A Fundação Open Society (OSF), uma organização filantrópica criada pelo bilionário George Soros, está prestes a mudar suas atividades. Seu novo presidente, Alex Soros, filho do fundador, decidiu doar menos dinheiro para ONGs na União Europeia, concentrando-se mais na Europa Oriental, e gastar mais em política nos Estados Unidos com o objetivo de evitar que Donald Trump retorne à Casa Branca.
George Soros, com seu patrimônio de US$ 25 bilhões [R$ 126 bilhões, na cotação atual], é considerado um dos maiores defensores de causas progressistas no mundo, ao lado de Bill Gates e de outras grandes fundações como a Ford ou Rockefeller. Através da OSF, que é uma rede de fundações, ele financia com generosas doações (cerca de US$ 1,5 bilhão por ano) organizações abortistas, ambientalistas, feministas, LGBT ou favoráveis à descriminalização de drogas… Também contribui com dinheiro para educação superior, o combate à corrupção e ao racismo, a ajuda a imigrantes… e outras causas que se encaixam em seu ideal de promover "sociedades abertas", expressão retirada do filósofo Karl Popper, de quem ele foi discípulo.
É verdade que Soros nem sempre teve essa fama, nem sua ideia de "sociedade aberta" suscitava a admiração da esquerda — e também de parte da direita. Como lembra o comentarista Thomas Fazi na revista UnHerd, há vinte anos a opinião mais comum era que Soros havia sido a vanguarda do neoliberalismo no antigo bloco soviético nas décadas de 1980 e 1990. Segundo o perfil publicado pela The New Statesman em 2003, citado por Fazi, Soros preparou "a subsequente colonização da Europa Oriental pelo capitalismo global". Ele usou a Central European University (CEU), que fundou em Budapeste, para "propagar descaradamente a ética do capitalismo neoliberal e treinar a próxima geração de líderes políticos pró-americanos na região", segundo o autor do perfil, Neil Clark.
Com o tempo, seu apoio a causas culturais e sociais típicas do progressismo atual, e sua inimizade com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, apagaram sua antiga etiqueta de neoliberal. Se o bilionário americano de origem húngara realmente quis formar líderes alinhados com seu projeto, ele nem sempre teve sucesso, especialmente em seu país natal. Orbán, que recebeu uma bolsa de estudos Soros quando era estudante, é manifestamente contrário a essas ideias e forçou o fechamento da CEU em Budapeste por meio de uma lei que exigia que universidades internacionais tivessem sede no exterior para operar na Hungria. A CEU mudou-se para Viena, e embora o Tribunal de Justiça da União Europeia tenha declarado a lei inválida posteriormente, Soros desistiu de restaurá-la em Budapeste. Agora, Alex Soros anunciou que o dinheiro da OSF não fluirá mais para a Hungria da mesma forma que antes, nem para outros países da UE, embora isso não signifique que ele deixará de apoiar o aborto e outras causas.
Influência política
Alex Soros, nascido em 1985 do segundo casamento de seu pai, foi escolhido para liderar a OSF em dezembro passado e vem preparando a mudança de prioridades que tornou pública neste mês. Com um doutorado em História e Filosofia pela Universidade da Califórnia, na primeira entrevista após sua nomeação, concedida em junho ao The Wall Street Journal, ele disse que pensa como seu pai, mas acrescentou: "Eu sou mais político".
Antes disso, o complexo Soros já estava ativo na política. O Democracy PAC, seu "comitê de ação política" (PAC: o nome das organizações privadas que financiam campanhas eleitorais ou outras causas políticas nos EUA), doou dinheiro, por exemplo, a candidatos democratas como Barack Obama, a favor da legalização da maconha ou para a eleição de promotores e responsáveis pela segurança pública que defendem a redução das taxas de condenação à prisão.
Alex está mais interessado na política norte-americana e, neste momento, está preocupado com a possibilidade de Donald Trump ou outro republicano semelhante ganhar as eleições presidenciais de 2024. Por isso, decidiu que o Democracy PAC — que ele também dirige — gastará mais na campanha. No entanto, ele acredita que os democratas não devem adotar uma postura radical: "Nossa equipe", diz na entrevista, "deve ser mais patriótica e inclusiva. Só porque alguém vota em Trump não significa que seja um caso perdido ou um racista". Ele também criticou o "cancelamento" que ocorre em muitas universidades americanas.
O esforço de Alex Soros levanta a antiga questão de saber se é correto que um bilionário possa, graças ao seu dinheiro, exercer uma influência na política que está fora do alcance dos outros cidadãos. Ele justifica isso porque outros fazem o mesmo: "Por mais que eu retirasse o dinheiro da política, enquanto aqueles do outro lado continuarem a colocá-lo, teremos que fazer o mesmo". Isso não serve como justificativa, uma vez que os do "outro lado" podem dizer a mesma coisa, e é estéril tentar retroceder às origens para descobrir quem começou.
