Nos vídeos que circulam na internet, é impossível não notar os milhares de rostos jovens em meio a multidão que se aglomerou em frente à Suprema Corte americana em Washington para a “Marcha pela Vida”, em 19 de janeiro. Empunhando cartazes que falam sobre amor, eles assumem ser a geração pró-vida e defendem: “nós vamos abolir o aborto”.
Esses jovens estudantes fazem parte de uma geração que nasceu depois da decisão do caso Roe contra Wade, quando em 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu o direito ao aborto ou à interrupção voluntária da gravidez no país, e para muitos deles, a luta pela vida é uma questão pessoal.
“Nós sobrevivemos, mas milhões não tiveram a mesma sorte. Milhões de meus semelhantes morreram antes de ter a chance à vida fora do útero. Um terço da minha geração foi massacrada em nome da ‘escolha’”, argumenta Veronica Baugh, estudante de 17 anos que mora em Chicago e é membro do grupo Crusaders for Life (“Guerreiros pela Vida”, em tradução livre).
Assim como Veronica, outros jovens se unem em organizações em todos os estados americanos para lutar contra o aborto. A maior delas é a Students For Life (“Estudantes pela Vida”, em tradução livre), que opera em todo o país com 1,2 mil grupos de estudantes do ensino médio, faculdades e escolas de medicina e direito. Com o propósito de educar jovens sobre a violência do aborto e transformar os campi em lugares que apoiam estudantes grávidas, a instituição “possui membros de várias religiões, ateístas, democratas, republicanos, independentes, conservadores, liberais, moderados. Todos unidos em abolir o aborto”, segundo conta Matt Lamb, vice-presidente de marketing da organização.
Na conferência nacional anual que realizou no mês passado, a Students for Life ofereceu treinamento para dois mil estudantes, número muito superior aos cursos oferecidos pela Planned Parenthood, que no ano passado, segundo Lamb, capacitou apenas 750 estudantes.
“Nós somos a geração pró-vida porque crescemos podendo ver fotos em alta qualidade de bebês dentro do útero e também crescemos em uma época de escândalos na indústria do aborto, incluindo inúmeras investigações na Planned Parenthood e seus filiados por tráfico de partes de corpos de bebês”, disse Lamb.
Este é um dos principais argumentos que têm sido utilizados para explicar o crescente interesse dos jovens pelo movimento pró-vida. O deputado pelo estado de Wisconsin Paul Ryan disse em seu discurso durante a Marcha pela Vida que a ciência tem sido um fator importante para o avanço do movimento. “Apenas olhe os ultrassons que têm nos mostrado mais sobre os nascituros do que nunca antes: como eles se desenvolvem, como eles reagem, como eles sentem dor”.
A Marcha Pela Vida em Washington ocorre há 45 anos e já chegou a reunir 650 mil pessoas em 2013, segundo estimativa da Fox News. Trata-se do principal evento pró-vida dos Estados Unidos, mas está longe de ser o único. Organizações locais e estaduais também promovem suas manifestações em favor da vida durante todo o ano, assim como o Crusaders for Life, organização liderada por jovens da qual Verônica participa.
Quando falou com a reportagem da Gazeta do Povo, Verônica estava em um “life tour” pelos estados próximos a Illinois com seus amigos. “Desde os 12 anos eu sou membro ativo do Crusaders for Life. Todo janeiro nós fazemos as malas, pegamos centenas de balões amarelos e saímos em um tour em três ônibus para fazer uma das duas coisas: participar da “Marcha pela Vida”, em Washington, ou fazer nossa própria série de protestos pela região centro-oeste do país”, conta a garota.
Diversificação
A grande adesão de jovens ao movimento pró-vida também está fazendo com que ele se torne cada vez mais diversificado. Democratas, feministas e defensores dos direitos LGBT também estão levantando a bandeira da causa contra o aborto, o que está ajudando a moldar uma nova percepção sobre quem são os pro-lifers, geralmente percebidos como cristãos que votam para o partido Republicano.
