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Todos que já assistiram a Curtindo a Vida Adoidado, de John Hughes, provavelmente se lembram da cena na qual o professor de economia de Ferris explica a Lei Smoot-Hawley para a sala cheia de alunos entediados e sonolentos. A cena é brilhante por vários motivos e talvez ainda mais por demonstrar perfeitamente como uma das coisas mais chatas da história também é uma das mais importantes.
A Lei Smoot-Hawley foi, claro, um dos maiores fracassos da história.
Aprovada em 1930, apesar de contar com a objeção de mais de mil economistas, a lei aumentava impostos (que já eram altos) de bens importados para proteger as indústrias e os agricultores norte-americanos, dando origem a uma guerra comercial que aprofundou a Grande Depressão. Esse é um exemplo perfeito de autoridades tomando decisões para aliviar uma crise – e tornando a crise ainda pior.
O que muitos esquecem é que a Lei Smoot-Hawley não provocou a Depressão. Era foi uma reação à Depressão. Na verdade, ela talvez jamais tivesse sido aprovada sem o catalisador — o Crash de 1929 — que provocou o frenesi nacional. Os republicanos do Senado tinham derrotado o projeto de lei da Câmara controlada também pelos republicanos no ano anterior, mas os defensores do protecionismo encontraram uma crise conveniente na Terça-feira Negra, crise que gerou histeria e permitiu que a lei fosse aprovada. (O presidente Hoover se opunha à lei, mas a sancionou por causa da pressão política, que incluía ameaças de renúncias de vários membros do governo).
Criada para proteger os norte-americanos durante a crise econômica, a Lei Smoot-Hawley provou ser desastrosa. As importações caíram de US$1,334 bilhão em 1929 para apenas US$390 milhões em 1932. O comércio mundial teve uma redução de 66%, de acordo com dados do governo. Em 1933, o desemprego foi de 25%, o maior da história norte-americana.
A fim de “corrigir” o rumo, os norte-americanos elegeram Franklin D. Roosevelt, que lançou uma série de programas federais que agravaram ainda mais a crise. O resto, como se diz, é história.
O governo tem um histórico de piorar os pânicos
A lei Smoot-Hawley e o New Deal não são os únicos exemplos de ações governamentais piorando uma situação de pânico.
No seu livro Economia Básica, o economista Thomas Sowell dá vários exemplos de ocasiões nas quais o governo transformou problemas menores em grandes problemas usando a força — geralmente o controle de preços — para reagir ao pânico dos altos custos de determinada commodity.
Um dos exemplos mais conhecidos disso é o da crise do petróleo nos anos 1970, que começou depois que o governo pegou um problema menor (o custo alto temporário da gasolina) e o transformou num maior (uma escassez em todo o país).
Tudo começou quando a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), um cartel então recém-formado, diminuiu a produção de petróleo, o que levou a um aumento nos preços dos derivados. Para resolver a crise, a administração Nixon (e, mais tarde, Ford e Carter) recorreu ao controle de preços para manter os preços artificialmente baixos para os consumidores.
O resultado? A escassez de combustível em todo o país, que gerou longas filas e deixou muitos norte-americanos sem conseguir abastecer. Essa “crise energética”, como foi chamada na época, causou estragos na indústria automotiva.
Como explica Sowell, contudo, não houve falta de gasolina. Em 1972 o consumo de gasolina foi praticamente igual ao do ano passado (95%, para ser mais exato). Da mesma forma, em 1978 os norte-americanos consumiram mais gasolina do que nunca na história. O problema era que o recurso não estava sendo eficientemente distribuído porque o Estado estabeleceu o controle de preços.
A crise energética era completamente previsível, como observaram mais tarde dois economistas soviéticos (que tinham muita experiência no que diz respeito à escassez causada pela economia centralizada).
Numa economia rigidamente planejada, esse tipo de situação não é a exceção, e sim a regra — uma realidade cotidiana, a lei dominante. A maioria absoluta dos bens existem ou em escassez ou em excesso. Geralmente o mesmo produto se enquadra nas duas características — há escassez numa região e excesso na outra.
