O grafeno é um material quase transparente, leve, maleável, mais forte que o aço, extremamente denso e um ótimo condutor de calor e de eletricidade. Empresas e governos levam seu potencial tecnológico muito a sério. Em 2013, a União Europeia (UE) estabeleceu o programa Graphene Flagship que, com um orçamento de € 1 bilhão, é uma das maiores iniciativas de pesquisa científica do mundo, reunindo cientistas de mais de 150 instituições de 23 diferentes países.
“As pesquisas sobre o grafeno são um dos temas mais importantes na área de ciência dos materiais”, disse o pesquisador Douglas Soares Galvão, do Instituto de Física da Unicamp, que trabalha com nanotecnologia e biomateriais.
“Existem muitas patentes na área, embora as aplicações em larga escala ainda sejam incipientes. Nos próximos anos, deveremos ver crescer o número de produtos ou aplicações”, acredita.
Outras fontes ouvidas pela reportagem estimam que, quando o uso do material se popularizar, o mercado de grafeno poderá movimentar bilhões de dólares ao ano em diversas frentes, da eletrônica à tecnologia aeroespacial.
A Universidade de Manchester, no Reino Unido, onde os ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 2010, Andre K. Geim e Konstantin S. Novoselov, produziram o grafeno pela primeira vez – o artigo que descreve o feito foi publicado na Science em 2004 –, adotou para si o slogan “lar do grafeno”, e hoje pesquisa usos para o material que incluem filtragem de água, tintas anticorrosão, sensores biomédicos e uma nova geração de transistores. “O grafeno é uma tecnologia disruptiva”, diz Manchester em seu website. “Algo que pode abrir novos mercados e, até, substituir tecnologias e materiais existentes”. Douglas Galvão cita a área de displays e sensores de pressão, como os usados nas telas interativas de tablets e celulares, como uma área promissora.
O grafeno é o primeiro material bidimensional – tem largura e comprimento, mas sua espessura é de apenas um átomo – já produzido: uma lâmina de grafeno é uma treliça formada por átomos de carbono ligados de forma hexagonal, todos num mesmo plano. Mas sua origem é humilde: ele vem do grafite, uma forma comum de carbono.
Não é o nióbio
O Brasil é um grande produtor de grafite, e detém uma das maiores reservas mundiais do mineral. Dados de 2013, disponibilizados pelo Departamento nacional de Produção Mineral (DPNM), informavam que a empresa Nacional de Grafite Ltda, uma companhia familiar controlada por brasileiros, respondia por 96% da produção do país. As maiores reservas nacionais encontram-se em Minas Gerais, Ceará e Bahia.
Em janeiro deste ano, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) publicou vídeo no YouTube, e também em sua página no Facebook, onde criticava a demarcação de uma área indígena no Vale do Ribeira, interior do Estado de São Paulo. Segundo ele, isso impediria a exploração do grafite presente no local para a produção de grafeno. “É uma área com muita incidência de grafite”, disse ele. “Um detalhe: esse grafite é riquíssimo em grafeno”. A expressão “grafite rico em grafeno” é redundante, já que qualquer grafite é, em essência, uma enorme pilha de folhas de grafeno.
No vídeo, Bolsonaro diz ainda que o grafite, no mercado internacional, é vendido por US$ 1,00 o quilo, enquanto que 150 gramas de grafeno valem “a bagatela de US$ 15 mil”. Esses valores são condizentes com os citados em nota do governo do Estado de Minas Gerais, emitida ano passado, que afirmava que “uma tonelada métrica de grafite é hoje comercializada por aproximadamente US$ 1.000,00 no mercado internacional. Uma tonelada métrica de grafeno é comercializada por cerca de 500 vezes esse valor, sendo que, dependendo da aplicação, o preço pode chegar a US$ 100,00 por grama”.
O nióbio vai salvar a economia do Brasil, como defende Bolsonaro? https://t.co/tPC9K2PAMn pic.twitter.com/dL8RINyOBQ
— Ideias (@ideias_gp) 28 de junho de 2017
Em março o deputado voltou ao assunto, agora na tribuna da Câmara, e disse que “lamentavelmente, uma pequena área indígena está sendo ampliada em Miracatu, São Paulo, onde há montanhas de grafeno”.
“Isso tudo é uma desinformação”, aponta o pesquisador e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcos Pimenta, que coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Nanomateriais de Carbono, uma rede nacional de pesquisadores que estudam grafeno e outros materiais avançados baseados em carbono, e também o CTNano, um centro de desenvolvimento tecnológico baseado em Belo Horizonte que pesquisa e produz nanotubos de carbono e, também, grafeno.
“Eu vi esse comentário [de Bolsonaro sobre o Vale do Ribeira]. Ele só quer aparecer na mídia, enganar as pessoas, desalojar os índios. Não existe montanha de grafeno. O grafeno é produzido a partir da esfoliação do grafite, até chegar a uma camada de espessura atômica. E o Brasil já explora suas maiores reservas de grafite, no norte de Minas Gerais e no sul da Bahia”, disse.
“Agora, que tenha um pouquinho de grafite em são Paulo, isso não tem viabilidade comercial nenhuma. Falar como se lá tivesse grafeno, uma mina de grafeno, isso não existe. Existe mina de grafite. E o Brasil já é um dos maiores produtor de grafite do mundo, e as grandes minas de grafite do Brasil já estão sendo exploradas”, declarou.
Potencial
No Brasil, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, estabeleceu, em 2013, seu centro de pesquisas em grafeno, o MackGraphe, com um orçamento inicial de US$ 20 milhões. O nobelista Andre K. Geim veio ao país em 2016 para a inauguração do edifício-sede do programa. O MackGraphe atua em parceria com Centro de Materiais Avançados 2D da Universidade Nacional de Cingapura.
Em junho do ano passado, o Estado de Minas Gerais havia anunciado um investimento de R$ 21 milhões para a instalação do que seria a primeira planta-piloto e produção de grafeno do país, mas o governo mineiro não respondeu aos questionamentos da reportagem quanto ao andamento atual do projeto. Por sua vez, o CTNano, coordenado por Marcos Pimenta, da UFMG, já captou mais de R$ 42 milhões em fontes como o BNDES e a Petrobras para suas pesquisas.
“O grafeno tem importantes propriedades mecânicas, térmicas e eletrônicas. Na parte das propriedades mecânicas, as aplicações são principalmente para desenvolver novos materiais, materiais mais resistentes do que os atuais. Usa-se o grafeno em mistura com plásticos, com cerâmicas, com colas”, disse Pimenta, exemplificando algumas aplicações já implementadas ou que se encontram num horizonte próximo.
“Mas talvez a contribuição maior do grafeno estará na eletrônica do futuro”, apontou.
“Do ponto de vista da eletrônica, as pesquisas com grafeno ainda estão na fase de laboratório, de desenvolvimento, então talvez o grafeno venha a ter um papel muito importante quando começar a ser usado em circuitos integrados, dispositivos de computadores”.
O material poderá, um dia, substituir o silício onipresente nos chips de computador e o também o óxido de índio-estanho (ITO) usado em telas e displays de televisores, computadores e celulares. Mas essa é uma perspectiva de anos ou décadas.
“O grafeno vai competir com tecnologias que já têm décadas de uso, e que hoje são mais baratas”, disse Pimenta.
“O grafeno já mostra propriedades superiores às tecnologias convencionais em laboratório, mas vai ter que conseguir aumentar a escala, e também baratear custos, para se tornar competitivo do ponto de vista comercial”.