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Cena do filme "My Son Hunter", sobre os escândalos do filho de Joe Biden, Hunter
Cena do filme “My Son Hunter”, sobre os escândalos do filho de Joe Biden, Hunter| Foto: Divulgação

Entres as famílias católicas progressistas mais influentes na política americana, os Biden são os primos pobres dos Kennedy. Eles vêm da pacata Delaware, e não da cosmopolita Massachusetts. John F. Kennedy foi o presidente americano mais jovem, enquanto Joe Biden já mostra sinais de senilidade. JFK é lembrado como um charmoso mulherengo; Joe Biden, por outro lado, é visto como inconveniente e pegajoso. JFK foi vítima de uma complexa conspiração para seu assassinato; Joe Biden é frequentemente vítima das escadas ao tentar subir em seu avião.

Até as polêmicas envolvendo James, irmão de Joe Biden, parecem banais quando comparadas às de Ted Kennedy, irmão de JFK. Em resumo, os Biden são um produto inferior.

Seria necessário um cineasta habilidoso para transformar um material tão medíocre em um clássico – e Robert Davi conseguiu exatamente isso. Divertido, cativante e provocador, “My Son Hunter”, uma biografia ficcionalizada de Hunter Biden – filho de Joe Biden que recebeu recentemente um perdão presidencial –  é uma paródia política retratando uma autêntica tragicomédia americana.

Hunter é geralmente representado de maneira subserviente e superficial pela mídia americana, majoritariamente democrata, partido de seu pai. No entanto, quando olhamos com mais cuidado, ele emerge como o personagem mais interessante do clã Biden. O filme explora suas múltiplas facetas em grande profundidade: o filho de um político corrupto em busca de aprovação, o irmão ciumento e fracassado, mas amoroso, o viciado em crack, quase suicida, atormentado pela culpa.

Uma mistura de "Syriana", "Othello" e "Christiane F."

Em “My Son Hunter” encontramos um Hunter Biden humanizado, destacando tanto sua falência moral quanto sua vulnerabilidade enquanto luta contra o vício. Hunter aparece tão desajustado quanto bem relacionado, vilão e vítima, navegando e afundando entre os diferentes atos de sua vida.

Beau Biden, o irmão mais velho de Hunter, era o “menino de ouro” da família, predestinado à grandeza — talvez até à presidência. Sua morte prematura desestabilizou a ordem natural do clã, e a eventual chegada de seu pai, já idoso, à Casa Branca tornou-se o ato supremo de corrupção: a corrupção do tempo.

Se Beau era diferenciado e estava destinado a elevar os Biden ao mesmo status dos Kennedy, Hunter é um Biden legítimo. Assombrado pela sombra de Beau, sua única saída foi transformar sua vida em um tributo distorcido ao irmão perdido.

Hunter é o patinho feio que jamais cresceu, o filho pródigo que nunca partiu. Ele é Caim, mas sem o sangue de Abel em suas mãos. Talvez anseie ser Hamlet, apenas para, pela primeira vez na vida, estar do lado certo de uma intriga.

Nunca saberemos se Hunter Biden é realmente Hunter Biden, ou se é Hunter Biden sonhando ser Beau Biden, tal como Zhuangzi sonhando ser uma borboleta ou Edgar Allan Poe sonhando dentro de um sonho.

Ou, talvez, um pesadelo, onde Hunter se envolve com sua cunhada, Hallie Biden, viúva de Beau, e se torna o operador-chave na máquina de negociatas políticas que Joe Biden preparava para seus anos de aposentadoria. Tentativas desajeitadas de lidar psicologicamente tanto com a perda quanto com a incapacidade de substituir o irmão.

E assim, no filme, a narrativa simplista de Hunter como meramente o filho problemático do (à época) vice-presidente é desmontada. Hunter é um fruto da árvore política dos Biden, carregando as mesmas pragas de sua semente.

Ele é, de fato, o “filho problemático”, mas mais significativo ainda é que Joe é o “pai problemático”. E os “problemas” de ambos têm menos a ver com vícios pessoais e mais com seus negócios questionáveis na Ucrânia, Romênia e China — além das muitas tentativas de encobrir esses esquemas.

