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No dia 22 de novembro, foi aprovada, em primeira votação, a PEC 8/2021, que diminuiria os poderes individuais dos ministros do STF. De forma inesperada, o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA), votou a favor da proposta.
Em reação, um ministro do STF teria enviado recado diretamente à jornalista Daniela Lima, da GloboNews, que, sem identificar o ministro, leu a suposta mensagem de texto ao vivo na televisão: “A lua de mel com o governo acabou. É uma traição feia. Foi uma burrice”.
Assim, foi dito ao cidadão brasileiro, não por um detrator do STF, mas por um ministro do próprio tribunal, que teria existido, então, uma “lua de mel” entre o governo Lula e o STF (dado que o ministro anônimo, para manter o anonimato, abre mão de individualizar os envolvidos, implicando, por via de consequência, todo o tribunal com a fala).
Foi dito também ao cidadão que uma conduta do governo contra o tribunal caracterizava “traição” – palavra que, apesar de ter variados contextos de uso (amoroso, político, militar), implica, em todos eles, sempre alguma espécie de pacto, ainda que implícito, embora não se tenham dado ali mais detalhes.
A jornalista Eliane Cantanhêde, igualmente da GloboNews, também leu no ar o que afirma ter sido outra mensagem de texto enviada pessoalmente a ela por um ministro não identificado do STF: “Jacques Wagner precisa renunciar à liderança, senão acabou o papo [do Planalto] com o STF”.
Cantanhêde também explicou os motivos pelos quais, conforme sua apuração, os ministros do STF estariam falando em “traição”: “O Supremo está se sentindo traído porque a eleição do Lula dependeu do Supremo, a vitória do Lula… enfim, toda essa reviravolta que houve dependeu do Supremo”.
Dano à imagem do STF
As falas acima transcritas foram repercutidas por políticos de oposição e críticos do governo, em tom negativo para a imagem do STF.
Algumas destas pessoas já tinham sido, em contexto anterior, tornadas alvo de investigação pelo próprio STF por publicações de internet críticas ao tribunal (por exemplo, a deputada federal Bia Kicis). Mas é necessário enfatizar uma diferença crucial entre as duas situações: antes, os indivíduos eram investigados por manifestações originais suas; agora, as novas publicações, embora também lesivas à imagem do STF, veiculavam, em vez disso, manifestações de um (ou mais) dos próprios ministros.
Juridicamente, isto impediria que os autores das publicações fossem, eventualmente, responsabilizados pelo dano à honra do STF (se é que existe este bem jurídico tutelado, o que é questionável), porque, desta vez, a responsabilidade exclusiva recairia sobre o ministro do STF que proferiu a fala.
Críticas mais brandas ao STF já foram criminalizadas
Outro exercício intelectual é interessante para o caso. Um exame das antigas publicações críticas em rede social que foram criminalizadas pelo STF no Inquérito 4.781 [das fake news] leva a uma perturbadora conclusão: várias delas são inclusive mais brandas, sob a ótica do enquadramento nos crimes contra a honra, do que as falas anônimas propagadas por um ou mais ministros do próprio STF. Isso porque muitas das falas criminalizadas à época nem mesmo imputavam qualquer fato concreto ao STF ou aos seus ministros, mas apenas manifestaram uma opinião subjetiva do falante.
Por exemplo, tomem-se os tuítes publicados pelo deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP). Em um deles, ele contestava uma fala do ministro Dias Toffoli (do STF) de que “Quando você ataca as instituições, ataca a democracia”. O deputado respondia: “Errado. Instituições não são a democracia. Instituições representam o Estado de direito. A democracia é vontade popular. Atacar a vontade popular é que é atacar a democracia. E quem tem atacado tanto estado de direito quanto a vontade popular é o STF”.
Em outro tuíte, também transcrito pelo ministro Alexandre de Moraes (STF), o deputado dizia: “O ativismo judicial se aplica mais ao próprio STF que a qualquer outro poder. A maioria dos juízes nunca foi juiz, todos da mesma ideologia, não querem se reformar e ignoram seu descrédito”.
Por estes tuítes, o ministro Alexandre de Moraes ordenou a oitiva do deputado federal em delegacia no prazo de 10 dias, em decisão datada de 26 de maio de 2020, muito embora o deputado fosse protegido pela imunidade parlamentar.
Na mesma decisão, outros indivíduos, como a youtuber Bárbara Destefani (do canal “Te Atualizei”), foram alvo de busca e apreensão e outras medidas apenas por compartilharem, no Twitter, hashtags como #impeachmentgilmarmendes ou #STFVergonhaNacional.
O que há em comum entre todas essas falas é que nenhuma delas imputa qualquer fato concreto a ministros do STF, mas apenas expressa opinião. Diferentemente seria o caso, por exemplo, se afirmassem que ministros estavam em “lua de mel” com o governo, ou que tinham sido “traídos” pelo governo, ou outra das declarações noticiadas pela imprensa. Estas poderiam, ao contrário, ser cogitadas como difamatórias ou caluniosas.
Cabe primeiramente ao STF zelar por sua imagem
O polêmico Inquérito do Fim do Mundo foi instaurado em 2019 para investigar todo tipo de fala que, conforme a portaria instauradora, atingisse “a honorabilidade” do STF e de seus membros. Ao longo do inquérito e de seus desdobramentos, foi defendida a tese de que existiriam as chamadas “milícias digitais”. Em tese, coordenadas e financiadas de forma centralizada, com o objetivo deliberado de atacar a imagem do tribunal para voltar a população contra ele, no que teriam tido sucesso (o ministro Alexandre de Moraes chegou a dizer que a lavagem cerebral feita pela "extrema-direita" através das redes sociais transformava as pessoas em zumbis).
Pela instauração do inquérito, o STF buscava zelar por sua imagem intimidando, pelo medo de punição, aqueles que poderiam, de outra forma, vir a expressar opinião negativa ou fazer acusações que pudessem afetar negativamente a imagem do tribunal.
Em paralelo, o STF também investiu no seu setor de comunicação para zelar pela imagem e credibilidade da instituição de forma positiva, veiculando mensagens ressaltando sua atuação ou desmentindo fake news sobre suas decisões.
No entanto, os episódios que se seguiram à recente votação da PEC 8/2021 mostram que é insuficiente o STF terceirizar para os funcionários do seu setor de comunicação a tarefa de zelar pela imagem da instituição; tarefa que é, em última análise, indelegável para um membro de Poder.
Também é insuficiente o tribunal impor a todo o resto da coletividade a abstenção de ação (absterem-se de emitir comentários detratores da imagem do STF).
É preciso, com preponderância sobre estas outras medidas, que os próprios ministros individuais deem o exemplo e sejam os primeiros a zelar pela imagem do tribunal que integram.