Glenn Greenwald recebeu apoio de colegas americanos. Mas, no Brasil, Constituição deixa claro que não se pode violar direitos alheios em nome da notícia.| Foto: Agência Brasil/Fernando Frazão
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A denúncia envolvendo o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, levanta uma série de questões jurídicas e nos leva a uma reflexão. Uma delas é se um direito conferido a jornalistas, no caso o que garante o sigilo da fonte, se sobrepõe a outros direitos também conferidos pela Constituição, que classifica como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

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No caso de Glenn, ele divulgou conversas privadas de autoridades do alto escalão dos Três Poderes, além de membros da Lava Jato. Ou seja, o jornalista teve acesso ao material proveniente interceptação ilegal. Não coube a ele apenas a seleção deste material.

No Brasil, não há direito absoluto. Nem mesmo o direito à vida goza dessa prerrogativa. Há pena de morte no Brasil? De pronto, há quem seja enfático ao responder que não. Mas não é bem assim. A própria Constituição prevê a pena de morte em caso de guerra declarada, por exemplo. De fato, não há direito absoluto, assim como o sigilo da fonte, tanto defendido por jornalistas para o exercício profissional, previsto no texto constitucional.

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Tanto é que Glenn Greenwald, após ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por associação criminosa e interceptação telefônica sem autorização judicial, usou o sigilo da fonte como argumento para rebater seu suposto envolvimento no vazamento de mensagens de autoridades, entre elas membros da força-tarefa Lava Jato, como o ex-juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol.

No entanto, vale lembrar que, embora o sigilo da fonte seja um direito constitucional, ele não é (e nem deve ser) considerado, de pronto, superior a outros direitos. A previsão do sigilo da fonte é de 1967, quando entrou em vigor a Lei 5.250/67, também conhecida como a Lei de Imprensa. Ela só passou a figurar na Constituição no texto promulgado em 1988.

Vale lembrar que o sigilo da fonte está previsto no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição – justamente no mesmo artigo em que constam os direitos fundamentais. O fato é que, assim como o sigilo da fonte, o direito à intimidade – violados durante a invasão hacker – também estão previstos na Constituição. O legislador, inclusive, os inseriu nos direitos fundamentais, assim como o sigilo. Em caso de equivalência de direitos, a hermenêutica (isto é, a interpretação da lei) será utilizada a partir da análise do caso concreto e definirá qual direito deve “preponderar”.

Não há, portanto, como justificar a utilização de um direito constitucional para ferir outro de igual importância. O ordenamento jurídico prevê a liberdade de expressão concomitantemente ao direito à honra. Esta é, por assim dizer, uma das formas para se preservar valores de igual importância na Constituição e inerentes ao Estado Democrático de Direito.

É evidente que as liberdades de imprensa e de expressão devem ser exaltadas e protegidas com afinco por todos, principalmente pelos tribunais no Brasil. Não há mais espaço para a censura da imprensa, como já ocorreu em meio à ditadura militar. No Brasil, os tribunais adotam a responsabilidade civil para – se for o caso – condenar o veículo de imprensa a pagar indenização e responsabilizar o jornalista por informações caluniosas, difamatórias e injuriosas. Mas isso só após a publicação do material, sem que haja censura prévia.

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No entanto, há que se ponderar o fato de o sigilo da fonte – uma garantia da Constituição - ter sido evocado para justificar a revelação de informações obtidas por meio da prática de um crime. Invadir celular para captar mensagens é um ato ilícito.

Colisão entre direitos fundamentais

A solução diante das colisões entre os direitos fundamentais, como o sigilo da fonte e o direito à intimidade, é examinada sob a ótica de uma proporcionalidade. São critérios estabelecidos para dar peso a cada subitem, como adequação, necessidade e proporcionalidade. O juiz vai utilizar esse entendimento para ponderar, a partir de um caso específico, qual direito fundamental deve prevalecer.

E, ao que tudo indica, o caso envolvendo Glenn Greenwald merece – no mínimo – uma análise do juízo de ponderação: até que ponto se resguardar do sigilo da fonte no jornalismo deve ser considerado proporcional frente a outros direitos. Será que é algo absoluto frente a outros direitos?

E se o jornalista utilizasse o sigilo da fonte para esconder a identidade do autor de um crime de grande repercussão, como uma chacina, por exemplo. Mais do que isso. E se diante de uma informação resguardada pelo sigilo da fonte o jornalista viesse a obter a identidade de um grupo terrorista que arquitetou um ataque que pode causar centenas de mortes. Que tipo de direito deve prevalecer?

A denúncia contra Glenn também gerou grande repercussão na imprensa estrangeira. Até mesmo jornais que não apoiam Glenn saíram em defesa do jornalista, como o National Review. O sigilo da fonte nos Estados Unidos é defendido até as últimas consequências por jornalistas. Mas nem lá esse direito é absoluto.

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Prova disso é o filme “Faces da Verdade”, baseado em um caso real ocorrido em 2005. A narrativa mostra uma jornalista que usou o sigilo da fonte para fazer uma reportagem a fim de ganhar o Prêmio Pulitzer – o maior no jornalismo. A reportagem envolvia a segurança nacional dos Estados Unidos e a jornalista usava fontes de dentro da Agência Americana de Inteligência (CIA) e do gabinete do vice-presidente. No filme, contudo, a jornalista acaba presa porque uma de suas fontes era uma criança e porque a reportagem foi escrita apenas com o objetivo de concorrer ao prestigiado prêmio. Ela acaba libertada depois de passar dias na prisão, perde a guarda do filho e se separa do marido.

Para o Ministério Público, Glenn “auxiliou, orientou e incentivou” a prática da invasão hacker e, portanto, não teve “apenas” acesso às informações sob o sigilo da fonte. No Código Penal brasileiro “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]