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A decisão de invadir a Ucrânia gerou um custo financeiro pesado à Rússia — além da morte de pelo menos 42 mil combatentes russos.
Segundo o jornal britânico Financial Times, o orçamento russo para a Defesa em 2024 é de US$ 108 bilhões — mais de R$ 500 bilhões. O valor é cerca de 70% maior do que o orçamento de 2023, que já havia recebido um aumento substancial em relação ao ano anterior.
Para piorar, as sanções impostas pela União Europeia bloquearam o acesso da Rússia ao seu principal mercado exportador. Desde fevereiro, os membros do bloco europeu pararam de comprar combustíveis de origem russa.
Mas, no que depender do Brasil, o regime de Vladimir Putin não vai ficar desamparado. Durante o governo Lula, a Rússia se tornou o principal exportador de diesel para o Brasil. O impacto financeiro dessa aproximação é colossal.
Salto repentino
Em 2023, os combustíveis foram o principal item importado pelo Brasil. E a Rússia foi a principal origem desse produto.
Em 2022, o Brasil importou US$ 1,1 bilhão em combustíveis da Rússia. Em 2023, foram US$ 5,3 bilhões. O fluxo do diesel, em especial, se multiplicou subitamente.
Em 2022, a Rússia enviou 101 mil toneladas líquidas de diesel ao Brasil, e recebeu em troca US$ 95,1 milhões. Já no ano passado, o Brasil importou 6,1 milhões de toneladas de diesel da Rússia, ao preço de US$ 4,5 bilhões. O aumento no volume foi de aproximadamente 6.000% (ou cerca de 4.600% no valor em dólar).
Em dezembro 2023, a Rússia foi responsável por quase 87% do diesel importado pelo Brasil. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Segundo um relatório da consultoria LSEG, citado pela agência de notícias Reuters, o Brasil se tornou o principal destino do diesel russo. O mercado brasileiro está muito acima de outros países que entraram na rota do comércio russo depois do embargo da União Europeia, como a Turquia e a Líbia.
No saldo geral, o volume de importações vindas da Rússia aumentou 27,4% em 2023, em comparação com o ano anterior, e chegou a US$ 10 bilhões. Já as exportações caíram 31,4%, e fecharam o ano em US$ 1,3 bilhão.
O Brasil de Lula compra cada vez mais e vende cada vez menos para os russos.
Diferença de um centavo de dólar
A preferência pelo diesel russo se dá apesar da pouca diferença de preço.
Encurralada pela União Europeia e precisando desesperadamente de dólares para financiar a agressão à Ucrânia, a Rússia passou a vender diesel por um preço menor do que os principais concorrentes. No começo de 2023, a diferença era visível. Em março, por exemplo, o quilograma líquido pago pelo diesel russo estava 15 centavos mais baratos que o americano. Não mais.
Em dezembro de 2023, o Brasil comprou 1,3 milhão de toneladas líquidas da Rússia por pouco mais de US$ 1 bilhão de dólares. No mesmo mês, o Brasil importou 202 mil toneladas líquidas dos Estados Unidos por US$ 155,1 milhões de dólares. A diferença foi de menos de 1 centavo de dólar por quilograma líquido (US$ 0,76 contra US$ 0,75).
Em seu primeiro ano, o governo Lula (por meio da Petrobras) parece ter feito a opção de substituir os Estados Unidos pela Rússia como fonte preferencial de diesel. No mesmo período, o Brasil também abandonou a Índia, que é outro grande produtor e por vezes ofereceu preços mais competitivos que os Estados Unidos.
No salgo agregado, incluindo todos os itens da balança comercial, a Rússia foi o quinto país de onde o Brasil mais importou em 2023 — atrás de China, Estados Unidos, Alemanha e Argentina.
Diesel importado ganha força
Os relatórios da ANP (Agência Nacional do Petróleo) mostram também que o Brasil está importando mais diesel de forma geral.
Em novembro de 2023 (último mês com números consolidados), o volume importado de diesel aumentou 51% em relação ao mesmo mês de 2022. Em novembro do ano passado, 21,2% do diesel vendido no Brasil era importado; em outubro de 2022, era de 14,4%.
