Após o auge da crise econômica e expectativas de melhorias para 2019, as apostas na economia brasileira voltam a ser baixas. Um estudo do economista Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), aponta que o Brasil cresceu, entre 2011 e 2018, menos que 90% dos países do mundo – o crescimento brasileiro ficou atrás de países como Haiti, Congo, Paraguai e Afeganistão.
O levantamento analisou dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre 191 países. Destes, 174 tiveram crescimento econômico melhor que o Brasil no período entre 2011 e 2018. Nas projeções do FMI para 2019 e 2020, 90% dos países apresentarão um crescimento real do PIB maior que o brasileiro. Segundo Balassiano, esta será possivelmente a pior década para o Brasil, em comparação ao cenário internacional, desde quando o FMI iniciou o levantamento em 1980.
A estimativa é mais um sinal da perda significativa do grau de confiança trazida pela crise, tanto por parte de atores externos como domésticos. Como consequência, as estimativas de crescimento do país diminuíram de 4% ao ano no período pré-crise para cerca de 2% ao ano na atualidade.
Causas e consequências
Para o ex-diretor de Política Econômica do Banco Mundial, Carlos A. Primo Braga, a herança da crise inclui alto desemprego (uma taxa de 12%), ociosidade industrial elevada (uma taxa de utilização da capacidade instalada de 78,3%), endividamento do setor privado (a dívida das pessoas jurídicas não-financeiras permanece alta: cerca de 49,1% do PIB), retração de investimentos públicos e privados (atingindo apenas 15,8% do PIB em 2018), o colapso financeiro de alguns estados da federação (RJ, MG, RS) e a expansão significativa da dívida pública (com uma dívida bruta do setor público de cerca de 76,7% do PIB).
“Uma variável fora do controle nacional diz respeito à saúde da economia mundial. Embora as perspectivas atuais ainda sejam positivas (com o crescimento global devendo se manter em torno de 3 a 3,5% esse ano), a economia mundial está desacelerando”, destaca Braga.
Segundo ele, alguns fatores globais que influenciam o crescimento brasileiro são as tensões geopolíticas, tendências protecionistas, a possibilidade da normalização da política monetária dos EUA e de aumento da taxa de juros, a desaceleração de economias europeias, a recessão argentina, e o endividamento crescente da China.
De qualquer forma, a política econômica é apontada por especialistas como o principal fator para o baixo crescimento do país. Silvia Matos, também pesquisadora do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), defende que o governo precisa criar um ambiente favorável ao investimento, reduzir a incerteza política e – fato inesperado, que não estava no radar dos especialistas há algumas semanas – evitar riscos à política econômica.
“Qual vai ser o preço do diesel? A reforma sai quando?”, questiona Matos para exemplificar as preocupações que despontam.
Os efeitos das condições internas e externas são sentidos pela indústria, que permanece enfraquecida sob a influência do efeito da crise argentina sobre o setor automotivo somado a uma piora da demanda interna identificada a partir março.
A demanda por máquinas e equipamentos, um indicador importante do apetite por investimentos, deve crescer apenas 1% no primeiro trimestre sobre igual período de 2018, segundo dados do Ibre. O crescimento é pífio diante da queda acumulada de cerca de 30% do investimento na economia durante a recessão.
A consequência mais marcante da falta de investimentos é enfraquecimento do mercado de trabalho: o aumento ocorre apenas na informalidade, enquanto as vagas formais, medidas pelo Caged, vêm basicamente do setor de serviços, que paga menores salários. A expectativa dos economistas é que o consumo das famílias cresça um pouco acima do PIB em 2019, em razão dos juros mais baixos e da lenta retomada do crédito, mas em ritmo insuficiente para fazer girar com mais força a economia.
A percepção é que o otimismo, que deu o tom na virada do ano, se reverte de modo profundo e rapidamente. Da parte dos empresários, o desconforto se reflete nos principais indicadores de confiança: após uma recuperação na virada do ano, o sinal se inverteu de forma generalizada. Os indicadores da instituição apontam queda na confiança na indústria, no comércio, no setor de serviços e até entre consumidores.
Para reverter esse quadro e retomar o crescimento de forma sustentável, serão necessárias medidas que incentivem o aumento da produtividade e novos investimentos, afirma Braga. Ele aponta que tais medidas incluem projetos de liberalização comercial, de desburocratização e de reforma tributária, que contribuiriam para diminuir o custo de se fazer negócios no país. “A sequência dessas reformas adicionais será ditada pelo resultado da reforma da Previdência, já que este será um indicador da credibilidade do novo governo”, acrescenta.
Seis países que cresceram mais do que o Brasil nesta década e você não sabia
Crescimento desacelerado na economia brasileira colocou o Brasil atrás de alguns dos países mais pobres do mundo no levantamento da Ibre/FGV. Parte deles surpreende devido à instabilidade política e econômica, guerras civis e população empobrecida - outros são exemplos de recuperação econômica.
1 Haiti
Um deles é o Haiti, país mais pobre da América, segundo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. À frente do Brasil no ranking da Ibre/FGV, o Haiti já apresentou a maior taxa de desemprego da América Latina, em 2017 - o Brasil foi o segundo colocado.
