O surgimento dos telefones celulares, principalmente os smartphones, trouxe uma pequena revolução para a vida a moderna. E com ela, veio uma série de benefícios, como a facilidade de comunicação entre as pessoas e para a aquisição de novos conhecimentos. Crianças e adolescentes podem usá-los para aprender novos idiomas, facilitar a conexão com amigos e familiares, e treinar algumas funções cerebrais como raciocínio, memória, resolução de problemas, coordenação motora, organização e planejamento, além de ter momentos de lazer e diversão. Mas é justamente para esta faixa etária que esses aparelhos podem causar também os maiores malefícios.
Deixados nas mãos dos jovens sem supervisão, como é comum, os celulares têm mostrado danos significativos no desenvolvimento cognitivo, social e emocional deles. “Quando o uso é exagerado, acaba prejudicando a vida escolar, a convivência com a família e com os amigos de forma presencial”, enumera a psicóloga Aline Restano, especialista em infância e adolescência, vice-coordenadora do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (GEAT) e uma das autoras do livro "Crianças Bem Conectadas".
De acordo com ela, além disso, mesmo com o controle dos pais, os adolescentes podem fazer uso do celular de forma a maléfica a si próprios, expondo-se a riscos como o de se envolverem em situações de cyberbullying, de exposição de colegas ou de si mesmo. “Ou ainda, jogos e a visualizações de vídeos e de imagens de pornografia online que não são adequados para a sua idade”, acrescenta Restano.
O telefone celular pode agravar condições preexistentes
A também psicóloga Thaise Löhr Tacla, professora de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), alerta para a interferência do telefone celular nas interações sociais, fundamentais para o desenvolvimento emocional e social de jovens. Ela cita alguns malefícios do uso excessivo desses dispositivos, como dificuldades de socialização, déficit na interação social e dificuldade de conexão com outras pessoas. “O excesso do uso de telas também pode afetar os processos psicológicos básicos podendo causar dificuldades escolares”, explica.
Ela diz ainda que o uso de celulares pode gerar dependência ou uso problemático e interativo das mídias, o que é perigoso. “Quando em excesso, pode causar sofrimento psíquico, como ansiedade e estresse, expor a criança a situações de violência, transtornos de sono e alimentação, sedentarismo, prejuízos de ordem psíquica (regulação emoções, oscilações humor, autoestima)”, diz Tacla. “Além disso, o celular influencia negativamente à medida que os filhos deixam de interagir e conversar com os pais para ficar mexendo no celular.”
O uso constante e sem controle do celular tem sido associado ainda ao aumento de sintomas de ansiedade, estresse e até mesmo depressão em adolescentes. Restano ressalta, no entanto, que os problemas de saúde mental são sempre multifatoriais. “Sempre há fatores genéticos, ambientais e familiares, e crises no desenvolvimento”, explica. “O uso excessivo do aparelho pode ser mais um fator.”
Segundo Restano, o que nunca se sabe exatamente é o que vem antes. “Por exemplo, adolescentes mais deprimidos usam mais o celular, jogam mais e com isso a depressão vai aumentando, porque eles vão se isolando, vão deixando de estar presencialmente com seus amigos”, diz. “Ou seja, os quadros já existentes, especialmente depressão e ansiedade e isolamento, podem ficar ainda mais graves se a pessoa se dedicar muito tempo da sua vida ao celular.”
Queda no desempenho escolar, prejuízos ao sono e sedentarismo
Em casos onde o uso do telefone celular ultrapassa o limite saudável, a saúde mental é comprometida: o adolescente passa a substituir atividades presenciais pelo ambiente virtual, afastando-se de experiências enriquecedoras, como interações face a face e atividades ao ar livre. Esse ciclo se reflete negativamente no humor, no sono e na saúde física, prejudicando a rotina e até mesmo o desempenho escolar.
A psicóloga Vivian Vaz, da PUC-RS, mestra em Psiquiatria e Ciências do Comportamento e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência (InTCC), observa que o uso sem supervisão dos celulares pode levar a problemas significativos no desempenho escolar. “Os adolescentes deixam de estudar e acabam ficando em recuperação e até sendo reprovados de ano”, diz. “Além disso, evidências também sugerem que o uso contínuo das plataformas digitais, combinado com a redução das interações no mundo real, pode ter efeitos negativos em algumas funções cognitivas, como perda da capacidade de atenção e queda na criatividade.”
