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Governo americano promove reuniões a portas fechadas com plataformas privadas, para, por meio de pressão, “tentar moldar o discurso online”
Governo americano promove reuniões a portas fechadas com plataformas privadas, para, por meio de pressão, “tentar moldar o discurso online”| Foto: Bigstock

Embora o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS, na sigla em inglês) tenha desistido de seu mundialmente ridicularizado Conselho de Governança da Desinformação, que teria o papel de arbitrar o que é verdadeiro e o que é falso na internet, documentos internos mostram um esforço crescente da agência na censura de informação em redes sociais. Uma investigação do The Intercept internacional, publicada nesta semana, mostra que o governo americano promove reuniões a portas fechadas com plataformas privadas, para, por meio de pressão, “tentar moldar o discurso online”. As pautas dos encontros vão desde o escopo da intervenção governamental no que é dito na internet até formas de simplificar os pedidos de remoção de informações supostamente falsas.

A fonte das informações são atas de reunião e outros registros anexados a uma ação movida pelo procurador-geral do Missouri, o republicano Eric Schmitt, que concorre ao Senado. Uma ata de março mostra que, durante uma reunião com a participação de executivos seniores do Twitter e do JPMorgan Chase, uma funcionária do FBI chamada Laura Dehmlow “afirmou que precisamos de uma infraestrutura de mídia que seja responsabilizada; precisamos educar cedo a população; e que o pensamento crítico parece ser um problema atualmente".

Chefe da Força-Tarefa de Influência Estrangeira (FITF, na sigla em inglês) do FBI, estabelecida em 2016, com foco na ameaça de influência russa nas eleições presidenciais, ela explicou que “o escritório estabeleceu o rótulo de Informações Malignas Estrangeiras, que são dados subversivos utilizados para criar uma barreira entre a população e o governo”. Documentos obtidos pelo The Intercept - o que inclui relatórios públicos e dados de funcionários atuais do órgão - revelam uma “evolução de medidas mais ativas do DHS” no sentido de “combater a desinformação” nas eleições de 2020 e em discussões sobre a política de vacinas contra a Covid-19.

Outro documento aponta a existência de um “sistema de solicitação de conteúdo” no Facebook, em que é possível, por meio de login e senha do governo, requisitar a supressão de postagens na rede social. A Meta, detentora do Facebook, e o FBI não se posicionaram sobre o assunto. Já o Twitter se posicionou por meio de porta-voz, alegando que não age de forma coordenada “com outras entidades ao tomar decisões de moderação de conteúdo e avaliamos independentemente o conteúdo de acordo com as regras do Twitter”.

Criado originalmente para combater o terrorismo, após os ataques de 11 de setembro, o DHS demonstra estar concentrando esforço expansivo no monitoramento de mídias sociais. De acordo com o site do órgão, que conta com 250 mil profissionais, “a segurança cibernética é uma das principais prioridades da administração Biden e do DHS, sob a liderança do secretário [de Segurança Interna Alejandro] Mayorkas”. O orçamento destinado a essa finalidade cresceu em 2021, “resultando em pelo menos US$ 25 milhões gastos em resiliência de segurança cibernética em todo o país”. Segundo um documento de 12 prioridades do Departamento para 2022, desenvolvido por Mayorkas, o avanço na missão do órgão compreende “aumentar a segurança cibernética das redes e infraestrutura crítica de nosso país, incluindo infraestrutura eleitoral”.

Um rascunho da Revisão Quadrienal de Segurança Interna (que descreve a estratégia e as prioridades do departamento para os próximos anos), obtido pelo portal investigativo, aponta que o DHS planeja dar um direcionamento a “informações imprecisas”, em temas como as origens da pandemia da Covid-19, eficácia das vacinas, justiça racial, retirada norte-americana do Afeganistão (tema que os republicanos da Câmara prometem investigar, caso alcancem maioria nas eleições de meio de mandato) e apoio dos EUA à Ucrânia.

“O desafio é particularmente agudo em comunidades marginalizadas que muitas vezes são alvos de informações falsas ou enganosas, como informações falsas sobre procedimentos de votação direcionados a pessoas de cor”, diz o relatório. A subjetividade do conceito de desinformação (informações falsas espalhadas involuntariamente ou intencionalmente, além de notícias compartilhadas fora de contexto, com intenção prejudicial, de modo a supostamente ameaçar os interesses dos EUA) é uma brecha para que o Departamento use o argumento de discurso perigoso de forma politicamente motivada.

