Jovens soldados dinamarqueses tentam conter as tropas invasoras nazistas.| Foto: Reprodução/ Wikipedia
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Cinco menores de idade pedalam em plena madrugada, sem destino aparente. Ao darem conta de um vagão de trem em uma ferrovia, arrombam uma de suas portas. Munidos de granadas, decidem explodir imediatamente a carga. Em questão de minutos, os bombeiros chegam: é impossível conter o fogo, que destrói peças de aviões e munições. O aparente vandalismo juvenil era premeditado e tinha endereço: o exército nazista.

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Dezenas de ações assim foram realizadas pelo Clube Churchill, um grupo de resistência formado apenas por oito jovens entre 14 e 20 anos de idade que surgiu durante a ocupação nazista na Dinamarca, entre 1940 e 1945. Mesmo limitados, os adolescentes lutaram com bravura contra os alemães durante a ocupação do país, após a Operação Weserübung.

Com a invasão, os dinamarqueses decidiram poupar vidas. Ao contrário da vizinha Noruega, que perdeu mais de mil soldados durante a resistência, o país recebeu os nazistas de uma forma bem menos hostil, como relatado no livro "Os garotos dinamarqueses que desafiaram Hitler" (Phillip Hoose, 224 páginas, Editora Vestígio).

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Uma operação bem coordenada na capital, Copenhague, em 9 de abril de 1940, atracou um navio disfarçado no píer da cidade e, em questão de horas, milhares de soldados alemães haviam assumido o controle de instalações-chave, sem tempo para reação e colocando a Dinamarca como um “protetorado” do Terceiro Reich. Isso despertou um sentimento velado de revolta, relembrou Knud Pedersen, um dos líderes do Clube Churchill.

“O governo agiu com a sincera convicção de que assim fazendo salvamos o país de um destino ainda pior”, disse ele. “Os alemães aglomeravam-se nos teatros, tavernas, padarias e cafés da cidade. Comportavam-se como se os quiséssemos ali, como se estivéssemos esperando por eles, como se fôssemos gratos a eles.”

O Clube Churchill seria criado apenas em dezembro de 1941, em Ålborg, um município considerado estratégico para os nazistas. Knud Pedersen, idealizador do grupo em uma escola da cidade, era dissidente de uma iniciativa parecida antes de chegar em Ålborg: o Clube RAF, criado no município de Odense e que agia de forma muito parecida.

No início, os garotos do RAF — nome em homenagem à Royal Air Force, braço aéreo britânico que resistia pelos ares, mesmo em menor número — praticavam pequenos delitos: pichações em placas nazistas e roubos de pistola foram seus primeiros atos. À medida que ganharam confiança, passaram a incendiar veículos em garagens, entrando na mira dos alemães. Pedersen, já em Ålborg quando os meninos passaram a ser perseguidos, só saberia anos depois o destino dos remanescentes do RAF: a maioria morreu como prisioneiro dos alemães e os poucos sobreviventes tiveram traumas psiquiátricos irreversíveis.

Após se mudar de Odense junto com a família, Pedersen buscou, junto ao irmão Jens, criar uma iniciativa ainda mais ousada que o RAF. O Clube Churchill queria estabelecer uma marca: seria um atestado que a Dinamarca não aceitaria, de braços cruzados, a ocupação nazista.

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O aeroporto de Ålborg, situado ao norte do país, era um território essencial para os nazistas no combate à Noruega: servia como posto de reabastecimento dos aviões e, além disso, os navios que trafegassem por ali poderiam evitar os trechos com gelo do Atlântico Norte. Controlando os noruegueses, os alemães também abririam uma rota para o transporte de minério de ferro das minas da Suécia para a produção de armas, transportadas pelo porto de Narvik.

