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Tão utilizada para definir a extensão do Brasil, a expressão do Oiapoque ao Chuí poderia hoje muito bem ser do Oiapoque ao Prata. Talvez, inclusive, alguém lá pelo Século 19 tenha dito isso para definir o Brasil. Só não continua assim por causa da Guerra da Cisplatina: uma das guerras mais esquecidas do Brasil.
A Guerra da Cisplatina foi um conflito travado entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, hoje Argentina, no território do atual Uruguai e em um pedaço do Rio Grande do Sul. O confronto foi acompanhado de perto pelas principais potências da época, como Inglaterra, França e Estados Unidos, e teve também influência de sociedades secretas, em especial as divisões da Maçonaria.
Ao final, pode-se dizer que o vencedor foi a Inglaterra, que mediou o acordo de paz que transformaria o território em um país independente, o Uruguai, por muitas vezes ironicamente chamado pela narrativa histórica de “Estado Tampão”.
Mas como foi até se chegar nisso? Bem, de 1821, quando o então Reino de Portugal, Brasil e Algarves anexou a região do atual Uruguai, chamando-a de Província Cisplatina, até 1828, efetivamente Brasil e Uruguai eram uma coisa só. Aliás, essa influência luso-brasileira ainda é marcante por aquelas bandas.
“Até hoje todos os departamentos do Uruguai veem TV brasileira”, exemplifica o mestre em História Nelson Pierroti, professor da Universidad de Montevideo e da Universidad de la Empresa, em entrevista à Gazeta do Povo.
Contudo, para entender isso melhor, precisamos voltar no tempo para ainda antes das Guerras da Independência do Brasil (1822-1824).
Antecedentes da Guerra da Cisplatina
De forma resumida (bem resumida mesmo), essa história começa com a disputa colonial entre Portugal e Espanha. Se por um lado os espanhóis sempre tiveram uma cidade portuária forte à margem direita do Rio da Prata (aquela tal Buenos Aires), os portugueses sentiam que também precisavam de uma cidade estratégica por ali pertinho, tanto para fins comerciais quanto políticos e bélicos.
Por isso, os lusitanos resolveram fincar o pé na margem esquerda, com a fundação de Colônia de Sacramento em 1680, hoje uma das cidades turísticas mais visitadas e preservadas do império colonial português.
O ponto é que isso nunca foi muito aceito pelos espanhóis, que ora cercavam e dominavam a cidade, ora a devolviam (ou melhor, eram obrigados a devolvê-la). Tanto que chegou a Espanha e resolveu criar sua própria versão portuária à esquerda do Prata, fundando Montevideo (Montevidéu) em 1724, o que incluía também o objetivo de manter os lusitanos fora do Rio da Prata.
Mesmo assim, até meados de 1800 e bolinha, mais ao Norte do Uruguai, a influência da cultura lusitana também era evidente, até pela proximidade com o Rio Grande do Sul.
Porém, a influência de Buenos Aires também era marcante, tanto pela língua quanto pelos costumes culturais herdados da Espanha. Era quase que um cabo de guerra político-cultural entre as nações ibéricas na região do atual Uruguai. “E o que passa quando te puxam de um lado e de outro, é que você trata de emoldar sua própria personalidade, uma identidade que te distingue”, afirma Pierroti.
Contudo, o chefe da divisão de Acervo e Curadoria do Museu da Independência, historiador Paulo Garcês, lembra que a maior influência linguística foi espanhola na região. É uma das razões por atualmente os uruguaios não vestirem verde-amarelo, ainda que segundo Pierroti na última Copa do Mundo os uruguaios tenham torcido pelo Brasil, depois, claro, do próprio Uruguai.
“A relação do Uruguai, ou da Cisplatina, conosco é muito pontual, que advém sobretudo do século 19. Nós nas capitanias do Sul tivemos muita conexão com o Prata por meio da Colônia de Sacramento, mas até ela não pertencia mais a Portugal por meio dos tratados do século 18. Ou seja, aquela era uma região espanhola, de língua e vínculos culturais com a Espanha”, disse Paulo Garcês à Gazeta do Povo.
Não foi à toa, portanto, que a Banda Oriental se tornou um desejo por parte das Províncias Unidas do Rio da Prata (depois Argentina), que em 1810 aproveitaram a vulnerabilidade espanhola, as guerras napoleônicas e o exemplo norte-americano para decretarem a própria independência.
