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A Grande Fome que deixou milhões de mortos na Ucrânia durante o regime de Josef Stalin – um dos episódios mais aterradores do sangrento século 20 – é hoje amplamente conhecida. Mas os primeiros olhos do Ocidente a presenciar a tragédia da década de 1930 (também conhecida como Holodomor) foram os do jornalista britânico Gareth Jones, que viajou escondido à Ucrânia e se deparou com cenas de desespero: forçados a participar de um sistema de produção coletiva de grãos para sustentar os delírios de grandeza de Stalin, os camponeses ucranianos se viam sem o mínimo necessário para alimentar a si próprios. O filme “Mr. Jones”, ainda não disponível no Brasil (vale cobrar de sua operadora ou serviço de streaming), mostra como, de início, a tragédia aconteceu sob a complacência da imprensa e dos líderes internacionais.
Lançado no ano passado, foi produzido pela premiada diretora polonesa Agnieszka Holland, que quando jovem militou contra a imposição de ditaduras comunistas no Leste Europeu por parte dos soviéticos.
O filme tem algumas imprecisões históricas, mas acerta no principal: foi graças à audácia de Jones, um jovem de coragem extrema, que o muro de silêncio sobre a tragédia na Ucrânia começou a ser desfeito. E o muro havia sido erigido com a ajuda de figuras como Walter Duranty, correspondente do The New York Times em Moscou e em grande medida, um apologista de Stalin.
O enredo se desenvolve a partir do momento em que Jones (interpretado pelo ator britânico James Norton) viaja para Moscou, em uma tentativa ingênua de entrevistar Stalin em pessoa. A entrevista nunca acontece; em vez disso, ele descobre que há algo de errado acontecendo na Ucrânia. Ao contrário dos outros correspondentes, que se contentavam em permanecer na capital russa sob a vigilância do regime comunista, Jones decide seguir seu instinto de repórter investigativo.
Um dos méritos do filme, aliás, é contrastar a busca incessante de Jones pelos fatos com o cinismo de Duranty, uma das figuras mais vergonhosas que o jornalismo americano já produziu. Correspondente do The New York Times em Moscou, ele publicava com frequência reportagens favoráveis ao regime soviético – ao mesmo tempo em que o líder comunista promovia sua política de extermínio de opositores e atrocidades com o Holodomor. Duranty foi até mesmo agraciado com o Pulitzer, prêmio máximo do jornalismo, em 1931. Embora até hoje se debata o quanto o correspondente sabia sobre os crimes de Stalin, é fato que ele vendeu ao mundo ocidental uma imagem irreal do tirano comunista.
As cenas de “Mr Jones” são intercaladas por menções ao livro "A Revolução dos Bichos", que viria a ser publicado por George Orwell em 1945 justamente como uma metáfora ao caráter auto-destruidor das revoluções comunistas.
Para além do enredo envolvente e da aula de história, “Mr Jones” vale a pena pelas boas atuações e pela fotografia cuidadosa e criativa, embora sóbria. A obra faz jus a Gareth Jones como um exemplo de que, em qualquer época, em qualquer lugar, existe apenas uma verdade – mesmo que, por vezes, ela seja contemplada apenas por uma testemunha solitária.
Por fim, “Mr Jones” oferece, em um momento despretensioso, a chave para a compreensão do comunismo – e de qualquer tirania: quando uma camponesa ucraniana é indagada pelo jornalista sobre o que causou a tragédia do Holodomor, ela responde: “Os homens acreditaram que podiam substituir as leis naturais". A lição continua válida.