A história econômica ano a ano do Império Romano pode ser tão impossível de reconstruir quanto os 107 livros perdidos de Tito Lívio contando a história romana. Contudo, algo parecido com esse registro foi recuperado no local mais improvável: uma geleira no centro da Groenlândia.
O registro não está escrito em latim, mas em chumbo. Emissões do metal geradas pela mineração no norte europeu chegaram à Groenlândia e foram encobertas pela neve. A neve se acumulou, virou gelo e preservou o registro de milhares de anos atrás.
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Núcleos de gelo da Groenlândia têm sido usados há muito tempo para verificar a mudança climática, que é registrada nos isótopos de oxigênio congelados na água. O projeto para mensurar emissões antigas de chumbo em núcleos de gelo teve início com Andrew I. Wilson, arqueólogo da Universidade de Oxford que estuda economia romana. Uma equipe francesa experimentou o método na década de 1990, mas Wilson acreditava que a nova tecnologia permitiria uma abordagem mais abrangente e procurou Joseph R. McConnell, especialista na técnica do Instituto de Pesquisa do Deserto, em Reno, Nevada.
Gelo profundo
Núcleos de gelo das profundezas groenlandesas são difíceis de obter porque pode demorar de três a quatro anos para perfurar até o leito da rocha. Contudo, McConnell conhecia um núcleo que tivera de ser abandonado quando a broca ficou presa a cerca de dois mil metros. Ainda assim, o núcleo registrava 40 mil anos de nevascas anuais, e os guardiões dinamarqueses desse núcleo permitiram que o laboratório de McConnell utilizasse um pedaço de 400 metros da porção superior, correspondente aos anos de 1235 a.C. a 1257 d.C.
No laboratório, o núcleo de gelo foi cortado em barras de um metro que foram colocadas em um aquecedor para ser derretido. Ranhuras no aquecedor direcionaram água da parte central e mais pura do núcleo a instrumentos conhecidos como espectrômetros de massa, que mediam continuamente a quantidade de chumbo até um centésimo de picograma, isto é, um trilionésimo de grama. Quando o núcleo de gelo foi colocado para derreter na proporção de cinco centímetros por minuto, a equipe de McConnell descobriu que poderia fazer 12 medições anuais ao longo da era romana.
As datas dos anos do gelo foram verificadas por sua sincronização com outras cronologias, tais como as derivadas de anéis de árvore e erupções vulcânicas.
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História congelada
O registro contínuo de poluição por chumbo não é tão exato quanto as cifras do produto interno bruto romano, a qual ninguém sabe, mas ele parece refletir a saúde econômica geral do estado do império.
Publicados em 14 de maio em "Proceedings of the National Academy of Sciences", os resultados mostram uma linha flutuante que corresponde a eventos importantes da história romana. As emissões de chumbo eram maiores em períodos de paz e prosperidade, tais como a Pax Romana, que durou de 27 a.C. a 180 d.C., e menores durante as guerras civis que antecederam a Pax e a ascensão ao poder do imperador Augusto. Aconteceram quedas drásticas que coincidiram com a praga antonina entre os anos 165 e 180 d.C., que acredita-se ter sido varíola, e a praga cipriota, de causa incerta de 250 a 270 d.C.
O chumbo era amplamente utilizado na economia romana para fazer canos de água e revestir o casco de barcos. Sua produção também era um sinal indireto de uma atividade econômica central, o uso da prata no denário, a moeda padrão romana. A prata é achada em minério de chumbo, e o processo de separação dos dois a altas temperaturas gerava a grande quantidade do chumbo encontrada no ar. No começo do Império Romano o denário era cem por cento feito com prata. Porém, sob o reinado de Nero, iniciado em 64 d.C., essa proporção foi reduzida para 80 por cento e o estado lucrou ao transformar as moedas de prata na versão degradada.
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Essas mudanças coincidiram com a queda – ou talvez foram por ela causadas – na produção de prata, assim o declínio nas emissões de chumbo está registrado no núcleo de gelo groenlandês logo após 60 d.C. Durante o reinado do imperador Trajano houve um breve retorno entre os anos 103 e 107 à fabricação de moedas de novas fontes de prata e esse evento histórico também está refletido em um curto pico de poluição de chumbo que termina em 107.
Queda de emissões
As emissões de chumbo, como refletidas no núcleo de gelo, caíram a uma baixa absoluta durante a crise imperial entre 235 e 284, quando o Império quase chegou ao fim sob os desgastes da discórdia interna, das invasões bárbaras e da praga cipriota. Depois disso, a economia, a julgar pelos níveis de chumbo, se recuperou um pouco, mas entrou em um período final de declínio marcado pela retirada das legiões romanas da Grã-Bretanha no começo do século V e pela queda do Império Romano do Ocidente em 476.
Historiadores econômicos tentaram reconstruir o produto interno bruto do Império Romano, mas lançaram mão de várias hipóteses, afirma Wilson. "Eu não diria que o gráfico da poluição por chumbo seja um reflexo próximo do PIB, mas deve ser o melhor indicador indireto que temos da saúde econômica."
Ele e McConnell estão agora trabalhando para ver se os isótopos de chumbo (átomos de chumbo de peso diferente) no núcleo de gelo vão ajudar a identificar as fontes geográficas da produção e, assim, levar em consideração o fato de que fontes próximas de chumbo, como na Grã-Bretanha, teriam contribuído com mais força na poluição da Groenlândia do que as de pontos distantes, como as minas de Riotinto na Espanha.
©2018 The New York Times. Publicado com permissão. Original em inglês
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