Filho de pai português e mãe brasileira, Francisco de Sampaio (1778-1830) foi um dos grandes defensores do regente D. Pedro e da causa da Independência. Carioca, o futuro sermonista entrou para o colégio do Convento de Santo Antonio aos 12 anos e, aos 15, recebeu o hábito de noviço, adotando o nome religioso de Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio. Desde cedo, o jovem frei destacou-se pelos seus dotes intelectuais, sobretudo por sua grande capacidade oratória.
Depois do desembarque de D. João VI, em 1808, Frei Sampaio ganhou destaque na vida pública e na hierarquia da igreja, ocupando, entre outros, os cargos de Secretário da Visita Geral e da Província, Guardião do Convento Bom Jesus da Ilha, Pregador da Capela Real e Examinador da Mesa de Consciência e Ordem. A sua entrada para a política deu-se em 1821, com a partida de D. João VI, quando passou a pregar a favor da revolução liberal-constitucional do Porto e, um pouco mais tarde, da causa brasileira. É de sua autoria o manifesto que solicitava a permanência de D. Pedro no Brasil.
Em meados de 1822, Frei Sampaio fundou, em parceria com Antônio José da Silva Loureiro, o periódico Regulador Brasílico-Luso –– rebatizado de Regulador Brasileiro ––, para o qual escreveu uma série de ensaios em prol da Independência do Brasil e da monarquia constitucional. O escrito que publicamos abaixo saiu na primeira edição do jornal (29 de julho de 1822) e constitui um importante registro do posicionamento que tinha Frei Sampaio e seus partidários em relação a dois temas pungentes daquele agitado período: a união com Portugal e o regime político que se deveria adotar no Brasil independente.
Introdução
O amor do povo, o espírito do patriotismo, o desejo de ver o Brasil chegar à altura de felicidade que lhe promete o Augusto Defensor de seus direitos, impeliram-nos a sair a público, oferecendo aos nossos concidadãos o fruto de nossas vigílias e de nossas reflexões sobre os escritos de melhor caráter que trataram dos elementos próprios de uma Monarquia Constitucional. Grandes gênios, cuja existência faz a glória da presente idade e cujos talentos lhes asseguram respeitosas homenagens nos séculos vindouros, tratam hoje desta matéria. Seria preciso que tivéssemos conhecimentos muito vastos para entrarmos na mesma carreira em que eles se distinguem com tanta superioridade; mas, assim como no grande oceano as pequenas chalupas vogam à sombra dos navios do alto bordo, assim neste oceano político nós iremos, à sua sombra, aspirando com eles à glória de conduzirmos o navio da pátria ao porto de sua felicidade. Nossa única recompensa será o bom acolhimento do povo e o direito de podermos dizer que do modo possível concorremos para o avanço de sua fortuna, assim como para sua civilização; e de boa vontade nos expomos às suas invectivas, se formos convencidos que por alguma pretensão, ou projeto de interesses particulares, nos servimos da empresa em que entramos. A pátria só pode ser bem servida com estes sentimentos e, a par da honra que resulta de iguais ideias, não descobrimos recompensa alguma mais gloriosa. Talvez que alguns não nos achem muito virtuosos para avançarmos esta proposição que nos dias mais célebres de Roma apenas seria proferida por um e outro romano. Nós o mostraremos ao público, e a metempsicose terá prosélitos.