Os Democratas têm um braço pró-vida não muito conhecido fora dos Estados Unidos. Fundado em 1999, o DFLA (Democrats for Life of America) defende uma abordagem abrangente e bipartidária para reduzir o número de abortos na América e no mundo. A pauta do grupo segue as linhas gerais do partido, mas se difere por ser contra ideologia pró-vida, o que já rendeu alguns desconfortos dentro do partido.
Em novembro de 2016, a diretora executiva do DFLA, Kristen Day, escreveu que os Democratas perderam votos na eleição daquele ano, em parte, por causa do enorme apoio do partido aos candidatos a favor do aborto. “Houve seis milhões de eleitores do Democratas a menos em 2016 em relação a 2012. Muitos deles pessoas com que eu conversei ou ouvi nos últimos meses. Eles se mostraram hesitantes em apoiar um candidato que apoia o aborto quando a gravidez está avançada. Estão olhando para outras opções. Se trouxermos democratas pró-vida para o nosso lado em 2020, poderemos retomar a Casa Branca”, escreveu ela no blog do DFLA.
Aos poucos o movimento pró-vida também está conquistando mais espaço dentro dos grupos de defesa dos direitos LGBT. Apesar de ainda representarem uma pequena parcela dentro do movimento, gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros estão organizados em favor da vida. Um dos principais grupos que os representa é o Plagal (Pro-Life Alliance of Gays and Lesbians, “Aliança pró-vida de gays e lésbicas”, em tradução livre), que possui pouco mais de 2,6 mil seguidores no Facebook.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a presidente do Plagal, Cecilia Brown, contou que quando a organização foi criada, em 1990, acreditava-se que todos os LGBT eram favoráveis ao aborto.
“Muitos gays e lésbicas vincularam o direito de uma mulher controlar o seu corpo como sendo algo parecido com o direito dos LGBT de amar quem eles queiram. Mas, obviamente, não é o mesmo problema”, lembrou Brown.
Naquela época não foi fácil para o grupo ser aceito. Receberam críticas da comunidade LGBT e não foram bem-vindos entre os pró-vida. “As pessoas jogavam coisas na gente, cuspiam, éramos assediados em eventos do orgulho gay. Quando participamos da ‘Marcha pela Vida’, ameaçavam que seríamos presos, o que chegou a acontecer uma vez”, contou Brown.
Felizmente, isso não é mais um problema. As novas gerações das duas comunidades são mais abertas àqueles que são diferentes deles e não problematizam o fato de gays serem contra o aborto ou que pro-lifers sejam gays, na percepção de Brown.
Apesar de estar inserido no movimento pró-vida, o Plagal tem algumas bandeiras diferentes da maioria dos demais grupos que são contra o aborto. Eles apoiam o uso do controle de natalidade (desde que não seja considerado um método abortivo) e a adoção de crianças por pessoas LGBT.
Feministas
Também é pouco usual que feministas sejam contrárias ao aborto, mas existem grandes grupos nos Estados Unidos que defendem o direito das mulheres e o direito à vida. Eles reconhecem que o aborto é um reflexo de que a sociedade tem falhado em perceber as necessidades das mulheres. Em um discurso da feminista Serrin M. Foster, presidente do Feminists for Life (“Feministas pela Vida”), ela lembrou que as primeiras a defenderem o direito das mulheres nos Estados Unidos, por volta de 1800, argumentam que as mulheres que abortavam eram responsáveis por seus atos, mas que elas recorriam à prática principalmente porque, nas famílias e na sociedade em geral, não tinham autonomia, recursos financeiros e nem apoio emocional para levar adiante uma gravidez.
“O aborto trai os princípios feministas básicos da não-violência, da não-discriminação e da justiça para todos. O aborto é uma reflexo de que não estamos atendendo às necessidades das mulheres – e que as mulheres se conformaram com menos”, disse Foster em seu famoso discurso “The Feminist Case Against Abortion”.
Grupos de várias religiões, ateus, associações de profissionais, libertários e progressistas também estão inseridos na luta pela vida. A Wikipédia possui uma lista de mais de 30 organizações laicas contrárias ao aborto, demonstrando que a diversidade também tem espaço dentro do movimento pró-vida.
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