Outro ponto crítico abordado por especialistas é o impacto do uso excessivo do celular na qualidade do sono e na saúde física dos jovens. “O uso em excesso pode fazer com que crianças e adolescentes deixem de seguir horário de dormir e com isso reduzam o tempo de sono, dormindo muito mais tarde do que previsto”, explica Tacla. “Como consequência, isso pode afetar as funções psicológicas básicas como os processos atenção e memória. O uso em excesso pode causar também transtornos do sono, como insônia ou hiper sonolência.”
Além dos prejuízos ao sono, o sedentarismo também se agrava com o uso constante do celular. As crianças que passam muito tempo no dispositivo costumam substituir brincadeiras físicas por atividades sedentárias, o que contribui para o aumento da obesidade infantil e diminui a resistência física e a habilidade motora, essenciais para o desenvolvimento saudável.
Os pais devem controlar o próprio uso do celular para dar o exemplo
Diante dos riscos apontados, os especialistas recomendam algumas estratégias para minimizar os impactos negativos do uso dos telefones celulares. Aline Restano, por exemplo, destaca a importância de que pais e responsáveis estabeleçam regras claras sobre o uso dos dispositivos. “Uma estratégia é que o celular não seja utilizado durante refeições e que os pais determinem um limite de tempo diário para o uso, além de controlarem os tipos de aplicativos acessados pelas crianças e adolescentes”, recomenda.
Outras estratégias incluem criar momentos de lazer sem o uso de tecnologia, como passeios ao ar livre e atividades esportivas, que incentivem a interação social e o desenvolvimento físico. Incentivar atividades como leitura, desenhar, praticar esportes e manter hobbies longe das telas pode contribuir significativamente para um desenvolvimento equilibrado.
Vivian Vaz também reforça que é essencial que os adultos sejam exemplos para os jovens, evitando o uso do telefone celular em momentos familiares, como refeições. “Além de supervisionar o uso que os filhos fazem, é essencial que os pais também controlem o próprio uso dos seus celulares, especialmente na frente dos filhos”, diz.
“Ter regras em casa relacionadas ao uso de tecnologia, como não utilizar durante as refeições, pode ajudar bastante. Outras estratégias são os métodos de controle de tempo de uso (aplicativos que bloqueiam o uso após determinado período, alarmes e estipular um horário para usar o celular na rotina, por exemplo) e conversar com as crianças e adolescentes sobre os riscos e como fazer um uso saudável.”
Estabelecer limites e muita conversa
Além das ações no ambiente familiar, a educadora Antônia Lis de Maria Martins Torres, da Universidade Federal do Ceará (UFC), defende o uso pedagógico moderado dos dispositivos móveis no ambiente escolar. “No meu entender, proibir o uso dos dispositivos no ambiente escolar seria ir na contramão dos movimentos maiores da sociedade em rede”, explica. “Como tenho argumentado em minhas palestras sobre esse tema, esse seria um momento para as instituições de ensino aliarem as possibilidades permitidas por esses dispositivos em suas propostas didáticas no ensino fundamental e médio.”
Entre algumas estratégias possíveis para o uso adequado dos celulares, ela recomenda estabelecer limites nos horários de uso, principalmente no seio familiar; desligar os aparelhos da casa uma hora antes de ir pra cama; conversar com os filhos sobre os perigos e armadilhas da internet; ficar atentos aos conteúdos que seus adolescentes acessam; e não levar celular para mesa de refeição. “No campo educacional, usar o aparelho para fins didáticos-pedagógicos e proporcionar outros momentos de lazer que não incluam o uso do celular”, acrescenta. “Além disso, a aquisição do aparelho celular deve ser uma decisão dialogada e negociada entre pais e filhos; e, por último, que os adultos sejam o próprio exemplo no uso equilibrado desses dispositivos.”
Embora muitas estratégias possam ser aplicadas para o uso saudável dos celulares, existem casos em que o comportamento indica um uso problemático. Sinais de alerta incluem alterações de humor frequentes, como irritabilidade e ansiedade, perda de interesse em atividades sociais presenciais, queda no desempenho escolar e aumento de conflitos familiares em decorrência do uso do celular. Quando esses sinais se tornam frequentes, pode ser necessário buscar ajuda profissional para que o jovem desenvolva uma relação mais equilibrada com o uso da tecnologia.
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