Mudança para o Leste
A outra mudança que Alex Soros quer introduzir na OSF afeta a Europa. Ele manterá a atividade na América Latina, que ele mesmo, em 2017, quando era membro do conselho em vez de presidente, impulsionou, aumentando as doações destinadas à região de 12 para 60 milhões de dólares por ano. Um terço desse dinheiro foi para o Brasil em 2021, de acordo com a Gazeta do Povo. Neste país, a OSF financia, entre outras coisas, o movimento LGBT, igualdade para negros, algumas ONGs que defendem a descriminalização das drogas e outras de natureza ambientalista, como o Instituto Clima e Sociedade, que recebeu US$ 1,5 milhão, mais do que qualquer outra no país.
Onde as novas prioridades de Soros serão mais evidentes é nos países da UE. Em um artigo para a revista Politico, Alex Soros explica que a OSF continuará prestando grande atenção à Europa, mas as circunstâncias atuais exigem uma mudança para o leste. Com esse objetivo, a OSF se retirará de algumas áreas de atividade e reduzirá pessoal e estrutura no âmbito da UE. Ele concentrará seus esforços na Ucrânia (à qual a OSF dedicou mais de 250 milhões de dólares desde 2014, segundo Alex), Moldávia e na parte ocidental dos Bálcãs. O objetivo é contribuir para que esses países (Sérvia, Bósnia e Herzegovina, Albânia, Kosovo, Montenegro, Macedônia do Norte) ingressem na UE, o que, segundo Alex Soros, é "vital" para a estabilidade da região.
A outra nova prioridade da OSF na Europa são os ciganos: cerca de dez milhões deles, a grande maioria vive no leste do continente. A OSF criará uma fundação específica para eles, dotada com 100 milhões de euros.
Cortes na UE
Isso significa que muitas ONGs na UE deixarão de receber grande parte dos fundos que a OSF costumava destinar a elas (cerca de 200 milhões de dólares no último ano). "Foi um golpe, uma surpresa", disse ao Le Monde Nick Aiossa, diretor da Transparency International para a Europa, que recebe um terço de seu orçamento da OSF. Outras organizações prejudicadas são a Amis de la Terre francesa (a qual a OSF concedeu mais de 100 mil euros neste ano) ou a Civil Society Europe, uma coordenadora de ONGs ativas na UE em causas sociais que costumam ser financiadas pela OSF.
Os cortes serão mais notáveis na Hungria, onde as ONGs alinhadas com Soros estão excluídas das ajudas oficiais. Sem o financiamento da OSF, o ramo húngaro dos Comitês Helsinki, que monitoram o respeito aos direitos humanos, perderá 12% de seu orçamento atual; a K-Monitor, uma organização contra a corrupção, perderá 50 mil euros por ano.
O dinheiro não é a única coisa que esses grupos sentirão falta com a mudança de Soros. Como observa Carlotta Besozzi, da Civil Society Europe, em declarações também relatadas pelo Le Monde: "Suas ajudas [da OSF] são importantes e fáceis de gerenciar, pois exigem muito menos burocracia do que as de outros doadores, como a Comissão Europeia". De fato, os beneficiários valorizam muito a "flexibilidade" da OSF, como aponta Sandor Lederer, da K-Monitor, em outro artigo do Le Monde: "Com a OSF, era possível fazer um pedido a qualquer momento, assim que a ideia de um projeto surgisse, o que era muito diferente dos fundos europeus".
No entanto, com Alex Soros no comando, a OSF considera que sustentar a vitalidade da sociedade civil na UE é responsabilidade da Comissão Europeia. De fato, a UE o faz através do programa "Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores"; mas com um orçamento fixo e requisitos administrativos e de controle mais rígidos, na prática, as subvenções comunitárias têm sido para muitas ONGs um complemento às da OSF e dificilmente as substituirão.
Portanto, a generosidade de Soros com as ONGs na UE criou um problema de dependência, como agora se vê que será grandemente reduzida. Isso é destacado, também no Le Monde, por Alberto Alemanno, professor de Direito na HEC (École des Hautes Études Commerciales) de Paris: "[A OSF] possui recursos inigualáveis em comparação com outras grandes fundações europeias". Ao longo de quarenta anos, ele acrescenta, a OSF fez muito, mas "tornou-se quase um monopolista, indispensável, sem alternativa".
Alguns lamentarão a diminuição dos recursos para causas progressistas e outros se alegrarão por isso. De qualquer forma, no esforço de influenciar a política ou moldar a sociedade, o dinheiro por si só não garante o sucesso. Vale o velho ditado de que metade dos gastos com publicidade é supérflua, mas o problema é que ninguém sabe qual metade. É uma forma irônica de dizer que, como não se pode determinar o quanto de dinheiro é suficiente para que uma campanha obtenha o resultado desejado, tenta-se assegurá-lo gastando mais que os concorrentes. Por enquanto, o que se pode afirmar é que, a partir do próximo exercício, os beneficiários de Soros na UE terão uma concorrência maior.
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