“Este é o terceiro maior volume de importações acumuladas para o período de janeiro a novembro da série história iniciada em 2000”, diz o relatório.
Se a tendência se mantiver, a Rússia passará a desempenhar um papel ainda maior importante no mercado brasileiro de combustíveis.
Guerra também mudou prioridades dos EUA
As sanções da União Europeia contra a Rússia também modificaram o foco dos Estados Unidos no mercado internacional de combustíveis: os americanos passaram a fornecer mais diesel para os países europeus. Segundo a professora Natalia Fingermann, do curso de Relações Internacionais do IBMEC São Paulo, os americanos têm dado prioridade aos compradores da Europa.
"Hoje, os Estados Unidos têm que atender uma demanda que antes era atendida pela Rússia. Os Estados Unidos tomaram a decisão de mudar o seu foco de exportação. É importante atender essa demanda europeia por conta de uma aliança estratégica", explica a professora.
Natalia Fingermann também acredita que o aumento da importação do diesel russo é resultado de escolhas econômicas, mais do que geopolíticas. "Para as empresas brasileiras, o fator econômico pesa muito mais nessas decisões", diz ela.
Mas, para o analista Leonardo Coutinho, a economia é apenas parte da explicação. "Os importadores se escoravam em descontos superiores a 20% frente aos valores praticados por outros países. Um oportunismo moralmente questionável diante do fato de que o combustível russo é uma importante fonte de financiamento da guerra de agressão de Vladimir Putin contra a Ucrânia", diz ele, lembrando que o diesel russo hoje custa praticamente o mesmo do diesel americano. "Se essa tendência prosseguir, não haverá como não entender que a opção pelo combustível russo é uma opção ideológica ou até mesmo um alinhamento do Brasil com o expansionismo e a violência de Putin", afirma Coutinho, que também é colunista da Gazeta do Povo.
Com Bolsonaro, compra de fertilizantes
Apesar do salto em 2023, as importações brasileiras com origem na Rússia haviam aumentado já em 2022. Na ocasião, o presidente era Jair Bolsonaro.
Depois de uma década praticamente estável, o valor importado da Rússia mais do que dobrou entre 2020 e 2021. Entre 2021 e 2022, o crescimento foi de 37,8%. Boa parte do aumento durante o governo Bolsonaro, entretanto, tem a ver com a compra de fertilizantes.
Em 2022, poucos dias antes do início da guerra na Ucrânia, Bolsonaro se encontrou com Putin em Moscou e afirmou que a importação de fertilizantes russos era fundamental para o agronegócio brasileiro. Na época, o presidente brasileiro se defendeu das críticas de que a visita indicaria um apoio às pretensões imperialistas do ditador russo.
Em julho do mesmo ano, já com a guerra em andamento, Bolsonaro voltou a justificar sua ida a Moscou: “Resolvi a questão do fertilizante. Apanhei muito porque fui para a Rússia. Estou do lado da paz. Se eu tivesse como resolver a guerra, já teria resolvido”.
Dois anos de guerra
A guerra na Ucrânia teve início em fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram o leste ucraniano e chegaram a atacar a capital Kiev. Hoje, após uma contra-ofensiva da Ucrânia, os combates se concentram nas imediações de Donetsk e Kherson.
A Crimeia, outra região da Ucrânia, já havia sido anexada pelos russos em 2014.
Tolhida por sanções impostas pela União Europeia, a Rússia buscou outros mercados para vender o seu diesel. Foi aí que o Brasil estreitou os laços comerciais com o regime de Vladimir Putin. O volume de diesel exportado pela Rússia se tornou tão grande que, em outubro, em meio ao risco de desabastecimento, o governo russo interrompeu temporariamente o fluxo destinado a outros países.
O presidente Lula tem destoado dos líderes ocidentais e adotado uma postura de neutralidade — que, na prática, significa um apoio à agressão russa. Em março do ano passado, ele disse que a Ucrânia também é responsável pelo conflito: "A decisão da guerra foi tomada por dois países", disse ele.