Um silêncio ensurdecedor tomou conta das redes sociais de artistas, políticos e influencers progressistas nos últimos dias. Acostumados a denunciar instantaneamente comportamentos considerados “inapropriados”, eles parecem não saber como reagir a um vídeo em que o comediante Tiago Santineli, queridinho da esquerda, dramatiza o assassinato brutal, a pauladas, do empresário catarinense Luciano Hang (dono da rede de lojas Havan e notório apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro).
Inspirado no filme Bastardos Inglórios (dirigido por Quentin Tarantino e ambientado na Europa durante a Segunda Guerra Mundial), o material é um teaser produzido para divulgar o primeiro especial de stand-up de Santineli, intitulado ‘Antipatriota’ e já disponível no YouTube. Na historinha de pouco mais de seis minutos de duração, o humorista brasiliense de 31 anos interpreta o líder de um grupo de caça a nazistas que captura um novo prisioneiro. Calvo e vestindo terno verde, o personagem trazido para morrer é um sósia de Hang.
“Nosso negócio não é fazer notinha de repúdio contra vocês. Nosso negócio é descer a porrada na cabeça de patriota”, diz o humorista em cena, antes de chamar um capanga (interpretado pelo rapper mineiro Djonga) que esmaga o crânio do inimigo com um taco de beisebol. Ele também menciona seu desejo de eliminar uma pessoa chamada Nicole, em uma referência ao deputado federal conservador Nikolas Ferreira (PL-MG) – no Dia Internacional da Mulher, o parlamentar fez um discurso no Congresso, usando peruca comprida e se autodenominando “Nicole”, para criticar a participação de transexuais e travestis nas comemorações.
O vídeo, graficamente violento, não tem nada de engraçado. E poderia até ser classificado como “discurso de ódio” – houve quem pedisse a retirada do conteúdo da internet, e o próprio Hang avalia processar o artista. Mas o que mais chama atenção é o caráter seletivo da indignação dos esquerdistas, desta vez calados diante de uma piada de mau gosto.
Pense num conteúdo semelhante, porém com um sósia de Lula, Flávio Dino ou Alexandre de Moraes no lugar do personagem patriota. Certamente o autor seria acusado de “ataque à democracia” e sofreria diferentes tipos de censura e boicote, além das sanções jurídicas possíveis. Em um país em que o próprio presidente da República considera a democracia relativa, a liberdade de expressão parece ser um privilégio só de quem está do lado “certo”.
Enquanto isso, os porta-vozes do politicamente correto seguem sem dar um pio sobre o teaser do comediante antipatriota.
Santineli alimenta o clima violento entre os polos ideológicos
Tiago Santineli ganhou projeção gravando vídeos no estilo reacting – em que alguém comenta materiais produzidos por outras pessoas. Seus principais alvos são Jair Bolsonaro e outros políticos de direita, conservadores em geral e cristãos, especialmente de denominações neopentecostais (que ele chama de “crentelhos”).
Mas sua carreira só deslanchou mesmo no início do ano passado, graças a uma polêmica envolvendo o youtuber Vitor Santos, do popular canal Metaforando, especializado em análise de linguagem corporal. Santineli acusou Santos de divulgar uma pseudociência, ironizou vários de seus vídeos e acabou sendo processado. Foi o suficiente para ganhar fama nestes tempos de discussão sobre negacionismo científico.
Mirando também na polarização política acirrada, o brasiliense se posicionou ainda mais à esquerda durante a campanha eleitoral de 2022 e intensificou seus ataques a Bolsonaro – que continuam até hoje, mesmo já no oitavo mês do novo governo petista. Ou seja: virou um humorista da situação.
Em abril deste ano, um hotel de Sorocaba (SP) onde Tiago Santineli se apresentaria decidiu cancelar o show após receber mensagens, via WhatsApp, de um suposto grupo conservador que ameaçou incendiar o local caso o evento acontecesse. Essa forma de terrorismo é injustificável, e o direito de Santineli à livre manifestação artística deve ser assegurado, mas o ocorrido reflete o ambiente de tensão que o comediante segue alimentando com sua defesa da agressão física a indivíduos com crenças políticas diferentes das suas.
E é justamente esse tom raivoso que o difere de outros artistas controversos, como Léo Lins e Danilo Gentili, cujo repertório inclui temas de gosto duvidoso, porém nunca chegaram ao limite de encenar a morte dos alvos de suas piadas.
Internautas revelam o passado nada progressista do comediante
A internet, no entanto, é implacável. Ao longo da última semana, vieram à tona dezenas de prints de postagens antigas do humorista nas redes sociais em que ele faz piadas com negros, asiáticos, judeus, transexuais, gordos e pessoas com deficiência, entre outras minorias.
O dossiê informal ainda revela críticas do humorista ao PT, exatamente na época em que se começou a aventar o impeachment de Dilma Roussef. Por conta desse tipo de post, Santineli tem sido acusado de ser um oportunista que encontrou um nicho vantajoso.
Ele nega, e na tarde de terça-feira (1) rebateu as críticas, depois de apagar tweets de anos anteriores. “Nessa época eu era igual a vocês, crente e burro. Mas não era de direita”, escreveu. “O lado que mata as pessoas na vida real não é o meu”, acrescentou, insistindo em comparar conservadores com criminosos nazistas.
Como não existe publicidade negativa nos dias de hoje, o comediante só se beneficiou com a polêmica até agora. O teaser de Antipatriota já registra mais de meio milhão de visualizações no YouTube e o especial em si (que traz piadas na linha “Queria clonar o Olavo de Carvalho para ver ele morrer mais uma vez” e mostra a personagem Nicole sendo marcada a fogo na testa, como gado, com número o 22 do PL de Nikolas Ferreira e Jair Bolsonaro) está perto de alcançar essa marca. O que se reverte em mais shows programados em sua agenda, como indicam seus canais oficiais.
Blindado pela esquerda, Tiago Santineli é a prova de que promover o “ódio do bem” pode ser um ótimo negócio no Brasil.