União dos brasileiros com os honrados portugueses
As bases da elevação do Brasil apareceriam aos olhos das nações da Europa com uma nódoa infinitamente vergonhosa se sobre elas se vissem sinais deste cisma político que tem feito germinar a desconfiança da parte dos brasileiros para com os portugueses europeus, sendo verdade que entre estes se contam muitos honrados e dignos da nossa estimação, porque consideram o Brasil como sua pátria e se interessam em sua prosperidade. Será possível que, na época em que nós trabalhamos por mostrar à Europa os graus de nossa civilização, queiramos perder os timbres da fraternidade que sempre nos uniram? Que quando todas as nações esperam ver sair dentre nós os frutos desta filosofia, que amadureceu nossa filantropia, e de nosso liberalismo político, nós lhe apresentamos os nomes de todos os portugueses escritos nas conchas atenienses, sem exceptuarmos aqueles que são dignos de dividirem conosco as Coroas Cívicas, por que ainda não deram provas de serem infiéis à nossa causa? Ser-nos-á honroso que eles levantem a voz e digam à Europa “nós não achamos sombra ao pé da grande árvore da liberdade que vegeta neste país; o povo lança sobre nós vistas de desconfiança, nós aplaudimos sua conduta, e ele não dá valor aos nossos aplausos”? Que! Os franceses, os ingleses, os italianos serão mais interessados no sistema da nossa prosperidade do que os bons portugueses nossos irmãos? Foram, porventura, os Godos, os Hérulos ou os Tamoios que sentaram os alicerces destas grandes casas que hoje existem na posse dos brasileiros? Foram acaso os Fenícios os que nos ensinaram os primeiros elementos do comercio, os que fizeram aparecer em giro a nossa navegação, os que nos ensinaram a tirar do seio da terra as riquezas da agricultura, os que nos ofereceram, enfim, as primeiras ideias da nossa educação moral e civil?
É preciso não nos esquecermos que devemos honrar nos bons portugueses a memória daqueles a quem o Brasil se confessa obrigado, porque no estado de colônia lhe deram, na balança mercantil da Europa, um peso muito maior do que tinha a Metrópole. Para que havemos de trazer à lembrança a pobreza com que eles apareceram entre nós? Se confrontarmos este primitivo estado com o da sua opulência, depois acharemos um argumento de sua indústria, de sua energia; trabalhando debaixo deste céu tão pouco análogo ao clima de sua pátria; e este argumento é a repreensão mais forte contra alguns brasileiros, meus patrícios, que vivem por indolência na miséria debaixo dos mesmos tetos em que floresceram seus pais, à semelhança desses pastores que, nas ruinas de Palmira, vivem debaixo da palha, tendo diante dos olhos os restos das soberbas colunas que seus maiores levantaram.
Cosme de Medicis, na Toscana, não nasceu com calções de veludo; o celebre negociante Hubert, em Hamburgo, não teve berço de ouro. Não é injurioso ao homem aparecer na sua pátria ou fora dela em estado de pobreza; tanto mais pobre quanto mais vizinho do estado natural. Nenhuma história nos dá notícia dos alfaiates, nem dos sapateiros de Abraão e de Jacob, todas falam das suas grandes riquezas pelo trabalho de sua indústria ou pelo fruto de suas alianças.
Termine, portanto, este cisma vergonhoso; abracemo-nos com os nossos beneméritos irmãos de Portugal, esta conciliação nos é necessária e até indispensável se pretendemos aparecer na linha das nações polidas como uma nação civilizada. Os troianos, obrigados a sair da sua pátria, propagavam o horror contra os gregos em todos os lugares onde abordavam na carreira de suas viagens; não queiramos que os bons portugueses, obrigados a sair do Brasil por não poderem conciliar nossa confiança, apesar de não se oporem à nossa marcha, façam abominável o nome dos brasileiros nas províncias da Europa.
Tranquilidade e União foram as grandes virtudes que nos recomendou o Nosso Augusto Príncipe; fiquem excluídos da cadeia destas virtudes aqueles que perturbam a boa ordem dos nossos trabalhos, que fomentam intrigas, que fazem entre nós os ridículos papeis de Demócrito e de Heráclito, rindo-se ou chorando à vista de todos os nossos projetos, considerando-nos como revolucionários porque nós fizemos à vela sem esperarmos pelas últimas bulas do Congresso de Lisboa; desprezemos essas plantas parasitas, mas procuremos oferecer as mais decisivas provas de amizade àqueles que conhecem a justiça da nossa causa e se interessam igualmente conosco em seu triunfo.
A perspectiva desta União será um dos mais belos espetáculos que nós poderemos apresentar à Europa. Nossa conduta em contrário talvez influa muito para a anarquia; e então veremos, entre nós, não só a confusão das línguas, mas deveremos recear que fiquemos debaixo das ruinas do nosso edifício político e que os trabalhadores apareçam aos olhos da posteridade como as múmias das pirâmides de Memphis.
