Ah, sim, o satírico Borowitz Report, o rearranjo das notícias inclinado à esquerda de Andy Borowitz para a New Yorker. Ou você o ama (engraçado!), odeia (humor sem graça de pai!) ou não se dá conta de que é uma piada. Esse terceiro grupo inclui a imprensa chinesa administrada pelo estado.
No último dia 7, uma coluna do Borowitz Report (“Trump ordena que todos os telefones da Casa Branca sejam embrulhados em papel laminado”) foi noticiada online e na edição impressa do jornal estatal Reference News e publicada pela agência de notícias estatal Xinhua, relatou o New York Times. Quando o artigo foi removido no dia seguinte, outros veículos chineses já tinham sido igualmente feitos de tolos pela coluna, que inclui trechos sobre Trump “ainda vestindo seu roupão de banho depois do que foi, segundo relatos, uma noite sem dormir” e ordenando “que o serviço secreto checasse cada cômodo da Casa Branca por sinais do ex-presidente Barack Obama.”
Isso aconteceu antes: em 2013, a agência de notícias Xinhua traduziu uma coluna inteira do Borowitz Report sobre o presidente da Amazon ter comprado o Washington Post “por engano”.
Não é só a imprensa chinesa; muitas pessoas comuns nos Estados Unidos leem as manchetes de Borowitz como reais, particularmente quando as veem nas redes sociais. E, ainda que esse tipo de dinâmica não seja nova, está se tornando mais preocupante?
Desinformação se tornou fonte de consternação generalizada, conforme líderes políticos, jornalistas e cidadãos engajados se preocupam com a proliferação de notícias falsas no Facebook. O próprio termo “notícias falsas” foi sequestrado; não se refere mais a apenas sátira ou histórias intencionalmente fabricadas para enganar.
E o verdadeiro ciclo de notícias é particularmente ultrajante aos olhos da esquerda, o público alvo desse tipo de sátira. Manchetes reais contêm desenvolvimentos atordoantes e de arregalar os olhos que rivalizam com o que um Borowitz Report possa inventar.
Em abril de 2016, Borowitz publicou “Ben Carson diz que não tem lembrança de ter concorrido à presidência”. Oito meses depois, um assessor de Carson disse ao site de noticiário político The Hill que Carson não queria se juntar à equipe de Trump porque “sente que não tem experiência no governo (...) A última coisa que ele quer é assumir uma posição que poderia aleijar a presidência.”
“O ex-candidato à presidência Ben Carson diz que não vai se juntar à equipe de Trump porque não tem experiência no governo”, dizia uma manchete do Los Angeles Times.
E o site de humor McSweeney’s publicou uma transcrição real do discurso do presidente Trump sobre o Mês da História Negra como se fosse uma peça de sátira.
É um momento estranho para se fazer sátira política online. Mas cabe aos leitores terem mais discernimento, ou aos satiristas e editores repensarem sua abordagem?
Depende do contexto
A sátira funciona em um contexto que sinaliza que se trata de humor. The Onion tem um profundo reconhecimento de marca e se tornou sinônimo do inacreditável; “não é The Onion” é gíria para um artigo tão maluco que parece piada, mas é real. E, mesmo com esse tipo de renome, houve episódios de pessoas achando que The Onion era real. [N.do E.: no Brasil, o exemplo mais próximo é o do site Sensacionalista, que faz sucesso nas redes sociais com manchetes inventadas].
A marca do Borowitz Report é mais delicada. Aparece no site da New Yorker e é promovida pelas principais contas do site em redes sociais. Para a maioria dos leitores de notícias, a New Yorker está bem longe do The Onion; publica material sério (e o cartoon ocasional). O Borowitz Report tem sua própria marca, mas não é tão conhecida quanto a da New Yorker.
Um artigo de 2014 no site The Awl intitulado “o problema Borowitz” argumentava que “nem sempre, mas frequentemente, esses posts vão viralizar porque as pessoas não sabem que são piadas.”
“Nunca queremos que nossos leitores tomem nossos artigos satíricos por notícias, razão pela qual nos esforçamos para indicar que são sátiras”, disse um porta-voz da New Yorker. “A sátira há muito tempo é uma parte importante do que fazemos e, dado o atual cenário na imprensa, estamos dando muita atenção a como esse material é percebido pelos leitores.”
Em dezembro, o slogan do Borowitz Report mudou de “as notícias, rearranjadas” para “não são as notícias”. E esses artigos são mais claramente marcados como sátira quando compartilhados online, o editor da NewYorler.com Nicholas Thompson disse à Associated Press mês passado. “Sátira do Borowitz Report” aparece acima das manchetes (muito maiores). Tuítes da conta da New Yorker incluem “@Borowitz Report”, com imagens que indicam que “não são as notícias”.
Borowitz disse que não tenta intencionalmente enganar seus leitores a achar que seus artigos são notícias reais, tendo dito ao site The Ringer que “nunca estou tentando inventar um ‘hoax’ [boatos falsos espalhados via internet].”
O novo slogan “não são as notícias” veio dele. “Fazia mais sentido quando pessoas de outro país liam um dos artigos e não entendiam a piada – isso era um tanto previsível”, Borowitz disse à AP. “Mas o fato de que muitos americanos têm de ir ao Snopes.com [site que desmente boatos] para descobrir que Trump não contratou realmente El Chapo para chefiar a Agência de Combate às Drogas ou algo assim, isso é um problema de compreensão de texto.”
Leia antes de compartilhar
Se os leitores prestassem mais atenção às etiquetas e abrissem as notícias antes de compartilhá-las, não seriam enganados. Mas atualmente muitas pessoas passam os olhos sobre as redes sociais e reagem apenas às manchetes, sem de dar conta de que são piadas.
Para esse tipo de sátira, manchetes funcionam como a tirada de uma piada – é por isso que The Onion se concentra tanto nelas – e sinalizam que os artigos são de mentira. Cada publicação tem sua abordagem; o site Reductress (“Homem com título em Estudos de Gênero aterroriza festa”) adota um tom de notícia séria para descrever sarcasticamente experiências comuns de mulheres; ClickHole (“Sem escapatória: Jason Chaffetz abriu sua lava-louças e uma horda de eleitores irritados derramou-se”) frequentemente vai direto para uma bizarra absurdez. O Washington Post publica artigos satíricos em sua seção de opinião com manchetes que, como frases isoladas, podem ser aberturas inócuas para humor (“Será que Betsy Davos sabe o que ‘escolha’ significa?”) ou tolice (“Boas notícias: o presidente Trump não mordeu nenhum morcego ao meio durante seu discurso no Congresso!”).
Críticos do Borowitz Report apontam para a qualidade de suas manchetes como parte do problema. A revista online Slate descreveu o humor como “tão tíbio que as pessoas frequentemente compartilham sem se dar conta de que a intenção era de que fosse engraçado.”
Particularmente agora, se manchetes satíricas carecem de mordida e são apenas um pouco fora da realidade, nem são tão humorísticas. Especialmente quando coisas como essa são publicadas como notícias de verdade:
“Quando Trump não está assistindo televisão em seu roupão de banho ou no telefone falando com ex-assessores de campanha, às vezes ele sai para explorar as vizinhanças desconhecidas de seu novo lar”, diz um artigo de fevereiro no New York Times.
“Assessores conversam no escuro porque não conseguem descobrir como operar os interruptores na sala do gabinete”, continua. “Visitantes concluem suas reuniões e vagueiam por aí, testando maçanetas até encontrar uma que leve a uma saída.”
É 2017. Se você está lendo ou criando sátira online, está na hora de melhorar seu jogo.