Ouça este conteúdo
Oxalá que a Janela de Overton [Nota da edicão: conceito que descreve o espectro de opiniões aceitáveis em uma determinada sociedade em relação a determinado assunto. No contexto da eutanásia, a Janela de Overton representa um espectro de opiniões que vai desde a proibição absoluta da prática até a sua legalização e aceitação plena] às vezes errasse, mas nunca erra. Em 2014, a Bélgica legalizou a eutanásia infantil a partir de zero ano de idade. A Holanda permite a partir de 12 anos e para bebês até um ano (vide o famigerado Protocolo de Groningen). Mas agora, de acordo com o princípio do plano inclinado, a Holanda quer matar crianças também de um a 12 anos (as grandes manobras começaram há alguns meses).
A proposta vem de grupos de esquerda, que também inclui dois partidos pretensamente cristãos. As novas diretrizes terão de ser votadas no Parlamento: parece haver vontade política para sua aprovação até o final do ano. Nota de rodapé: mesmo na Itália, há margem para isso, pela Lei 219/2017 menores de qualquer idade podem ser mortos por eutanásia se houver autorização parental.
O Gabinete, escrevendo à Câmara, disse que esse tipo de eutanásia “concernirá as crianças com uma doença ou um distúrbio tão grave que a morte seja inevitável e a morte dessas crianças seja esperada em um futuro próximo". O ministro da Saúde holandês, Ernst Kuipers, em comunicado divulgado à mídia, quis tranquilizar a todos: “Felizmente, este [tipo de intervenção] afetará apenas um grupo muito pequeno de crianças: de cinco a dez crianças por ano”. O ministro parece não perceber que mesmo cinco a dez homicídios de menores continuam sendo um fato gravíssimo, até porque se trata de um homicídio de Estado.
Mas como será a tendência futura? Pode ser útil referir o caso da Bélgica: o estudo de 2021, publicado no British Medical Journal, intitulado “Decisões de fim de vida em recém-nascidos e crianças: um estudo de verificação da mortalidade a nível populacional” informa-nos que 10% dos recém-nascidos que vieram à luz na Bélgica de 2016 a 2017 foram mortos por eutanásia (ver aqui). Talvez isso explique por que até hoje “apenas" quatro menores, de um a 12 anos de idade, foram submetidos à eutanásia: os mais frágeis provavelmente foram mortos antes, não conseguindo superar os gargalos da eutanásia infantil (ver aqui).
Esta decisão do governo holandês é coerente com a legislação sobre o aborto: se posso matar uma criança quando é pequeníssima, tanto que cabe na barriga da mamãe, por que não posso matá-la quando for um pouco mais velha? Não apenas isso: se eu puder suprimi-lo com a eutanásia e o aborto, poderei manipulá-lo com experimentos em embriões, poderei expô-lo a riscos muito altos com inseminação artificial e poderei ter relações sexuais com ele. Se você olhar bem, todas essas são condutas do adulto consenciente que envolvem um menor não consenciente.
Aqui o mito da autodeterminação rebenta contra a dura realidade da única autodeterminação que importa: a do adulto capaz de perceber o mal e querer o mal mesmo assim. O resto — melhores interesses da criança, qualidade de vida, dignidade de morrer — são palavras ao vento. Ou melhor, palavras sujas ao vento.
Tommaso Scandroglio é escritor e professor na Università Europea di Roma, bacharel em jurisprudência na Università degli Studi di Milano-Bicocca.