Com três quintos da população de quase 11 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha nacional de pobreza de US $ 2 por dia, as condições de vida da população são afetadas por alta inflação e depreciação da moeda, o gourde, que eleva os preços dos itens básicos, que são principalmente importados.
Já o PIB do país é alimentado principalmente pelo crescimento da diáspora: haitianos emigrantes que enviam remessas para moradores do país correspondem a quase um terço do PIB, segundo dados do Banco Mundial.
2 Paraguai
Ainda na América Latina, o Brasil fica atrás do Paraguai, outro país que já figurou listas dos mais pobres do mundo. O crescimento pode parecer surpreendente, mas é reflexo de políticas econômicas iniciadas desde o começo da crise, que o lançaram à frente dos vizinhos da América do Sul.
A transformação está nos números. A economia paraguaia experimentou um crescimento de 14% em 2013 (o Brasil cresceu 2,3%) e 4,7% no ano seguinte, enquanto a América do Sul cresceu, respectivamente, apenas 3,3% e 0,7%. A inflação segue controlada e a taxa de desemprego do país está em queda.
“O Paraguai alcançou um crescimento econômico impressionante e compartilhou a prosperidade nos últimos 15 anos. A economia cresceu em média 4,5% ao ano (2004-2017), mais rapidamente do que a maioria dos seus comparadores regionais”, diz um relatório da World Bank sobre o Paraguai.
Com crescimento, baixa inflação e finanças públicas sólidas, o Paraguai conseguiu criar um ambiente favorável à atração de investimentos estrangeiros no qual vigoram regras estáveis, benefícios fiscais, baixa carga tributária (cerca de 10% do PIB contra 33,4% do PIB no Brasil) e custos bastante competitivos, sobretudo com energia e mão de obra.
3 Moçambique
Após um período de crise econômica e tensões políticas que se estendem há mais de quatro décadas, Moçambique mostra sinais de estabilização da economia, segundo avaliação do Banco Central.
O crescimento estável é resultado de maiores investimentos em gás natural no norte do país, a manutenção de esforços de paz no cenário político, uma consolidação fiscal e relaxamento da política monetária e condições financeiras do banco central, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
4 Etiópia
País que já foi símbolo de pobreza no continente africano, a Etiópia é um das economias que mais crescem nos últimos anos. Em levantamento do Banco Mundial, o país ficou em segundo lugar entre as promessas de crescimento econômico em 2018.
O índice, porém, é uma questão de perspectiva: por ser uma economia menor, tem mais espaço para crescimento do que economias maiores e mais estabelecidas. Somado a isso, investimentos em infraestrutura - irrigação, transporte e energia - estão aumentando a produtividade na produção agrícola, principal fonte de receita nas exportações do país, e alavancando a economia.
“A Etiópia teve uma taxa de crescimento muito alta e acredito que isso é resultado, em grande parte, de um esforço muito concentrado do governo para impulsionar a produção industrial e a manufatura”, diz Vijaya Ramachandran, economista do think tank americano Center for Global Development (CGD).
5 Congo
Assim como na Etiópia, o crescimento da República Democrática do Congo (RDC) é referencial devido ao tamanho da economia: o índice foi de 4,1% em 2018, o que levou o Banco Central do Congo a revisar a taxa de crescimento econômico para 2019, que passou de 5,6% para 5,2%.
No país, o desenvolvimento não chega à maior parte da população: em meio à guerra civil, os congoleses sofrem com a fome que assola o país, afetando também a economia. De acordo com um estudo apoiado pelas Nações Unidas em 2017, a economia da RDC chegou a perder cerca de 4,5% do PIB para os efeitos da desnutrição infantil.
“Embora seja improvável que o conflito no leste da RDC termine em um futuro próximo, as perspectivas econômicas do país permanecem positivas”, avalia Franck Kuwonu, oficial de informações públicas na Organização das Nações Unidas.
Se não fosse a desnutrição infantil causada pela fome, porém, a economia poderia crescer ainda mais: o país poderia economizar cerca de 383 milhões de dólares até 2025 se a prevalência de crianças com baixo peso fosse reduzida de 11% para 5%, e se o baixo crescimento para a idade fosse reduzido de 43% para 10%.
6 Afeganistão
No Afeganistão, o crescimento da economia é travado principalmente pelo estado de guerra desde a invasão das tropas dos Estados Unidos em 2002 - a instabilidade afastou o capital estrangeiro e trouxe desemprego.
Já o fim da guerra e assinatura de acordo de paz pelo Talibã podem ser cruciais para a recuperação do país: os EUA e a Otan prometem assistência econômica continuada, uma vez que o acordo de paz for concluído.
Hoje, a economia está estagnada, com progressos tímidos na arrecadação de receitas e no desenvolvimento de planos de reforma econômica, segundo relatório da ONU. Ainda de acordo com as Nações Unidas, mais de dois milhões de afegãos estão sob a ameaça de “grave insegurança alimentar” e devem precisar de ajuda de emergência.
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