Se depender do otimismo de João Cravinho, embaixador da União Europeia (EU) no Brasil, o acordo de livre comércio do bloco com o Mercosul deve sair até junho, antes do frenesi final da campanha para as eleições presidenciais de outubro no Brasil. Uma vitória depois de 19 anos de negociações e de obstáculos postos ora pelos mercados ora pelas autoridades, tanto na Europa quanto nos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
Editorial: O Mercosul e o comércio exterior: melhor esperar para ver
Contra o enlace, persistem ainda duas ou três barreiras, admite o diplomata. Ele não citou quais, mas uma delas, segundo fontes que participam das negociações, é a resistência dos europeus em competir com a carne sul-americana – disputa-se uma cota sem tarifas alfandegárias entre 70 mil e 100 mil toneladas. O etanol também seria um item ainda sem consenso. Também, do lado brasileiro, empresários pouco acostumados com a concorrência temem a entrada de produtos de melhor qualidade a preço acessível.
A política protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por outro lado, fechando portas para a Europa, um parceiro de décadas, seria outro catalisador da união do bloco com o Mercosul. Para Cravinho, enquanto os EUA passam por um momento de “ponto de interrogação interno”, a UE abre outros caminhos. E são opções de alternativa a uma “lei da selva”, para criar uma “globalização regrada”, na qual os Estados intervêm quando o bem-estar das pessoas corre risco com os excessos das grandes empresas. Um grande sonho que Cravinho acredita ser possível.
O cenário internacional atual, finalmente, é propício para firmar o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia?
Sim. Depois de 19 anos, em que as negociações estiveram suspensas várias vezes, estamos no trâmite final. Sabemos que não basta estar próximo, não há acordo sem ter acordo, mas sem dúvida estamos perante uma conjuntura muito favorável, uma oportunidade única e acreditamos poder firmar o acordo nos próximos meses, em junho. As mudanças mundiais são significativas e agora temos um impulso geoestratégico mais significativo.
A união com o Mercosul afetará de alguma forma as relações da UE com os EUA?
Os Estados Unidos é há décadas o aliado de maior importância para a União Europeia, principalmente desde que o bloco foi criado. O país simplesmente está agora passando por uma fase de interrogação interna daquilo que quer para a sua política externa e isso afeta o resto do mundo.
Portanto, estamos seguindo com preocupação alguns movimentos. Mas nesse acordo com o Mercosul, a posição dos Estados Unidos não interfere muito.
Como a Europa avalia a postura protecionista de Trump?
Os EUA adotaram uma postura mais fechada, mais protecionista, agora com o Trump. Eu acho que até pode servir como estímulo no sentido de mostrar que há vantagens na globalização. Eles vão ficar mais fracos, eles ainda não sabem, mas vão ficar mais fracos. Alguns americanos percebem isso, os que têm mais capacidade de fazer raciocínios sobre essas questões internacionais. Tem uma parte do eleitorado que não entende, que vê tudo de uma forma muito simples, que basta fechar as portas e eles serão muito prósperos, mas é evidente que isso não tem a mínima relação com a realidade. De qualquer forma, isso é um problema americano.
Nesse cenário, penso eu, há grande vantagem em dar vida a redes de relacionamento internacionais que sustentarão, mesmo sem participação dos EUA, uma globalização regrada, que é isso que nós queremos. E então por isso, nos últimos anos, desenvolvemos uma série de acordos muito importantes: acordo de livre comércio com o Canadá, o acordo com o Japão, dois acordos significativos; além disso, o acordo com vários países do Sudeste Asiático e, agora, estamos finalizando este, o acordo com o Mercosul, que será importante se pudermos levá-lo a bom porto.
O que o senhor quer dizer com globalização regrada?
O resultado desse movimento para outros países é que a União Europeia se coloca no centro de uma rede global de relacionamentos, de um comércio regrado.
Isso é muito importante: ao longo dos anos fomos aprendendo algo sobre a globalização. Algumas aprendizagens que colocaram um ponto final àquela ideia ingênua de que a globalização iria ser maravilhosa. O que nós aprendemos com a globalização é que ela pode trazer de fato inúmeras vantagens desde que ela seja domesticada, desde que as forças da globalização sejam canalizadas de modo apropriado, e isso exige um papel para o Estado, para as decisões de governos, e não um caminho inteiramente aberto simplesmente pelas forças econômicas. As forças econômicas não vão pensar em termos de bem-estar da sociedade, vão pensar em termos do lucro, é para isso que foram inventadas.
Então, a criação de redes que sustentam a globalização de forma regrada é para nós o grande objetivo e o acordo União Europeia-Mercosul faz parte disso.
O não envolvimento, a decisão norte-americana de se retrair em relação a esse processo é uma decisão que só nos pode encorajar a encontrar outras soluções, porque a alternativa é a lei da selva, e isso nós não queremos.
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Por que firmar logo o acordo é importante?
Tem de ser este ano. Quanto mais próximas as eleições no Brasil pior, porque, para qualquer democracia é difícil tomar decisões importantes próximo de momentos eleitorais. Depois, se não houver acordo antes de outubro, também não haverá antes de janeiro, porque, entretanto, será necessário esperar o novo presidente.
Depois, em 2019, entra o novo presidente, que precisará de um tempo para analisar os papéis do acordo, o que nos remete para março ou abril de 2019. Nesse período, a União Europeia tem eleições em final de maio de 2019, a Argentina também entra em processo eleitoral. Ou seja, este que é o momento decisivo. Estamos suficientemente próximos.
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