Foi naquele início de século 19 também que emergiu por aquelas bandas um sujeito chamado José Gervasio Artigas, um daqueles gaúchos que nasceram falando espanhol. Montevideano de nascimento, o general Artigas foi figura fundamental na independência das Províncias e na primeira união da Banda Oriental à atual Argentina, em 1811. Foi ele também que liderou a resistência a uma breve e fracassada tentativa de D. João VI (nosso imperador até então) de contragolpear a revolução artiguista em 1811-12 no Uruguai.
Mas como tudo nessa vida tem seu tempo, em 1816, D. João VI tentou outra vez, dessa vez inclusive a pedido de Buenos Aires e da corte espanhola, que ainda viam Artigas como uma ameaça à instabilidade. Agora, a entrada lusa no Uruguai daria certo.
“Foram enviados 4.500 soldados que tinham lutado contra Napoleão. Nada se podia contra esse exército”, diz o historiador uruguaio. “De alguma maneira, a Cisplatina foi invadida pelo governo monárquico”, completa Paulo Garcês, do Museu da Independência.
À frente desse pessoal estava o comandante Carlos Federico Lecor, que seria escolhido como governador das armas da Província Cisplatina. Por lá, ele fez mil e uma promessas de como poderia melhorar a vida local, que estava com a economia em frangalhos.
“Em 1817, finalmente, entra Lecor em Montevidéu. Mas ele não é mal recebido. Ao contrário, nem sequer há resistência. Afinal, essa província já havia sido afetada pelas invasões inglesas em 1806-07. Depois, acontece a revolução de 1810, e todos os problemas entre 1811 e 1814. O campo ficou arruinado. Tinha muitos problemas de desorganização em todo o território”, completa o professor Nelson Pierroti.
Independência brasileira e a pré-Guerra da Cisplatina
Mesmo recém-consolidada a Província Cisplatina, ela seria uma das mais resistentes à independência do Brasil. Inclusive, foi a última a aceitar D. Pedro como seu imperador, que manteve Lecor como governador da província.
“Foi no seio das forças militares portuguesas que surgiu a discórdia, derivada da obrigação de optar por Lisboa ou pelo Rio de Janeiro. A tropa se dividiu: o comandante geral, Lecor, aderiu a D. Pedro. Outros ficaram com Lisboa e deu-se início a um embate que durou meses. As forças portuguesas resistiram ao cerco brasileiro em Montevidéu, marcado por combates periódicos e períodos de relativa inação”, escreveu Helio Franchini Neto, em sua tese de Doutorado da Universidade de Brasília.
“Os orientais, em sua maioria, assistiram à disputa, apesar de se posicionarem contra ou a favor, após a organização do Congresso de Montevidéu, que definiu a incorporação da Cisplatina ao Reino do Brasil”, completou Franchini Neto.
O historiador Nelson Pierroti traz uma importante visão do que aconteceu nesse congresso em 1822, que contou com a presença de personalidades e representantes de todas as partes da província:
“Eles discutiram o que poderiam fazer e foram propostas várias coisas. Alguns propuseram a independência, mas logicamente disseram: como vamos nos manter independentes? Toda a província tinha 75 mil habitantes e estava com a economia arruinada. Então as opções eram unir-se à Argentina, ao Brasil, ou até mesmo a união com a Inglaterra, como pensaram alguns. A Inglaterra tomaria a posse da terra, sendo parte do império britânico.”
Decidiu-se, pelo menos de momento, que o território continuaria brasileiro. O problema é que, quando a Cisplatina passou a fazer parte do Império do Brasil (e não mais do português), o pessoal já não estava muito contente com a gestão do ex-combatente que lutou contra Napoleão.
“De 1817 a 1824, Federico Lecor fez muitas promessas que não pôde cumprir, e a economia oriental se arruinou ainda mais porque foram tirando coisas da província. Por exemplo, Montevidéu comercializava couros com Cuba. Mas esse comércio passou para o Rio Grande, deixando Montevidéu de lado. Isso arruinou os comerciantes da cidade. Outras medidas tomadas por Lecor também não foram efetivas. Então, pouco a pouco, os mesmos que o haviam apoiado em 1817, em 1823, pensavam em sair disso”, diz o professor uruguaio.
Segundo o historiador, naquele momento, a opinião pública estava dividida. “Temos limitações para saber perfeitamente proporções e quantidades. Mas o mais seguro é que as pessoas comuns e de classe média preferiam a unificação com Argentina”, diz. Já as elites achavam mais seguro continuar do lado brasileiro.