A corrupção de Hunter, uma herança de família, existe em uma dimensão completamente distinta de suas lutas com o vício. Trump cometeu um erro crucial ao confundir esses aspectos durante um dos debates presidenciais de 2020, ao atacar Hunter. Esta dimensão da história é um drama para a família americana média, e Davi transmite essa mensagem de forma sútil.

Esta não é uma história verdadeira… Exceto pelos fatos

Se “O Garoto Selvagem” de Truffaut começa com um aviso de que “esta é uma história autêntica”, contando a história de uma criança selvagem criada numa floresta com quase nenhum contato humano; “My Son Hunter” inicia reconhecendo que “esta não é uma história verdadeira… exceto pelos fatos”, e avança contando a história de um adulto selvagem criado numa selva política com quase nenhum contato humano.

A sequência de abertura, com Joe Biden (interpretado por John James) interagindo com uma agente do Serviço Secreto (Gina Carano), estabelece o tom para o filme, uma paródia política. Um formato que permite tanto a progressistas quanto a conservadores apreciar as ironias contidas na obra: o hábito de Biden de se aproximar para cheirar os cabelos das mulheres, os protestos “pacíficos” do movimento Black Lives Matter, o viés político da mídia tradicional americana, a sinalização de virtude que move as redes sociais, a corrupção dentro das Big Techs, as controvérsias do caso Jeffrey Epstein... há algo para todos os gostos.

Réquiem para um sonho

No filme, nos tornamos uma mosca pousada na quarta parede do mundo de Hunter Biden, testemunhando o humor em situações absurdas ao estilo de Woody Allen, fervendo a banho-maria em um caldeirão de violência quase tarantinesca.

Laurence Fox brilha ao retratar Hunter Biden como um bom selvagem de espírito animal. Um predador sexual humanizado como presa política: a ovelha negra que se tornou bode expiatório no altar dos negócios da família.

Inspirando-se mais em Herzog que em Truffaut, Fox projeta em Hunter o animalismo de Kaspar Hauser, em constante tensão primordial com o mundo, ignorando a natureza emocionalmente abusiva e narcisista de seu cuidador. Comunicando essa tensão através de grunhidos e fluxos de consciência quase ininteligíveis.

No papel de Hunter, Fox é um Franz Kafka sem Felix Hermann. Se Hunter é Kafka (ou seu alter-ego Gregor Samsa), Grace “Kitty” Anderson (interpretada magistralmente por Emma Gojkovic) é uma Grete Samsa profana neste labirinto art nouveau kafkiano.

O mundo conheceu Hunter Biden através de seu laptop perdido, e quando o arco de Kitty – uma ativista política que se torna stripper após brigar com a família e sair de casa – completa sua metamorfose como confidente de Hunter, ela se torna o laptop proverbial. O pandemônio animista encerra-se nela.

Se a melancolia foi o mal do século 19, o Complexo de Édipo carrega essa tocha no século 21. Kitty, a stripper, encontra redenção ao superar seu ódio gratuito pelo pai. Em seu subconsciente, é assim que sua conexão com Hunter se desfaz. Afinal, ela conclui, a verdade revelada foi apenas um sonho.

Outro destaque do filme são os diálogos em que Joe Biden aparece, brilhantemente escritos e magistralmente executados, tecendo suas gafes em uma tapeçaria de conversas fictícias, mas verossímeis. Talvez um Joe Biden afiado e coerente seja um dos aspectos mais surreais do filme.

O cinema de direita como a Nouvelle Vague americana

Assim como a Revolução Francesa foi inspirada pela Revolução Americana, e não o contrário, a Nouvelle Vague francesa foi inspirada pela cena do cinema independente americano do meio do século passado.

Críticos como Naomi Fry (The New Yorker) e John DeVore (Esquire) apressaram-se em depreciar o filme como “amador” e “de baixo orçamento”, confessando uma incapacidade de compreender a obra dentro de um movimento: uma rejeição das convenções hollywoodianas em favor de uma abordagem mais pessoal e menos capital-intensiva, reivindicando a tradição americana do cinema de autor abandonada pelo progressivismo.