República em lugar de uma Monarquia Constitucional
Quando vemos no contrato social do ilustre cidadão de Genebra, o que ele diz sobre o governo republicano, asseverando que entre todos seria o mais belo, se houvesse no mundo um povo de deuses, não nos podemos convencer que haja pessoas de senso que concebam este projeto e que nos queiram oferecer a Utopia de Thomas More ou a metafísica República de Platão, quando todos esperamos ver uma Monarquia Constitucional. Não é preciso mostrar com archotes a distância em que nós estamos longe dessas virtudes austeras, que fazem o sólido cimento das democracias; nem os bancos em que naufragaram aquelas mesmas que se vangloriavam mais com a posse dessas virtudes.
Nós não vemos hoje no universo um só povo que conceba e possa realizar a quimérica ideia de erguer o sistema político de seu governo sobre as pedras de Atenas e de Roma. A época e o estado atual das nações são mais próprios para fazer abortar, do que para realizar semelhantes projetos, e ainda bem se o aborto não custasse a perda de muito sangue, ou se só fosse derramado o dos projetistas. Não duvidamos que concorra muito para a ideia deste plano a proposição do célebre Adams quando diz que o antigo sistema político dos governos da Europa perdeu todo o seu crédito na balança da filosofia, pela influência das ideias liberais; e que, por força, a América deve adotar novos elementos políticos para assentar as bases de seu governo. Não choramos a falta da pitonisa de Endor, nem da velha Sacerdotisa de Delfos, para nos dizer quais eram as intenções desse escritor, se ele pretendia ou não semear na América os ossos dos Alcibíades, dos Aristides, dos Gracos e dos Mantios, para que dentre eles renascessem novos republicanos. Se tal era a sua ideia, requiescat in pace o senhor Adams; demos-lhe as boas noites que Frederico dava aos filósofos que morriam em Potsdam. É mais fácil a uma Monarquia melhorar o sistema da sua legislação, destruindo os abusos que com o decurso dos tempos se introduziram e se arreigaram com o silêncio dos povos, do que mudar este sistema, abandonando inteiramente os princípios elementares de sua educação; todas as medidas que se tomaram para o desempenho desta ideia produziram em resultado as cenas de que a Europa com horror acaba de ser testemunha no belo país das ciências e das artes. Qual será entre nós aquele que pretenda cingir sua fronte com os louros ensanguentados dos Thouréts, dos Cheniens, dos Marats e dos Desmoullins? Quem desejará ver cortada a carreira dos seus dias, ser hoje aplaudido por um partido efêmero, como foi Caio Graco em Roma, e amanhã ser assassinado, como aquele foi às portas do templo de Diana? Ser hoje levado ao Panteão como Mirabeau e amanhã lançado na cloaca, como esse fingido republicano?
A França na época da revolução ainda possuía homens bem dignos por seus talentos de entrarem na hierarquia daqueles que ilustraram o século de Luís XIV; não se poderá disputar a muitos, dentre estes que espiraram debaixo das ruínas do seu quimérico projeto, os conhecimentos literários que se descobrem nos seus escritos; e se eles não puderam levar ao fim a sua empresa, deveremos esperar que entre nós se realize só porque algumas províncias da América já se preconizam republicanas, fomentando-se, como é de supor, o veneno que bem depressa fará perecer em terríveis convulsões essas Províncias. Esta lembrança teve, sem dúvida, sua origem em algum sonho. Como agora andam entre mãos de alguns homens os escritos de Mably, de Raynal e de Condorcet, é crível que estes se deitassem depois de lerem quatro ou cinco folhas desses filósofos, sem os entenderem, e só sonhassem com uma República no Brasil. Conhecemos homens verdadeiramente instruídos que têm esses livros à cabeceira, mas eles são os primeiros que, nos seus folhetos, clamam por uma Monarquia Constitucional e a esperam ansiosamente, porque são amigos do povo e interessados em sua prosperidade.
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