Ninguém gosta de pagar caro pela gasolina, mas a crise energética dos anos 1970 só virou crise mesmo depois que o governo se intrometeu. A consequência tampouco foi incomum. Exemplos semelhantes podem ser encontrados ao longo de toda a história, desde a escassez de grãos na Roma Antiga, causada pelo “Édito dos Preços Máximos” de Diocleciano até a “crise imobiliária” de 2007 e a crise financeira que a sucedeu.
De um ponto de vista atual, tudo isso pode parecer óbvio. Aina assim, erros parecidos estão sendo cometidos hoje em dia, só que numa escala menor. Para solução a suposta crise da habitação, a Califórnia e o Óregon recentemente aprovaram leis de controle de alugueis que certamente terão um efeito devastador nos moradores desses estados. Da mesma forma, leis contra o aumento de preço (e a pressão social) geralmente levam à escassez de itens necessários em situações de emergência nacional.
Covid-19: época de pânico?
No momento em que os Estados Unidos enfrentam a mais assustadora pandemia do século, a da Covid-19, é importante que decisões que afetam a vida, a liberdade e a sobrevivência de centenas de milhões de pessoas sejam tomadas por meio da razão, não do medo.
Pandemias são diferentes de depressões econômicas e da falta de combustíveis, claro, mas algumas coisas que aprendemos se aplicam a elas. Assim como um pânico econômico, a pandemia gera o medo em massa, o que pode levar a decisões ruins e irracionais.
Sabemos que, por natureza, o ser humano tende a seguir a manada, sobretudo durante períodos de convulsão social e pânico. Esse instinto teve como consequência algumas das maiores tragédias da história humana.
A Covid-19 pode se provar tão perigosa quanto fomos levados a acreditar. Epidemiologistas, virologistas e outros especialistas concordam que ela é altamente contagiosa e mortal, sobretudo para certos grupos de risco (os mais velhos e pessoas com sistemas imunológicos comprometidos e problemas pulmonares, por exemplo). Ainda assim, muitos dos mesmos especialistas discordam do tamanho da ameaça que a Covid-19 representa.
Um dos problemas que os profissionais de saúde estão encontrando é que eles simplesmente não têm dados o bastante.
“Os dados até então coletados sobre quantas pessoas foram infectadas e como a epidemia se desenvolve não são nada confiáveis”, escreveu recentemente John P.A. Ioannidis, epidemiologista e professor de medicina em Stanford.
Sejamos francos: as pandemias são assustadoras. Isso talvez se deva ao fato de que, na era das redes sociais, modelos assustadores tendem a ser os mais compartilhados, o que alimenta ainda mais o pânico. Por causa do medo elevado, não é insensato pensar que as autoridades públicas “seguirão a manada”, o que é uma péssima ideia até mesmo quando a manada não está apavorada.
“As multidões não pensam (...) elas não toleram discutir nem serem contraditadas, e sugestões que os afetam ocupam todo o campo da sua compreensão e tendem a se transformar em ações”, escreveu Gustave Le Bon em sua fundamental obra de 1895, A Multidão: um Estudo da Mente Popular.
Não há nenhum segredo nem coincidência no fato de as crises — guerras, ataques terroristas e depressões econômicas — terem resultado no cerceamento da liberdade, fazendo surgir tiranos (de Napoleão a Lênin). Em seu livro Crisis and Leviathan [Crise e o Leviatã], o economista e historiador Robert Higgs explica como, ao longo da história, as crises foram usadas para se ampliar o poder do Estado, graças à permissão de que medidas “temporárias” se tornem permanentes depois que a crise passa (lembre-se dos impostos federais criados durante a Segunda Guerra Mundial).
“Quando as crises ocorrerem (...) os governos certamente terão novos poderes sobre as questões sociais e econômicas”, escreveu Higgs. “Para os que apreciam a liberdade individual e uma sociedade libre, o prospecto é profundamente desanimador”.
Temos de levar o novo coronavírus a sério, mas não podemos ignorar a razão, a prudência ou a Constituição.
Se fizemos isso, talvez descubramos que a “cura” do governo para o coronavírus é ainda pior do que a doença.
Jonathan Miltimore é editor do FEE.org.