Esta é a linha que une a nova geração de cineastas conservadores americanos com aqueles que revolucionaram o cinema francês nos anos 1950 e 1960: iconoclastia e experimentação em narrativas, temas e técnicas, rompendo o molde de filmes formulaicos, ou feitos para o Oscar, e trazendo uma renovação necessária para uma indústria cada vez mais vacilante.

O movimento está crescendo, desde a trilogia “A Revolta de Atlas” baseada nas obras de Ayn Rand, até lançamentos mais recentes como “O Direito de Viver”, “Unplanned”, “What Is a Woman?”, “Som da Liberdade” e “Am I Racist?” — o cinema conservador americano está passando por um verdadeiro renascimento.

Ao contrário dos títulos acima, “My Son Hunter” não tem medo de abraçar seu status de filme de arte, com uma cinematografia requintada que ora reproduz a semiótica intricada de Richard Linklater em “Acordar Para a Vida” e “O Homem Duplo”, ora evoca o realismo fantástico de Jean-Pierre Jeunet em “Ladrão de Sonhos”.

A influência de Truffaut borbulha aqui e ali, zombando e iludindo os progressistas que, com as sensibilidades sequestradas pelo politicamente correto ao estilo Disney, perderam a capacidade de produzir qualquer coisa além de sanitizar histórias conhecidas em filmes desprovidos de imaginação.

Talvez não por coincidência, o filme de Davi foi lançado na mesma semana em que Jean-Luc Godard faleceu.

Um inventário das confusões dos Biden

Do ponto de vista utilitário, o filme serve como um repositório do histórico criminal dos Biden, abordando desde o filho do vice-presidente que, sem experiência alguma, obteve um cargo lucrativo no conselho de uma gigante de energia ucraniana (Burisma), até seus negócios com a China comunista. Um foco especial é dado ao conteúdo do laptop perdido de Hunter.

Por anos, esse laptop foi desacreditado pela mídia e pelo FBI como uma teoria da conspiração. Não era. Menções a ele foram sumariamente censuradas pelo Twitter, Google e Facebook, sob os aplausos dos progressistas americanos – e, após seu conteúdo ser finalmente reconhecido como legítimo, ninguém se apressou em emitir erratas ou pedir desculpas. Resta a pergunta: ainda existe alguém ingênuo – ou corrupto – o suficiente para acreditar que o laptop era parte de uma campanha de desinformação russa para interferir nas eleições americanas de 2020?

Bem, se existir, talvez também acredite que Hunter Biden é um artista talentoso. E eu lhe perguntaria: quanto você pagaria por uma de suas obras? Sim, aquelas que foram vendidas por um total de US$1,5 milhão, algumas adquiridas por doadores das campanhas de seu pai.

Em Nome do Problemático Pai

My Son Hunter” é uma fábula eficaz e sombria da tragédia americana. Devemos ser gratos a Robert Davi por recusar-se a cair no estereótipo de Hunter como um vilão viciado em drogas, popular nos círculos de direita, removendo o verniz sujo que cobre o mecânico encarregado de fazer o motor de corrupção da família funcionar.

Uma história onde Hunter está perpetuamente fora de lugar, e muitas vezes apenas de cueca, claramente inadequado para as salas de conferência das empresas multinacionais ou as prestigiadas galerias de arte que frequenta. Em sua cabeça, ele pertence ao mundo do crack e das strippers, não ao da Burisma, tentando escamotear complexos esquemas de tráfico de influência.

No entanto, se você espera que o filme seja abertamente político, ficará decepcionado. Donald Trump e as eleições de 2020 ficam em segundo plano em relação ao relato humano visceral que se desenrola diante de nossos olhos.

Na vida real, Hunter provavelmente não enfrentará as consequências legais de suas ações. Na tela, entretanto, Hunter é responsabilizado por suas escolhas, traçando um arco de crime e castigo, ao passo em que seus poderosos aliados fazem de tudo para transformá-lo em um arco de redenção.

Independentemente de suas posições políticas, o filme é engraçado, inovador e faz pensar. “My Son Hunter” é uma contribuição importante para o novo cinema conservador americano? Com certeza. É divertido? Sem dúvida. Ajuda a entender a história e as confusões de Hunter Biden? Absolutamente.

Jefferson Vieira é economista com uma década de experiência no mercado financeiro e em organizações multilaterais, baseado na Europa.

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