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Herói da esquerda, Salvador Allende criou lei eugenista inspirada no nazismo

O trabalho de conclusão de curso de Allende, “Higiene Mental e Delinquência”, era favorável ao eugenismo. (Foto: Biblioteca del Congreso Nacional de Chile/Wikimedia Commons)

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As linhas que separam os totalitarismos de esquerda e direita são muito tênues. É verdade que comunistas e fascistas de toda sorte brigavam uns contra os outros, mas daí não se segue que haja uma grande diferença entre os dois grupos. Ambos sempre convergiram no antiliberalismo e na crença no poder estatal.

Se os comunistas pretendiam transformar todas as empresas em estatais, os fascistas pretendiam transformá-las todas em paraestatais, ao estilo Friboi. Ei-los juntos contra a face econômica do liberalismo.

Quanto à face política, ambos eram abertamente favoráveis ao fim da democracia tal como a conhecemos e à instauração de uma ditadura. Davam tratos à bola para dizer que essa ditadura, sim, seria a verdadeira democracia, porque somente nela o povo (démos) estaria no poder (krátos). Ora o ditador ideal encarnava o proletariado, ora a alma do povo.

Assim, não deveria causar surpresa que nazistas e comunistas se confundissem uns com os outros. O exemplo mais evidente dessa confusão talvez seja Perón, o caudilho argentino que transformou seu país em abrigo de nazistas, e hoje é amado pelos esquerdistas odebrechtianos.

Mas, se é que é possível, existe um exemplo melhor ainda de símbolo da esquerda que é indiscernível de um nazista naquilo que há de pior.

O que há de pior no nazismo? Não é o sistema econômico, não é o Fusca (que é uma gracinha), nem o anticomunismo, nem mesmo a defesa da ditadura (afinal, democracia é exceção na história da humanidade): é a tentativa de eliminar da face da terra certos grupos humanos, definidos segundo parâmetros alheios às escolhas individuais.

Ninguém escolhe a própria origem étnica, nem a própria orientação sexual, nem ter genes associados a doenças hereditárias.

Não obstante, os nazistas eram incapazes de considerar alguém que tenha sangue judeu como algo diferente de um judeu, nem eram capazes de considerar as virtudes de um homem depois de ele receber m triângulo rosa (ao menos não eram desde o assassinato do viril Ernst Röhm, a quem não apeteciam as mulheres, e dos seus SA, de orientação assemelhada).

Uma mulher como Edith Stein poderia escolher se converter ao catolicismo, virar freira, e ainda assim seria arrancada do convento e despachada para campos de extermínio por causa do sangue que carrega nas veias.

Lá, as pessoas de sangue e orientação sexual “errados” encontrariam os social-democratas, comunistas e conservadores que ofereceram resistência, uma vez que é usual ditaduras prenderem opositores.

Uma consequência menos famosa dessa forma de pensamento foram os assassinatos e esterilizações forçadas de indivíduos cuja saúde não era aprovada pelos médicos nazistas. E foi isso que Allende tentou imitar quando ministro da saúde, como mostrou Víctor Farías.

Quem é Víctor Farías

Víctor Farías é um filósofo e germanista chileno nascido em 1940, que concluiu sua formação filosófica em Friburgo e foi aluno de Heidegger. Em 1987, após muito penar para encontrar editoras, finalmente conseguiu publicar seu livro mais famoso, traduzido por todo o mundo: Heidegger e o nazismo (ed. Paz e Terra, 1988).

A tese da obra, muito bem fundamentada, é de que Heidegger nunca deixou de ser nazista; ele apenas foi marginalizado no Reich porque pertencia à corrente mais radical do movimento nazista, liderada por Ernst Röhm. Uma vez assassinado Röhm, Heidegger vai para escanteio e Alfred Rosenberg é alçado à condição de filósofo oficial do nazismo.

Assim, a posição de Heidegger é a de um crítico do desvirtuamento do nazismo, e na década de 50 ele não só não tinha feito um mea-culpa, como ainda elogiava o movimento por sua “grandeza espiritual”. Como Heidegger não é tratado como um óbvio leproso filosófico, é um mistério.

Pois muito bem: estando em Friburgo, sendo chileno e sabendo muito de nazismo, Víctor Farías resolveu investigar os papéis relativos ao seu próprio país, e descobriu que o Partido Socialista do Chile fora fundado com financiamento do III Reich.

Assim como os soviéticos, os nazistas tinham também sua política expansionista de propaganda e de corrosão de democracias mundo afora. As descobertas de Farías nessa seara foram publicadas em Los nazis en Chile, obra de dois tomos, infelizmente indisponível no Brasil e na internet.

Nessa obra ele trata em detalhes da proteção oferecida por Allende ao nazista Walther Rauff, inventor dos caminhões de gás, uma espécie de campo de extermínio portátil e precursor das câmaras de gás.

Chegou-nos, porém, sua obra sobre o mais famoso socialista chileno, Salvador Allende. O título em português é Salvador Allende: anti-semitismo e eutanásia (ed. Novo Século, 2006).

Lei nazista e projeto de lei socialista chileno

No começo do século passado, existia o movimento eugenista e favorável à eutanásia. Eutanásia significa, literalmente, a boa morte. Hoje, é um termo médico que costuma designar o ato de matar ou deixar morrer quem agoniza e não tem meios de cometer suicídio.

