À esquerda está o time norte-americano, com média de altura de 1,86. Do outro está o time de El Salvador, com altura média de 1,72| Foto: Reprodução

Dois times estão enfileirados na saída do vestiário para disputar uma partida válida pela primeira rodada do Campeonato das Américas Sub 16 de basquete, realizado no Chile. À esquerda está o time norte-americano, com média de altura de 1,86. Do outro está o time de El Salvador, pela primeira vez disputando um torneio deste porte – e com altura média de 1,72.

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A diferença gritante de altura, porte e até postura das jogadoras rodou o mundo na semana passada, gerando reações as mais exaltadas. Houve quem se horrorizasse diante da “injustiça” da disputa, houve quem falasse de uma batalha entre Davi e Golias e houve quem visse na imagem um símbolo tanto da desigualdade debilitante quanto da superioridade do liberalismo econômico norte-americano sobre qualquer alternativa estatista-assistencialista.

Houve ainda quem percebesse na fotografia uma oportunidade de disseminar uma mensagem motivacional: “Se você acha que está tendo um dia difícil no trabalho, imagine as meninas da seleção de basquete de El Salvador”, escreveram vários tuiteiros em vários idiomas.

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Alheias às discussões e possíveis zombarias, as meninas entraram em quadra e o resultado foi o esperado: Estados Unidos 114; El Salvador 19.

Profissionalismo x orgulho ferido

Depois da partida, o que se viu por parte das atletas norte-americanas foi profissionalismo. Em entrevista ao site da Federação Norte-americana de Basquete, o técnico e as jogadoras deram entrevistas nas quais analisavam seu desempenho em quadra. “Temos um time que não é nada egoísta”, disse o técnico Mark Campbell. “No segundo tempo tivemos 14 assistências para 17 cestas, e perdemos a posse de bola em apenas cinco ocasiões”, disse, como se comentasse um jogo da WNBA.

Londynn Jones, a cestinha do jogo, com 21 pontos, exaltou o trabalho em equipe. “Não fosse pelas minhas companheiras, eu não teria tantas oportunidades de marcar, então agradeço a elas por me passarem a bola. É tudo trabalho em equipe e eu me diverti nesta noite”, disse.

Nenhuma das jogadoras norte-americanas mencionou a diferença gritante em relação às salvadorenhas, cuja jogadora mais alta, Silvia Veja, tem 1,84m. O placar dilatado foi motivo de um debate muito tímido na imprensa americana, que se perguntava o que seria mais desrespeitoso, mais humilhante para um adversário visivelmente inferior: vencer por cem pontos de diferença ou errar arremessos de propósito?

As salvadorenhas, por outro lado, não deram declarações sobre a derrota acachapante. Coube ao presidente da Federação Salvadorenha de Basquete, Yamil Bukele, se manifestar por meio do Twitter, dizendo que se tratava de uma verdadeira batalha entre Davi e Golias e que o placar elástico podia ser explicado pelas diferenças físicas, sociais, econômicas e esportivas entre os dois países.

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O jornalista esportivo César Najarro, do site elsalvador.com, ignorou tais diferenças e culpou a logística pela derrota do time de seu país. “Vale lembrar que o grupo fez três conexões de avião e viajou duas horas de ônibus, numa viagem de quase 24 horas, antes de enfrentar o Chile e, treze horas mais tarde, enfrentar os Estados Unidos, potência mundial”. O mesmo periódico aproveitou a derrota para exigir do governo salvadorenho e do Indes (Instituto Nacional do Esportes de El Salvador) mais condições para que, no futuro, os times possam se enfrentar de igual para igual.

Diferenças em quadra

Para além das diferenças óbvias de tamanho e população, Estados Unidos e El Salvador têm indicadores que talvez expliquem tamanha diferença na quadra de basquete. A começar pelo salário mensal médio, de US$3.258,85 nos Estados Unidos e de apenas US$365 em El Salvador.

Dinheiro, contudo, não explica absolutamente tudo. Então convém ver os índices de criminalidade nos dois países, até porque as mortes violentas impedem que futuros atletas sejam formados. A taxa de homicídios em El Salvador é de 71/100 mil habitantes; nos Estados Unidos, 5/100 mil. Para se ter uma ideia do que isso significa, a taxa de homicídios no Brasil é menos da metade da de El Salvador (30,5/100 mil habitantes).

Além disso, em El Salvador as mulheres têm filhos mais cedo (com apenas 20,8 anos, em média), os adultos estudam em média 5,2 anos apenas (contra 12 anos nos Estados Unidos), a taxa de analfabetismo é de 10,8% e a desnutrição afeta 12,4% da população.

Enquanto nos Estados Unidos praticamente toda escola de ensino fundamental e médio tem ao menos uma quadra de basquete e uma equipe razoavelmente bem equipada, com treinos regulares e toda uma rede de campeonatos regionais, em El Salvador as instalações esportivas são precárias e se concentram na capital, San Salvador.

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Além disso, o pequeno país da América Central foi assolado, recentemente, por uma guerra civil que durou 13 anos, pelo furacão Mitch que, em 1998, devastou o país, e por uma série de terremotos que em 2001 deixaram mais de dois mil mortos e causando danos graves à já precária infraestrutura de El Salvador.

Atualmente, os salvadorenhos compõem a nacionalidade que, proporcionalmente, mais migra ilegalmente para os Estados Unidos, fugindo da violência e da pobreza. Só em 2017, 50 mil salvadorenhos pediram asilo nos Estados Unidos.