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Estudo genético
Já se sabia de estudos com gêmeos que há alguma participação dos genes no comportamento político. Agora os cientistas estão avançando para detalhes moleculares e individuais.| Foto: Bigstock / Yurchanka

A genética está prestes a produzir previsões mais exatas sobre o comportamento político de cada pessoa, inclusive dentro de famílias. Pesquisadores propuseram, em artigo publicado nesta semana (12), um método que calcula uma “nota genética” individual que captura a propensão a desenvolver certa característica — seja ela física ou comportamental. Entre as comportamentais está a participação política, o que inclui, por exemplo, comparecimento às urnas e ativismo. Os pesquisadores testaram o método novo em uma amostra de 50 mil indivíduos dos Estados Unidos e da Suécia, com bons resultados. A novidade pode levar pensadores da política a terem de ajustar suas ideias às descobertas da genética.

Desde ao menos 2005 os geneticistas do comportamento têm evidências da participação dos genes no comportamento político humano. Um dos métodos de prospecção inicial é calcular uma medida da participação dos genes chamada “herdabilidade”, geralmente a partir de gêmeos. Para isso, são comparados gêmeos idênticos, que têm 100% de compartilhamento de genes, com gêmeos fraternos, que compartilham 50%, como qualquer outro par de irmãos. Se os gêmeos idênticos, dentro de uma amostra, tendem a concordar mais numa característica que os gêmeos fraternos, isso é um indício de envolvimento dos genes.

Para aspectos do comportamento político, como aderência a uma ideologia, a intensidade com que as pessoas se identificam com um partido e a participação política, os valores de herdabilidade são de baixos a moderados, atingindo o valor mais alto de 60% em “conhecimento/sofisticação política”, como informou um estudo de 2012. Depois da prospecção com os gêmeos, os geneticistas partiram para testes da associação com variantes do DNA, buscando explicar a herdabilidade. É o que fez o novo estudo.

Os cientistas desenvolveram uma nova medida que chamaram de “índice poligênico”. Poligênico indica que a participação é de variantes em múltiplos genes, pois não é possível que um único gene construa um comportamento. O índice se aplica a indivíduos, o que não se pode fazer com os estudos com gêmeos. “Com base em mais de 40 mil indivíduos, mostramos que os genes associados a essas [dez] características” psicológicas e de saúde, que por sua vez se associam a comportamento político, “preveem o comparecimento às urnas e o engajamento em atos políticos não-eleitorais” como o ativismo, discutem os autores. Os resultados “representam evidências fortes de uma associação genética molecular com a participação política”.

O primeiro autor do estudo é Rafael Ahlskog, da Universidade de Uppsala, na Suécia. O líder é Aaron Weinschenk, da Universidade de Wisconsin-Green Bay, nos Estados Unidos. O trabalho está disponível em um banco de artigos ainda não revisados por pares da Associação Americana de Ciência Política. Contudo, suas conclusões não surpreendem no contexto mais amplo da literatura da genética do comportamento.

Os autores fazem a ressalva que seu índice não captura a variação genética completa em torno da característica sob estudo, a participação política. A parcela da herdabilidade que as variantes estudadas conseguem explicar — 12,4% ao todo, do menor valor de 5,1% para atitudes de risco ao maior valor de 23,2% para o desempenho em tarefas cognitivas (associado ao quociente de inteligência) — deve ser considerada um mínimo, e a expectativa é que aumente com novos estudos e melhores amostras.

Como interpretar a participação da genética na política?

Um não-geneticista que já digeriu a ideia de que os genes afetam o comportamento político é o filósofo libertário americano Michael Huemer. “Quem adivinharia que crenças políticas pudessem ser transmitidas geneticamente?”, perguntou Huemer a si mesmo em seu blog. “Mas, é claro, as crenças não são transmitidas diretamente; o que se transmite são traços de personalidade, e as pessoas escolhem suas crenças políticas com base em seus traços de personalidade”.

Para Huemer, o que isso mostra é que, na ausência de reflexão racional, que cria combinações mais surpreendentes de crenças políticas, as pessoas ficam à mercê de suas propensões inatas, sendo levadas a ideologias previsíveis por seus genes. Isso pode ser muito sutil no começo, a conexão entre ter certa base genética e defender certa ideia política pode ser muito tênue. Mas ela é exacerbada mais tarde pelo tribalismo político. “Uma vez que as pessoas decidem que elas pertencem ao ‘mesmo lado’ na sociedade, há pressão psicológica para membros individuais da tribo se conformarem às crenças da maioria da tribo, e se oporem às crenças do ‘outro lado’”, especula o filósofo.

Para ele, há duas lições valiosas a serem aprendidas com a descoberta de que a genética interfere na posição e participação políticas. “Uma é o ceticismo político”, ou seja, isso convida o indivíduo a se perguntar quais de suas próprias crenças estão ali por acidente ou por reflexão. Um resultado disso é que o conhecimento político não “é impossível, só que é raro. E algumas pessoas têm posições melhores que outras”. A outra lição é que isso deve realçar a tolerância política, pois muitas vezes as pessoas não discordarão em alguma questão importante porque “são malvadas ou amam ignorar fatos”, mas porque sua crença é naturalmente consoante com sua personalidade, mesmo que errada, conclui Huemer.

O estudo de Ahlskog e colaboradores está longe de ser o primeiro a produzir resultados disruptivos para o entendimento da sociedade. Em 2018, James J. Lee, do Departamento de Psicologia da Universidade de Minnesota em Twin Cities, EUA, junto a dezenas de colaboradores, publicou na revista Nature Genetics um grande estudo envolvendo mais de um milhão de participantes que também foi capaz de prever ao nível individual a propensão a atingir determinado nível educacional, o que tem a ver com a inteligência e capacidades cognitivas.

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