Inclusive, conforme destaca o historiador Davi Carneiro, na obra História da Guerra Cisplatina, de 1946, “formou-se mesmo uma sociedade secreta, dos ‘Caballeros Orientales’, cujos ideais eram o combate à dominação brasileira”. Esses caras foram os primeiros, em 1823, a tentar “dar o golpe”. Era uma nova divisão da Maçonaria constituída em Montevidéu.
Ainda que naquele ano o movimento tenha fracassado, ele serviria de base para os primeiros grandes conflitos em 1825, quando entram em jogo os 33 Orientales (33 Orientais, em bom português).
O dia em que os 33 Orientales começaram a Guerra da Cisplatina
Grande parte dessa turma dos Caballeros Orientales se refugiou em lado argentino, mas não tiveram muito apoio de Buenos Aires. “O governo de Entre Rios, porém, foi mais liberal nos seus estímulos materiais aos conspiradores que preparavam um desembarque em território uruguaio para daí realizarem o levante da campanha, levante que se devia generalizar tomando conta do país”, escreveu Davi Carneiro.
Foi justamente essa província, segundo o historiador, que forneceu armas e munições aos cavaleiros que embarcariam e ficariam conhecidos como os 33 Orientales: uruguaios que partiram da margem ocidental até desembarcar no Arsenal Grande ou Praia da Agraciada, em 19 de abril de 1825, com uma mítica bandeira tricolor escrito “Libertad o Muerte”. O comando da tropa dos 33 foi liderado pelo “camarada” Juan Antônio Lavalleja, que havia combatido ao lado de Artigas desde 1811.
Mas os hermanos achavam realmente que 33 caras bateriam alguma tropa? O professor Nelson tem uma boa explicação para justificar esse número cabalístico, ou melhor, maçônico:
“Existiu uma influência importante das sociedades secretas maçônicas. O 33 é o número de graus da maçonaria. Imagine só 33 caras lutando contra um exército, é impossível. Eram 33 e o que bateu a foto. Somando, eram 34”, brinca.
O fato é que muita gente se uniu aos 33 (ou seja qual for o número), especialmente pela ruína social e econômica local. E no meio de toda essa gente também estava a maçonaria inglesa observando de perto aquelas ações. Mais para frente neste texto, você entenderá porque essa visão inglesa faz sentido. Por hora, você precisa focar em outro nome: Frutuoso Rivera.
O vira-casacas e a declaração de independência, ou melhor, de união
Quando a tropa uruguaia já tinha pelo menos 200 homens, Lecor achou que deveria enfrentá-los. Mandou para lá o brigadeiro Frutuoso Rivera, uruguaio de Peñarol que parecia estar ao lado do Brasil. Apenas parecia.
Rivera era um homem ardiloso. Quando os portugueses combateram Artigas, o militar lutou contra os lusitanos. Mas de alguma forma convenceu os portugueses que seria útil, conquistando Lecor por se posicionar favoravelmente aos interesses brasileiros. Ao ser enviado com sua tropa de 70 homens ao encontro de Lavalleja, porém, fingiu ter sido capturado e se juntou a eles para tomar mate. Seria o 34º dos Orientales (ou 35º, se contarmos quem ‘bateu a foto’).
Pouco depois, segundo contou o historiador uruguaio Vitor Arreguine, em 1892, um general brasileiro (o Coronel Borba) teria ido ao encontro de Rivera, ainda sem saber da deserção. Tomando mate com um amigo, Rivera o recebeu e ouviu do brasileiro que este estava com vontade de “sair na mão” com o “patife do Lavalleja”. Ele teria deixado Borba falar mais até que, depois de um tempo, respondeu, como consta no livro de Davi Carneiro:
"Perdoe-me a inadvertência por não lhe ter ainda apresentado o meu compadre, (frase acompanhada da indicação mímica da pessoa que estava com êle) - o patife do Lavalleja! - e rebentou em ruidosa gargalhada.”
Claro, Borba foi preso ali mesmo. E a tropa que o acompanhava foi direcionada a uma emboscada, uma das primeiras vitórias dos uruguaios na Guerra da Cisplatina.
Aquela não seria a última jogada mitológica de Rivera. Anos depois, graças a sua lábia política, ele foi o primeiro presidente constitucional do Uruguai, derrotando ainda seu amigo de mate Lavalleja em uma guerra civil. Mas o que importa aqui é que o vira-casacas foi um dos responsáveis pela criação de um governo provisório na Vila de Florida, em 14 de junho.
