Um comercial considerado politicamente incorreto obrigou a Pepsi a se desculpar publicamente em 2017. Na propaganda, a modelo Kendall Jenner — uma das “irmãs Kardashian” — participa de uma sessão de fotos quando percebe um protesto popular acontecendo por perto. Numa espécie de gesto libertador, ela tira a maquiagem e se junta ao grupo.
Empolgada, Kendall oferece uma lata do refrigerante a um policial que acompanha a manifestação. Ele aceita e, depois de dar um gole, é aplaudido pela multidão, que vibra com a “cumplicidade” do homem da lei.
O filmete, no entanto, não foi bem recebido por advogados de direitos civis e parte do público das redes sociais. Segundo eles, a publicidade banalizava um assunto sério: as mortes de homens e adolescentes negros desarmados durante abordagens policiais.
“Obviamente erramos o alvo e pedimos desculpas. Também lamentamos por colocar Kendall Jenner nessa posição”, afirmou a Pepsi, que em seguida retirou o comercial do ar e interrompeu a campanha em todas as outras mídias.
Três anos depois, no auge do movimento Black Lives Matter, a empresa “reconheceu a necessidade de promover ações concretas para combater o racismo sistêmico”, e anunciou um gigantesco programa de DEI (diversidade, equidade e inclusão). Chamada de Racial Equality Journey (“Jornada pela Igualdade Racial”), a iniciativa foi orçada em US$ 570 milhões (cerca de RS$ 3 bilhões, na cotação atual).
Corta para o início de 2025. Donald Trump reassumiu a presidência dos Estados Unidos e rapidamente se movimentou para cumprir uma de suas promessas de campanha: eliminar a cultura woke no país.
Depois de encerrar projetos do gênero no governo federal, Trump alertou instituições de ensino a fazerem o mesmo, sob risco de perderem verbas públicas. O presidente ainda mandou um recado ao setor privado, sugerindo que as empresas “acabassem com a discriminação e preferências ilegais de DEI”.
Como num efeito cascata, diversas companhias anunciaram a reavaliação ou extinção de suas políticas de diversidade. E até a Pepsi, que torrou mais de meio bilhão de dólares em “ações afirmativas”, acabou aderindo à pressão conservadora.
O peso dos acionistas
No final de fevereiro, o conglomerado PepsiCo (cujas marcas incluem Gatorade, Lay’s, Doritos e Mountain Dew, além do clássico refrigerante de cola) anunciou uma série de medidas anti-woke. A principal delas, segundo um memorando enviado aos funcionários pelo CEO, Ramon Laguarta, é o fim das metas de representatividade em cargos de gerência ou entre fornecedores.
Laguarta também explicou que o grupo reavaliará seus patrocínios a eventos. A partir de agora, só serão apoiados acontecimentos sociais, culturais e esportivos que contribuírem para o crescimento dos negócios.
“Vamos introduzir uma nova estratégia de inclusão para o crescimento”, disse o CEO, referindo-se a um plano de expansão da base de fornecedores, voltado para a participação de um número maior de pequenas empresas — cujo perfil não vai depender de seu alinhamento com grupos minoritários.
Mas esse recuo da PepsiCo já havia começado antes mesmo de Donald Trump crescer nas pesquisas eleitorais. Segundo analistas do mercado, no início de 2024, acionistas pressionaram a companhia após pesquisas apontarem que 45% das vendas vinham do sul dos EUA, reduto mais conservador do país.
Desde então, o site do conglomerado vem passando por sucessivas mudanças de ordem conceitual. Termos como “equidade racial” e “justiça social” foram retirados dos textos corporativos, dando lugar a expressões menos politizadas — entre elas “oportunidades iguais” e “diversidade de pensamento”.
Coca-Cola na contramão do mercado
Há quem diga que umas das principais funções do marketing é “comparar fotografias”. Um concorrente olha para a imagem do outro e trabalha para parecer diferente e único perante o público.
Ao longo de sua histórica guerra comercial, a Coca-Cola e a Pepsi sempre trilharam caminhos opostos para vender seus produtos. E agora, em meio à guerra cultural do mundo corporativo, esse antagonismo ganha novos contornos.
Na mesma semana em que a Pepsi anunciou cortes em seus programas de DEI, a Coca fez questão de sinalizar o contrário: o reforço de seu compromisso com as chamadas políticas inclusivas.
“A falha em manter uma cultura corporativa que promova inovação, colaboração e inclusão pode afetar negativamente nossas operações, nossos negócios e nosso sucesso no futuro”, afirmou a empresa, em um documento anual.
O texto ainda traz metas ousadas, como ter mulheres ocupando 50% dos cargos de liderança sênior até 2030 e assegurar que sua força de trabalho nos EUA “reflita os dados do censo nacional em todos os níveis”.
De acordo com o CEO John Murphy, a Coca-Cola está “focada em ter os melhores talentos ao redor do mundo” — e para isso se preocupa com a diversidade de seu quadro de funcionários.
Murphy, no entanto, foi cauteloso quando a imprensa o questionou sobre os decretos anti-woke da nova administração americana. “Mas é claro que seguiremos qualquer mudança nas regulamentações em nível nacional”, disse.
Vale lembrar que, em 2000, a Coca enfrentou um processo judicial inédito nos EUA, quando funcionários negros acusaram a empresa de discriminação racial em relação a salários, promoções e avaliações de desempenho. Para resolver o problema, e não arranhar ainda mais sua imagem, o grupo se comprometeu a implementar reformas em suas políticas de pessoal, no intuito de promover a igualdade.
E o principal: concordou em desembolsar US$ 192,5 milhões (cerca R$ 1 bilhão), divididos entre pagamentos diretos a colaboradores, reajustes salariais ao longo de uma década e programas de “boas práticas internas”. Foi, à época, o maior acordo em uma ação coletiva por racismo corporativo — e o início da longa era de DEI na Coca-Cola.