Pode ser aquela pessoa que perdeu quase todos os movimentos e sentidos, mas tem consciência; pode ser (o que é mais comum) aquela pessoa que está apenas esperando para morrer e sentindo dor enquanto os aparelhos funcionam para mantê-la viva. Essa eutanásia é ilegal, e seus defensores apelam para a liberdade individual.

A eutanásia referida por Farías é outra, totalmente diferente: não tem nada a ver com liberdade individual, e defende a prerrogativa do Estado de decidir quem vive e quem morre, com base num conselho de médicos. Ou, tomando um sentido coletivista, é possível decidir que povos vivem e que povos morrem, pois se todos os indivíduos de uma determinada etnia forem esterilizados, a etnia “morre” com uma “eutanásia” coletiva.

O movimento eugenista pretendia, então, ter esse direito de matar. Mas eugenia significa literalmente “de bom nascimento”. Alguma dose de eugenia é aceita pela sociedade: aconselha-se primos de primeiro grau a não se casarem ou, casando-se, a não terem filhos, porque os riscos de doenças genéticas são grandes.

Gente com doenças graves de origem genética costuma pensar duas vezes antes de decidir ter um filho. No caso dos eugenistas, porém, tratava-se outra vez de dar a prerrogativa ao Estado de decidir quem pode se reproduzir.

Os nazistas chegaram a matar deficientes mentais com discrição. Levavam-nos de suas famílias alegando que iriam tratá-los, e depois informavam a morte. Como isso era secreto, não havia por que legislar a respeito.

Quanto à esterilização, os nazistas foram explícitos. Com Hitler recém-eleito, em 1933, criou-se a “Lei Alemã para Precaver uma Descendência com Taras Hereditárias”, cujo artigo 1 era:

“Toda pessoa afetada por uma doença hereditária poderá ser esterilizada por meio de uma operação cirúrgica se, de acordo com as experiências da ciência, é de se supor com a maior probabilidade que os descendentes dessas pessoas serão afetados por males hereditários graves que influam em sua constituição mental e corporal.”

Em seguida, a lei tipifica as taras hereditárias: imbecilidade congênita, esquizofrenia, mania depressiva, epilepsia hereditária, mal de São Vito hereditário, cegueira hereditária, surdez hereditária e graves deformidades físicas hereditárias. Estão sujeitos à esterilização também aqueles que têm crises graves de alcoolismo.

O procedimento legal consistirá em alguém – o próprio paciente, seu familiar ou até o médico – solicitar esterilização, a qual irá para um Tribunal Eugenésico constituído por um conselho de “sábios” médicos.

Uma vez que o Tribunal Eugenésico decida pela esterilização, cabe apelação a uma cúpula mais alta, chamada Tribunal Superior Eugenésico, cuja resolução será definitiva. Sendo esta favorável à esterilização, o cidadão será esterilizado à força e, se não tiver dinheiro, a esterilização será custeada pelo erário.

Toda essa concepção eugenista considerava que era papel do Estado cuidar da saúde do Povo, considerando os homens não como indivíduos autônomos, senão como uma grande massa corpórea que integra o Povo. Por isso os nazistas achavam que era não só lícito, como louvável, planejar a reprodução humana de maneira centralizada e autoritária.

Eles não eram capazes de enxergar e respeitar João, Pedro ou José, mas somente o Povo, que pode existir com uns Joões e Josés a menos. Quando cuidamos das árvores, cortamos galhos podres. A gente de corpo considerado ruim era como galhos podres a serem cortados por demiurgos.

Onde Allende entra nessa história

Allende era médico de formação, e em 1939 era Ministro da Salubridade. Seu trabalho de conclusão de curso, intitulado “Higiene Mental e Delinquência” era favorável ao eugenismo, e se excedia em radicalismo. Por exemplo: Lombroso era judeu e não era antissemita, mas Allende o menciona como autoridade para respaldar medidas eugenésicas antissemitas.

Dizia Allende em seu trabalho: “As leis da eutanásia e da eugenesia substituíram a Rocha Tarpeia e suas disposições protegem o indivíduo, acima dele mesmo, e só com objetivos sociais.” Como o indivíduo é protegido com a cuca rachada da Rocha Tarpeia, ele não explica.

Em 1938, elege-se no Chile um governo da Frente Popular. Como explica Farías, esse Popular pode ser lido como Völkisch, do Povo no sentido fascista do termo.

O presidente “popular”, chamado Pedro Aguirre Cerda, “delineou toda uma política sanitária fundada no conceito eugenésico de ‘melhoramento da raça’, que ele denominou ‘Instituição Nacional de Defesa da Raça e Aproveitamento das Horas Livres’, de claro cunho autoritário”.

Essa Instituição foi dirigida pelo “general Francisco Javier Díaz Valderrama, criador da primeira organização nazista no Chile, oficialmente reconhecida por Hitler.”

A essa altura, então, não deverá surpreender que Allende tivesse feito um projeto de lei que imita o alemão. Diz o primeiro artigo: “Toda pessoa que sofra de uma enfermidade mental que, de acordo com os conhecimentos médicos, possa transmitir à sua descendência, poderá ser esterilizada, em conformidade às disposições desta lei.”

Em seguida, lista as enfermidades, informa quem pode pedir a esterilização (paciente, familiares e médico) e prevê a criação dos Tribunais de Esterilização de Primeira Instância e do Tribunal Superior de Esterilização.

Após a publicação do livro de Farías, Allende seguiu herói da esquerda.

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