Davi Carneiro cita fontes de que Lavalleja ali se tornara chefe do exército, com mil homens acampados na barra de Santa Luzia Chica, e o vira-casacas Rivera com força igual em Durazno. Tinham ainda 300 outros observando Montevidéu, comandados pelo caudilho Manuel Oribe.
Era gente suficiente para o grito próprio de [quase] independência. Se declararam independentes de Portugal e do Brasil, mas unidos às Províncias do Rio da Prata.
A reação da Argentina e a declaração de guerra
Não foi bem de imediato que a Argentina (ou Províncias Unidas do Rio da Prata) aceitaram aquilo. Antes, os uruguaios ainda teriam que vencer batalhas-chave contra experientes militares brasileiros.
“Essa declaração visava comover Buenos Aires; mas o govêrno argentino temia a guerra com o Brasil e só veio a decidir-se pela aceitação da ‘declaratória de Florida’ depois dos nossos desastres em Rincón e Sarandi”, escreveu Carneiro.
Essas foram basicamente batalhas em que os brasileiros subestimaram os adversários, em especial em Sarandi, onde as perdas brasileiras podem ter superado 500 pessoas, comparando fontes da época.
Assim, o interior da Cisplatina estava praticamente entregue aos revolucionários, restando aos brasileiros os controles de Colônia do Sacramento, Montevidéu e as fortalezas de Santa Teresa. Não era pouca coisa, claro, mas foi o suficiente para os argentinos se assanharem.
Em 13 maio de 25, os argentinos criam um “exército de observação” com oito mil homens. Até que no dia 25 de outubro enviam ao Brasil uma declaração de incorporação da Província Oriental (Cisplatina), pedindo a evacuação brasileira dos pontos militares que ainda ocupavam. O governo imperial respondeu com uma declaração de guerra, em 10 de dezembro de 1825.
Início da rivalidade Brasil-Argentina?
A partir de 1826, uma coisa ficava clara. Ainda que o Brasil tivesse um exército compatível ao de algumas nações europeias, ele tinha que manter sua atenção em outras rebeliões espalhadas pelo Império. Afinal, pouco tempo antes estourou no Nordeste a Confederação do Equador (1824-1825), liderada por Pernambuco e que quase dividiu o Brasil. A Cisplatina, portanto, não receberia tantos reforços quanto Lecor gostaria.
“O Exército era aristocrático, de configuração semelhante à dos recentes Estados nacionais europeus: nobreza no oficialato e camponeses ou mercenários como soldados”, escreveu o historiador Marcos Vinícios Luft em tese de Doutorado apresentado em 2013 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul: "Essa guerra desgraçada": recrutamento militar para a Guerra da Cisplatina (1825-1825).
Isso tudo levou Dom Pedro I, ainda em maio de 1825, a fazer uma proclamação aos brasileiros para combaterem na província do Rio Grande São Pedro (Rio Grande do Sul), local para onde o conflito com os "33 Orientales" vinha se estendendo. E foi justamente aquela província que mais sofreu impactos do recrutamento para a luta, segundo o estudo de Vinícios Luft. Contudo, houve, sim, a chegada de regimentos de outras partes do Império, como São Paulo, Curitiba e Santa Catarina.
Ao que parece, não foi o suficiente, pois, coincidência ou não, o resultado foram diversas batalhas perdidas para os argentinos em terra. Por outro lado, a Marinha brasileira tinha uma esquadra de respeito para os padrões sul-americanos e adotou a estratégia: bloquear o Prata, evitando a saída e a chegada de navios a Buenos Aires, para assim estrangular a economia argentina.
O bloqueio começou já no dia 21 de dezembro de 1825. A primeira batalha naval aconteceu em Punta Corales, próxima a Buenos Aires, com vitória do Império. Por outro lado, a turma de Rivera também fazia seus saques, prejudicando produtores e comerciantes. Em maio de 1826, por exemplo, ele atacou tropas brasileiras na barra do Rio Arapey (atual norte do Uruguai, perto do RS) e roubou cerca de 20 mil cabeças de gado, segundo o estudo de Luft.
Ou seja, se as coisas não iam bem em solo, pelo mar (ainda que a Marinha tivesse algumas perdas navais) a estratégia funcionava. Um time ganhava na terra (argentinos) e outro na água (brasileiros).
Provavelmente a maior batalha foi a do Ituzaingó, conhecida por aqui como Batalha do Passo do Rosário, em 20 de fevereiro de 1827, no Rio Grande do Sul. Segundo informações atualmente publicadas pelo Exército Brasileiro, foi uma batalha de oito horas (mas pode ter durado mais tempo) entre mais de 5 mil brasileiros e 8 mil platinos. Após movimentações de tropas em vários lados, a estimativa do Barão de Rio Branco foi de 200 mortos e 150 feridos ou prisioneiros do Império contra cerca de 150 mortos e 250 feridos do “lado de lá”.
