Fulgencio Batista, não era o democrata que se anunciava nos primeiros meses.

O tempo provaria que ele não tinha o menor interesse em abrir mão do poder: governou o país com mãos de ferro por 49 anos, até 2008. Foi o chefe de estado não monarca mais longevo das últimas décadas. Ainda seria secretário do Partido Comunista de Cuba até 2011 (ocupou o cargo por exatos 50 anos). Morreria em 2016, aos 90 anos.

Partido único

Filho de um fazendeiro espanhol rico, Ángel Castro y Argiz, com cinco irmãos e sete irmãs, Fidel era ilegítimo — sua mãe era Lina Ruz, uma funcionária de Ángel, com quem ele mantinha uma relação quando seu casamento já havia terminado, na prática, mas não oficialmente. Passou a infância em escolas particulares de alto padrão, bancadas pelo pai.

Descobriu as teorias de esquerda enquanto cursou graduação em Direito na Universidade de Havana. Participou de movimentos comunistas rebeldes na República Dominicana e na Colômbia. Em 1953, foi preso depois de liderar 156 pessoas em um ataque mal sucedido de ao quartel-general de Moncada, em Santiago.

Condenado a 15 anos, libertado depois quase dois anos de cela, seguiu para o exílio no México, onde, ao lado do irmão e futuro sucessor, Raúl, organizou a guerrilha a partir da Serra Maestra. “Fidel teve muito mais sorte do que outros membros do grupo, que foram torturados, e, em muitos casos, sumariamente executados”, lê-se no livro 'Fidel Castro: A Life From Beginning to End' ['Fidel Castro: uma vida do começo ao fim', sem edição no Brasil], uma publicação do site dedicado a produções sobre história Hourly History.

Num primeiro momento, Fidel buscou, no discurso, firmar alianças com países ocidentais, inclusive capitalistas. Chegou a colocar na presidência do país Manuel Urrutia Lleo, um advogado liberal, ainda que contrário ao regime anterior.

“Tentando lançar uma jogada segura, Fidel o escolheu como uma forma de apresentar uma garantia a sua frágil revolução”, informa a biografia. “Mas Manuel, sendo cristão e identificando uma crise moral em Cuba, entrou em confronto com Fidel. Solicitou o fechamento imediato de bordeis, ao que Fidel recusou, determinando que estes estabelecimentos permanecessem abertos até que houvesse pleno emprego no país”.

Fidel também garantiu que não haveria reforma agrária: “não tomaremos a terra de ninguém”, prometeu, literalmente, meses antes de iniciar um amplo programa de reforma agrária aos moldes soviéticos. Da mesma forma como garantiu a preservação de direitos humanos, enquanto criava “campos de reeducação” para intelectuais críticos do regime e, especialmente, gays e lésbicas.

Em abril de 1959, Fidel viajou aos Estados Unidos, em busca de apoio financeiro e diplomático. Encontrou-se pessoalmente com o então vice-presidente Richard Nixon. “Na época, Fidel prometeu que não pretendia criar um regime comunista no Caribe. Nixon não ficou convencido e começou a produzir documentos que circularam no governo federal a respeito do perigo que o líder cubano representava”, aponta a biografia.

Logo depois, em julho de 1959, Manuel Urrutia Lleo rompeu e com o líder e seguiu para o exílio, enquanto Cuba se tornava um país de partido único, propriedades e empresas estatizadas e controle da imprensa. O país começou também a financiar grupos guerrilheiros, especialmente na América Latina e na África.

Levas de fugitivos

A ditadura cubana provocou uma série de movimentos de insurgência. O primeira ainda em 1960, refugiado na mesma Serra Maestra onde Fidel havia iniciado seu movimento para tomar o poder, mas rapidamente massacrado.

Em 1980, uma leva de fugitivos seguiu de barco rumo à Flórida, buscando distância da ditadura e, também, da fome — resultado, em parte, dos altos investimentos, financeiros e em vidas humanas, nos movimentos de guerrilha de esquerda em pontos da África como Angola e Etiópia.

Em 1994, num momento em que o fim da União Soviética havia lançado Cuba num caos econômico ainda mais grave, aconteceu um novo movimento em busca de vida melhor além do mar. Nos dois casos, ficou a suspeita de que o ditador havia não apenas autorizado a fuga, como aproveitado a migração para despachar doentes terminais e cubanos com problemas mentais.

Até a morte, Fidel manteve a privacidade (tão negada aos cubanos) em segredo. Sua vida afetiva, por exemplo, sempre foi um tabu em Cuba. Sabe-se que ele foi casado com Mirta Díaz-Balart, com quem teve, em 1949, o filho Fidel Angel — por décadas, o único descendente oficial do líder. Aliás, após o casamento, em 1948, o casal seguiu para lua-de-mel nos Estados Unidos, com passagens por Miami e por Nova York, onde, depois de penhorar um relógio e pedir ajuda financeira ao pai, o noivo alugou um automóvel conversível. O relacionamento seria encerrado a pedido da esposa depois que o marido começou a acelerar suas atividades revolucionárias.

De um relacionamento com Natalia Revuelta nasceu, em 1956, Alina Fernández Revuelta — que só descobriu de quem era filha aos dez anos de idade e vive exilada em Miami desde 1993. Com a professora Dalia Soto del Valle, com quem manteve um relacionamento desde 1961, só formalizado 19 anos depois, teve cinco filhos. Discreta, ela não aparecia em eventos públicos nem era vista ao lado do marido.

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