Que há diferenças psicológicas entre os sexos não é matéria de debate na pesquisa científica. A sua existência já foi corroborada para além de sombra de dúvidas. O que ainda é debatido é a magnitude dessas diferenças. Na média, os meninos se saem melhor em matemática, e as meninas se saem melhor em capacidades linguísticas como compreensão de leitura. Contribuindo para esse debate, um estudo publicado na revista científica Intelligence em 2020 envolvendo quase 970 mil estudantes, em mais de 50 países, resolveu fazer a avaliação inversa: tentar prever o sexo a partir das habilidades e interesses acadêmicos.
A pesquisa, de autoria dos psicólogos Gijsbert Stoet, da Universidade de Essex no Reino Unido, e David Geary, da Universidade de Missouri nos EUA, teve sucesso de mais de 70% de precisão em adivinhar o sexo dos respondentes com base em dados de capacidade e atitude em relação a três áreas do conhecimento. “Os padrões universais em diferenças de sexo acadêmicas são maiores do que se pensava até aqui”, concluem Stoet e Geary. Quanto mais pronunciadas são as diferenças de sexo acadêmicas em cada sociedade, maior é a igualdade socioeconômica entre homens e mulheres, descobriram. A conclusão corrobora estudos anteriores com múltiplas culturas e sugere que, quanto mais livres são os indivíduos, mais perseguem interesses que exacerbam as diferenças entre sexos, em vez de diminuí-las, como se esperaria caso os sexos não fossem diferentes na mente e no comportamento.
Dados do PISA
Os dados vêm do teste PISA (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes), feito em estudantes de diversos países a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Os estudantes têm entre 15 e 16 anos e devem ter ao menos seis anos completos de educação formal. A prova dura duas horas e avalia compreensão de leitura, alfabetização científica e matemática. Além das capacidades nos três domínios, os estudantes também respondem a perguntas sobre suas atitudes a respeito de um deles, a depender do ano. A prova de 2015, por exemplo, teve foco em ciência e perguntou a respeito da motivação dos estudantes para estudar o assunto e comportamentos relacionados. A prova anterior, de 2012, avaliou as atitudes deles a respeito da matemática, e em 2009 responderam sobre atitudes em relação à leitura.
Os quase um milhão de estudantes incluídos no estudo responderam a essas três provas. Na de 2009, 71 países foram incluídos; na de 2012, 62 países e na de 2015 foram 55 países. A amostra foi bem equilibrada quanto ao sexo: 497,5 mil meninas e 499,8 mil meninos.
É menino ou menina? Olhe a nota, o assunto e os interesses
O principal resultado é que com os dados de das três provas e a nota geral em leitura, ciência e matemática, além das informações de atitudes dos estudantes para com cada uma das áreas, foi possível acertar o sexo de mais de sete a cada 10 deles. A alta precisão nesse acerto independe de ele ser baseado em dados do país local ou de todos os mais de cinquenta países envolvidos.
Usar o país de origem aumenta um pouco a precisão em adivinhar o sexo dos estudantes, o que reconhece o papel da cultura em criar diferenças entre meninos e meninas, mas esse aumento foi marginal. Portanto, outros fatores compartilhados entre as culturas, da riqueza à biologia, devem servir melhor para explicar os resultados que as diferenças culturais.
As notas nas três disciplinas foram mais precisas em diferenciar os estudantes pelo sexo do que as informações de hábitos de leitura e interesse por ciência e matemática (chamadas de variáveis de atitude). As notas acertaram entre 64 e 70% dos casos, enquanto as informações de atitude acertaram entre 58 e 62% dos casos. Juntas, como dito, superam 70% de precisão em adivinhar o sexo.
Para o ano de 2009, a nota em interpretação de texto sozinha teve a mais alta capacidade de prever o sexo dos estudantes, classificando corretamente o sexo de 58,4% deles. As meninas se concentram entre as notas mais altas nessa parte da prova. Para dar uma ideia do tamanho da diferença entre os sexos nessa nota específica, cerca de 66% dos meninos ficaram abaixo da nota média das meninas na leitura.
Em se tratando de atitudes, o melhor preditor foi o prazer na leitura, que classificou corretamente o sexo em 62,5% dos casos. Neste caso, a quantidade de meninos abaixo da média das meninas na medida de gostar de ler foi de 73%. Outras atitudes, como o prazer e motivação para estudar ciência, não diferem significativamente entre meninos e meninas e têm tanto sucesso em prever o seu sexo quanto jogar uma moeda.
Os meninos se saem melhor que as meninas em matemática e ciência, mas não tão melhor quanto elas se saem em leitura comparadas a eles. A capacidade da nota geral de matemática de prever o sexo dos jovens não ultrapassou muito a marca de 50%. A maior diferença favorável aos meninos foi observada em autoavaliação de habilidade matemática e na atitude de praticar atividades de ciência, em que cerca de 60% das meninas ficaram abaixo da média dos meninos. Ambas as atitudes previram o sexo deles com 56% de acerto.
Igualmente inteligentes, mas complementares
Como conta o psicólogo britânico Stuart Ritchie no livro Intelligence: All That Matters (“Inteligência: Tudo o que importa”, em tradução livre), de 2016, meninos e meninas são idênticos em se tratando de suas médias de inteligência. Os testes de inteligência são divididos em áreas distintas em que os sexos podem se sair melhor ou pior. No fim das contas, as capacidades e interesses de ambos são complementares. Além disso, assim como acontece com outras características e vai além da espécie humana, o sexo masculino varia mais que o feminino, e por isso está mais presente nos extremos da variação. Por essa razão, gênios da matemática, por exemplo, costumam ser homens — e os com mais dificuldades de aprendizado de matemática também. Por causa de sua vantagem em habilidades linguísticas, no entanto, mulheres gênios tendem a ter a vantagem de ser boas tanto em habilidades matemáticas quanto em leitura e escrita, o que é mais raro para homens gênios.
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