“Sugestão” de remoção de conteúdo 

A medida que a ação do DHS afeta os feeds dos americanos nas redes sociais do dia a dia não está clara. Nas eleições de 2020, por exemplo, o governo sinalizou como “suspeitos” vários posts que foram tirados do ar, segundo o processo do procurador-geral do Missouri. Uma pesquisa da Universidade de Stanford, “em consulta com a CISA” [a Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura dos EUA], afirma que as plataformas de tecnologia agiram em 35% dos 4,8 mil itens sinalizados, removendo, bloqueando ou colocando uma tela de alerta sobre o conteúdo.

Em agosto de 2020, o portal de notícias NBC News informou que empresas de tecnologia como Google, Twitter, Facebook, Reddit, Microsoft, Verizon Media, Pinterest, LinkedIn e a Wikimedia Foundation, que opera a Wikipedia, já se reuniam mensalmente com FBI, CISA e outros representantes do governo, “para discutir como lidar com desinformação durante as convenções políticas deste mês e os resultados das eleições neste outono”.

“As reuniões são projetadas para preencher uma lacuna no compartilhamento de informações depois que empresas de tecnologia como o Facebook disseram que foram pegas de surpresa por ameaças de segurança e pela falta de informações vindas de autoridades federais em 2016. As reuniões regulares começaram em 2018 e as empresas dizem que são necessárias para proteger a integridade das eleições deste ano”, afirmava a reportagem.

E-mails entre funcionários do DHS e do Twitter mostram que a CISA faz uma espécie de meio de campo entre funcionários eleitorais estaduais - que identificam possíveis  desinformações - e as plataformas de mídia social, solicitando a remoção de conteúdos. Segundo a Agência, “uma vez que a CISA notificou uma plataforma de desinformação de mídia social, a plataforma de mídia social poderia decidir independentemente se remover ou modificar a postagem”. Os documentos expostos pelo processo do Missouri, no entanto, mostram que o objetivo da CISA é que as empresas de mídias sociais se tornem cada vez mais responsivas às suas sugestões.

Funcionários do FBI ouvidos pelo The Intercept, sob condição de anonimato, contaram terem sido transferidos de seus trabalhos de combate aos serviços de inteligência estrangeiros ou de divisões internacionais antiterrorismo para monitorar redes sociais americanas. O objetivo dos agentes, ao entrar disfarçados em salas de bate-papo, fóruns e blogs, é identificar “indivíduos antigovernamentais, como extremistas violentos com motivação racial, cidadãos soberanos, milícias e anarquistas”.

Críticos argumentam que a prática pode configurar uma violação da Lei de Privacidade de 1974, promulgada após o escândalo de Watergate, restringindo a coleta de dados governamentais dos cidadãos que exercem seus direitos da Primeira Emenda (uma garantia da liberdade de expressão no país).

Segundo o The Intercept, contas sinalizadas como perigosas e propagadoras de desinformação pelo governo são, muitas vezes, paródias ou inexpressivas, sem seguidores e influência. Durante as eleições de 2020, por exemplo, o DHS enviou um e-mail a um funcionário do Twitter, com “uma potencial ameaça à infraestrutura crítica dos EUA, citando alertas do FBI”. A conta que “poderia colocar em risco a integridade do sistema eleitoral” tinha 56 seguidores e uma bio dizendo “mande-nos a localização da sua loja de maconha (vadias fiquem bravas, mas esta conta é uma sátira)”.

Laptop de Hunter Biden 

Apesar desses casos sem expressão, a influência do governo foi crucial para que plataformas como Twitter e Facebook removessem ou limitasse o acesso a links para a reportagem do jornal New York Post sobre o conteúdo do laptop de Hunter Biden em semanas-chave antes da eleição presidencial em 2020.

Grande parte do público foi levada a ignorar a reportagem ou a classificá-la como fake news, depois que funcionários da inteligência norte-americana rotularam a história como “campanha de desinformação russa”. O silenciamento nas redes sociais continuou mesmo depois de os jornais Washington Post e New York Times confirmarem a autenticidade de alguns e-mails, muitos deles citados na reportagem original de outubro de 2020, com indícios de lavagem de dinheiro, crimes relacionados a impostos e registro de lobby estrangeiro pelo filho de Joe Biden.

Participando de um podcast em agosto, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, contou que o Facebook limitou o compartilhamento da reportagem do New York Post depois de uma conversa com o FBI. “O pano de fundo aqui é que o FBI veio até nós – algumas pessoas da nossa equipe – e disse: 'Ei, só para você saber, você deveria estar em alerta máximo de que havia muita propaganda russa nas eleições de 2016'”, revelou no programa de Joe Rogan.

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