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Depoimento

Há quase 50 anos, um terrível acidente aéreo matou 122 passageiros. Ele foi o único sobrevivente

Ricardo Trajano, o único passageiro sobrevivente do acidente da Varig em 1973 (Foto: Arquivo pessoal/Ricardo Trajano)

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Na tarde de 11 de julho de 1973, a torre de controle do Aeroporto de Orly, em Paris, recebeu uma mensagem trágica. Nos últimos quilômetros do trajeto entre o Rio de Janeiro e a capital francesa, o Boeing 707 da Varig, empresa brasileira encerrada em 2006, desviou-se da rota para a pista e partiu para um pouso de emergência na zona rural da cidade. "Já que vamos morrer, pelo menos não vamos matar mais gente lá embaixo", dizia o comandante. Horas depois, o mundo assistia estarrecido às notícias do trágico acidente aéreo ocasionado por uma bituca de cigarro no banheiro que matou 122 passageiros, deixando apenas um sobrevivente. Este homem é Ricardo Trajano.

Aos 19 anos, Ricardo era estudante de engenharia e baixista de uma banda de rock. Cultivava o sonho de viajar para Londres, a terra dos Beatles e dos The Rolling Stones, motivo pelo qual comprou a passagem para o voo com escala em Paris. A cinco minutos da aterrisagem, viu uma fumaça saindo do banheiro. Enquanto o comissário de bordo se dirigia ao extintor de incêndio e todos os passageiros mantinham os cintos de segurança afivelados, Trajano, por "puro instinto" - como ele descreve - tirou o cinto e se dirigiu para a frente do avião. A tripulação pediu que ele voltasse para a poltrona. Ele desobedeceu. "Alguma coisa" o pedia para seguir para a cabine do piloto.

A lembrança do momento é nítida. Por estar muito animado e apreensivo com sua primeira viagem internacional, o músico visitara duas vezes a cabine, chegando a conhecer o comandante Gilberto Araújo — a voz que se dirigira à torre de controle em Paris. Enquanto todos os passageiros desmaiavam com a fumaça que se espalhava pelo avião, Ricardo permaneceu em pé na cabine. Em poucos minutos, caiu desmaiado de bruços, e o avião caiu em chamas.

Com fraturas e queimaduras, foi encontrado vivo pelo corpo de bombeiros e levado de helicóptero para o hospital, confundido com o piloto Sérgio Balbino. A esta altura, já corriam as notícias do voo do qual nenhum passageiro sobrevivera. A morte de Ricardo foi anunciada pela PUC de Petrópolis, onde ele estudava. A família começou a preparar o velório — ainda que sua mãe se recusasse a acreditar que o filho estava morto.

Durante suas 30 horas em coma, chegou a escutar pessoas se referindo a ele como o "único sobrevivente, Sérgio Balbino". Ricardo não se lembra de como conseguiu pedir papel e caneta para escrever seu nome, o nome de seus pais, seu endereço e telefone. A equipe do hospital telefonou para a família e os preparativos para o sepultamento se transformaram em uma grande festa de renascimento.

Depois de dois meses no CTI na França e um mês no Brasil, Ricardo estava bem, sem qualquer sequela. Lembrava-se da alegria dos médicos que o assistiram diariamente, dos cartazes e cartas dos pais e amigos que chegavam o tempo todo e de ouvir música pelos fones de ouvido. Lembra-se, acima de tudo, da voz que o instruiu a ir para a cabine do comandante. "Ao me recusar a prender os cintos e me levantar em direção à cabine escutei nitidamente a voz de Deus. Eu fui um milagre", conta.

Um ano depois, embarcou novamente para Londres para ver de perto Eric Clapton, Led Zeppellin e The Who. Tornou-se um grande publicitário e, hoje, dá palestras sobre sua experiência. À reportagem, relatou sua história acompanhado da filha pequena, que lhe perguntou "mas papai, por que você não morreu?". Para Ricardo Trajano, a resposta sempre foi clara. "Porque você ainda precisava nascer".

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