Ali, entre 1941 e maio de 1942, o Clube Churchill atacou mais de vinte vezes, percorrendo as ruas de bicicleta. Os atos, inicialmente de vandalismo, evoluíram rapidamente para incêndios de carros, prédios e o que os nazistas descuidassem. Sorrateiramente, o grupo de oito meninos roubou e estocou centenas de rifles, granadas, pistolas, metralhadoras e munições. E o mais ousado: quase tudo foi feito à luz do dia, já que todos tinham toque de recolher antes do anoitecer, imposto pela família. Caso fosse necessário realizar ataques noturnos, a desculpa padrão era dormir na casa de algum amigo.

O nome do grupo, inspirado no então primeiro ministro do Reino Unido, Winston Churchill, demonstrava um apreço que crescia em todo o continente à época: os discursos do estadista, reproduzidos pelas rádios e que eram um alento de esperança para os países ocupados pelos nazistas. A marca do Clube era, também, uma provocação: uma suástica nazista, com raios na ponta e pintada em azul, eram a marca registrada da resistência.

Pouco demorou para que os feitos dos meninos ganhassem repercussão além de Ålborg. A polícia dinamarquesa, ordenada pelos nazistas, permaneceu no encalço dos jovens, tentando descobrir quem eram os responsáveis por afrontar o domínio alemão na cidade.

Por fim, o relato de uma garçonete, Elsa Ottesen, dias após a explosão de um vagão de carga e o roubo de uma pistola, levou a Knud Pedersen. Ele havia sido identificado como o autor do furto, realizado na distração de um soldado alemão em uma mercearia, um ato que já havia se tornado rotineiro para o Churchill: a furtividade. A funcionária viu a situação e, dias depois, informou a polícia. Pedersen foi preso a poucos passos de casa. Simultaneamente, Alf Houlberg, outro integrante do Clube, foi detido em seu quarto e revelou, em seguida, o esconderijo das armas e granadas.

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“Nossos pais ficaram mudos, sem fala, chocados”, relembrou Pedersen, ao recontar a ida dos meninos para a delegacia prestar depoimento sobre seus atos. “Nenhum deles sabia coisa alguma sobre o Clube Churchill e suas atividades. E os pais não se conheciam entre si, o que só aumentou o clima de estranheza. Alguns deles, donos de fábrica, médicos, advogados, as figuras mais proeminentes da cidade, jamais haviam estado em uma delegacia”.

Em menos de 24 horas e após interrogatórios intensos que levaram os investigadores a um denominador comum, os jovens estavam na cadeia de King Hans Gades. Era 6 de maio de 1942 e a maioria deles só voltaria a dormir livre como homens, não mais como meninos.

Aquelas eram as primeiras prisões por sabotagem em uma Dinamarca que não havia entrado em um conflito sequer com os nazistas. A mídia deu ampla cobertura ao caso, que percorreu a Europa e voltou os olhos ao julgamento daqueles oito jovens. A expectativa era grande: se condenados, como eles seriam punidos? Caso fosse a Alemanha, na melhor das hipóteses acabariam em campos de trabalhos forçados, o que aconteceu com boa parte do Clube RAF e levou alguns à morte. Na pior, Hitler poderia ordenar sua execução para servir como exemplo. Não foi o que ocorreu.

Com dezenas de quilos a menos, cabeça raspada e sem direito a nada além de livros clássicos em seu confinamento, os meninos permaneceram por cerca de dois anos presos (as sentenças variavam de acordo com a idade). Em 1944, os irmãos Pedersen foram libertados e encontraram um mundo muito diferente: os dinamarqueses começavam a resistir contra os alemães, sendo um ponto importante de fuga dos judeus para a neutra Suécia. Pelo país, mais de sete mil pessoas escaparam das mãos dos nazistas. Em maio de 1945, A Dinamarca era um país livre novamente.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, todos os integrantes do Clube Churchill foram libertados. Em 1950, considerados heróis nacionais, receberam um convite especial: o próprio Winston Churchill vinha ao país para ser homenageado, e queria conhecê-los. O momento histórico colocou frente a frente dois símbolos de resistência em meio ao conflito mais importante do Século XX.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]