Ainda que a vitória tenha sido argentina, o general Carlos María Alvear (um dos líderes das tropas) retornou do Passo do Rosário para o município de São Gabriel, que havia sido ocupado e depois ocupou Bagé. Mas essa campanha argentina por terras gaúchas foi desgastante, até que, em junho daquele ano, Alvear escreveu aos seus superiores sobre o estado lastimável das tropas e um pedido de retirada.
Tentativas de acordo: o algodão entre dois cristais
Durante o período da Guerra da Cisplatina, se algo ficou evidente, é que tanto Brasil quanto Argentina estavam desgastados, com o agravante de que os hermanos estavam financeiramente quebrados pelo bloqueio naval brasileiro no Prata.
Ainda que primeiramente na posição de espectadora, a Inglaterra e seus maçons temiam uma coisa: que o Rio da Prata ficasse completamente em mãos argentinas (via Buenos Aires e Montevidéu). Era melhor ter duas opções (com o Brasil também no Prata), ou – claro – uma terceira via independente: criando um estado tampão ou, como também ficou conhecida a solução, colocar um algodão entre dois cristais.
Uma primeira tentativa de acordo mediada entre o ministro das relações exteriores inglesas, George Canning, o diplomata argentino Manuel José García (em viagem oficial ao Rio de Janeiro) e as autoridades brasileiras foi um bocado esquisita. Em resumo, pela Convenção Preliminar de Paz, a Argentina passaria a reconhecer a Cisplatina como território brasileiro e pagar uma indenização por “atos de pirataria”.
García levou a proposta para Buenos Aires, o que logicamente foi rechaçado pela opinião pública. Inclusive, o presidente Bernardino Rivadavia reconheceu que o acordo assinado por García era “desonroso”, mas andava tão mal das pernas que foi praticamente obrigado a apresentar sua renúncia.
O governador de Buenos Aires, Manuel Dorrego, então assumiria o posto em agosto de 1827, prometendo continuar os combates. De fato, eles se estenderam até que, em agosto de 1828, finalmente sairia um acordo das canetas (ou penas) dos diplomatas brasileiros, argentinos e, claro, ingleses.
Era tudo o que a Inglaterra queria: um novo país, com apenas 75 mil habitantes surgiria e ficaria vulnerável a seus mandos, ao mesmo tempo em que seria um algodão entre dois cristais de tamanho continental que tinham potencial de emergir como potências sul-americanas.
Por outro lado, o acordo garantia a livre navegação no Rio da Prata tanto por parte do Brasil quanto da Argentina na região por 15 anos. O problema é que não havia fixação de limites territoriais finais no acordo, sendo ainda que a Constituição do novo país deveria ser julgada por ambos os governos, mas sem as tropas dos países por lá.
“Eu entendo que a saída é coerente, no fundo, com essa história. O Uruguai não se integra cultural e politicamente ao restante da monarquia imperial. Não havia nenhum tipo de laço firme entre o Uruguai e a América portuguesa”, avalia o historiador Paulo Garcês. “Não obstante, para mim é espantoso, apesar de nós termos invadido o Uruguai, o quanto a gente estando no Uruguai eles são simpáticos a nós. Parece que essa história nem existiu”, completa o chefe da divisão de Acervo e Curadoria do Museu da Independência.
O fato final é que, em 4 de outubro de 1828, finalmente a República Oriental do Uruguai se tornaria independente. E o pessoal que tomava mate junto, no caso Rivera e Lavalleja, começaram a ter suas próprias rusgas. Com Rivera eleito o primeiro presidente constitucional em agosto de 1830, Lavalleja esquece a parceria de vez e provoca uma guerra civil, sendo derrotado em julho de 1832.
Outros conflitos internos foram surgindo, assim como na Guerras da Independência do Brasil, mas a nação foi se consolidando, ainda que o Brasil permanecesse de olho na Cisplatina. “Inclusive, até 1864, o imperador do Brasil (Dom Pedro II) ainda tinha aspirações de incorporar o Uruguai ao território brasileiro. A lógica do Império era que os limites naturais do Brasil eram o Rio da Prata e o Rio Uruguai”, retoma o historiador uruguaio Nelson Pierroti. Mas essa é outra história, apesar de ser uma continuidade da mesma história.