As gêmeas cujo código genético foi alterado como parte de um controverso esforço na China para torná-las resistentes à infecção pelo HIV ainda poderiam contrair o vírus que causa a AIDS.
Cepas relativamente raras de HIV seriam capazes de entrar em suas células se as meninas entrassem em contato com tecidos ou fluidos contaminados, afirmou Robin Shattock, chefe do departamento de infecção de mucosas e imunidade do Imperial College London, no Reino Unido.
He Jiankui, o pesquisador que usou uma técnica chamada Crispr para manipular o DNA das gêmeas quando elas ainda estavam no estágio embrionário de desenvolvimento, está enfrentando críticas por expor as meninas a potenciais riscos ao longo da vida que os cientistas estão apenas começando a entender. Outras abordagens de prevenção amplamente utilizadas seriam mais confiáveis e menos arriscadas do que usar a técnica não comprovada para alterar seus genomas, disse Shattock.
"Esta é uma abordagem totalmente absurda e desnecessária" para a prevenção de infecções, disse ele em uma entrevista por telefone.
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A técnica Crispr permite aos cientistas remover ou substituir genes específicos em organismos vivos. Embora a técnica pareça promissora para tratar ou mesmo debelar várias doenças relacionadas ao DNA, os cientistas estão investigando se isso afeta as chances de desenvolver câncer ou outras desordens. Muitos governos restringiram ou proibiram seu uso em embriões humanos, porque os traços alterados podem ser transmitidos para gerações futuras, com consequências ainda desconhecidas.
Jiankui, cujas pesquisas são realizadas na Universidade de Ciência e Tecnologia de Shenzhen, na China, anunciou seu trabalho em um vídeo no YouTube e falou nesta quarta-feira em uma conferência em Hong Kong, onde ele disse que uma segunda gravidez alterada por genes está em andamento.
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A universidade disse em comunicado que está "chocada" com as ações de Jiankui. A Comissão Nacional de Saúde da China pediu uma investigação, e um grupo de 122 cientistas chineses divulgou uma declaração conjunta condenando o trabalho como "loucura".
"Eu entendo que meu trabalho seja controverso, mas acredito que as famílias precisam dessa tecnologia, e estou disposto a aceitar as críticas por eles", disse o pesquisador no vídeo.
Quase 37 milhões de pessoas em todo o mundo têm HIV, segundo a Organização Mundial da Saúde, embora a taxa de infecção na China esteja entre as mais baixas. Jiankui, que estudou nos EUA, disse que o pai das meninas estava infectado e queria protegê-las do HIV.
A transmissão de pai para filho pode ser bloqueada com o uso adequado de medicamentos antivirais, disse Shattock. Um regime chamado PrEP também pode impedir que pessoas com alto risco de contágio se infectem por outras vias.
O tratamento antiviral diário apresenta seus próprios riscos, e o HIV ainda mata cerca de 1 milhão de pessoas anualmente, disse ele em um vídeo separado. A edição genética, "embora não seja aplicável ao público em geral, pode ser valiosa para ajudar algumas famílias afetadas a proteger seus filhos do mesmo destino", disse no vídeo.
Trabalhando com uma equipe pequena, ele alterou um gene que produz uma proteína chamada receptor CCR5, que o HIV usa para entrar nas células. As pessoas nascidas com um receptor CCR5 alterado são menos propensas a se infectar com HIV do que aquelas com uma versão normal.
No entanto, o HIV tem uma maneira alternativa de entrar nas células, através de outro receptor chamado CXCR4, disse Shattock. Embora esta versão seja mais rara do que as que usam CCR5, cepas dependentes de CXCR4 podem estar envolvidas em até 5% das infecções em algumas partes do mundo, disse ele. Um estudo de 2012, com 148 mulheres infectadas em Botsuana, descobriu que 15% tinham ambas as variedades de HIV, enquanto o restante continha apenas vírus dependentes de CCR5.
"É muito improvável, mas não pode ser descartado" que alguém seja infectado através de uma cepa usando o CXCR4 para entrar nas células, disse ele.
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Os genes vêm em pares — um do pai e outro da mãe. Em um dos gêmeos, apenas uma das duas cópias foi alterada com sucesso, disse Jiankui à Associated Press. Isso pode significar que a criança não esteja protegida da infecção pelo HIV, disse Ewan Birney, diretor do Instituto Europeu de Bioinformática.
Empresas e laboratórios há muito tempo tentam alterar o receptor CCR5 como uma forma de prevenir ou desacelerar o HIV. Drogas como a Selzentry, da Pfizer, encobrem o receptor, bloqueando o acesso do HIV, embora a eficácia diminua quando o HIV sofre mutação para usar o receptor alternativo.
Os cientistas continuam a procurar maneiras de alterar com segurança o gene CCR5 em pessoas com risco elevado de HIV, disse Daniel Kuritzkes, especialista em doenças infecciosas da Faculdade de Medicina de Harvard, mas não há razão para pensar que as meninas gêmeas enfrentam tais perigos. Fazer mudanças genéticas — mesmo em adultos — apresenta perigos que exigem que os pesquisadores mostrem que os pacientes submetidos a esses procedimentos experimentais possam ser beneficiados.
"Não consigo entender a justificativa para isso", disse Kuritzkes.
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