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O engenheiro e gestor de investimentos Bill Perkins gosta de usar a fábula da cigarra e da formiga para explicar sua filosofia sobre o valor do dinheiro. Com um porém: para ele, a cigarra “também tinha alguma razão”.
No livro ‘Morra Sem Nada: Aproveite ao Máximo Sua Vida e seu Dinheiro’ (Editora Intrínseca), Perkins parte justamente dessa ideia para mostrar que podemos transformar economias em experiências — o verdadeiro “capital” que deveria ser nosso propósito.
Sua argumentação inclui exemplos pessoais, conceitos da psicologia financeira e comportamental e estímulos para que o leitor faça um balanço pessoal afim de definir prioridades. Leia um trecho da obra a seguir.
Talvez seja por causa da minha formação como engenheiro, ou talvez seja por isso que escolhi estudar engenharia, mas adoro eficiência e odeio desperdício.
E não consigo pensar em nenhuma forma pior dele do que desperdiçar sua energia vital. Para mim faz todo o sentido querer morrer sem nada.
Não significa ficar sem nada antes de morrer, porque isso o deixaria na mão, mas deixar o mínimo possível de dinheiro sem uso, fazendo valer todo o tempo e energia que você gastou trabalhando para obtê-lo.
Estou longe de ser a primeira pessoa a sugerir que o plano de morrer sem nada é a forma racional de se viver.
Na década de 1950, um economista chamado Franco Modigliani, que ganhou o Prêmio Nobel, postulou algo que veio a ser conhecido como Hipótese do Ciclo de Vida (LCH, na sigla em inglês), que é um modelo de administração de gastos e poupanças para tentar aproveitar ao máximo o dinheiro ao longo da vida.
Basicamente, Modigliani dizia que aproveitar ao máximo o dinheiro ao longo da vida exige que, como disse outro economista, “o patrimônio chegue a zero na data da morte”.
Em outras palavras, se você sabe quando vai morrer, deve morrer sem nada — porque se não fizer isso, não estará obtendo o máximo proveito (utilidade) do seu dinheiro.
E quanto à possibilidade muito real de você não saber quando vai morrer?
Modigliani tem uma resposta simples para isso: para estar seguro, mas ainda assim evitar deixar dinheiro para trás de forma desnecessária, basta pensar na idade máxima que alguém pode viver.
Assim, uma pessoa racional, na opinião de Modigliani, deve distribuir sua riqueza por todos os anos, até a idade mais avançada que puder viver.
Algumas pessoas tentam viver desta forma racional e de maneira a maximizar os benefícios, mas ainda tem muita gente que não. Ou as pessoas economizam muito ou economizam muito pouco.
A otimização de todo o período provável de vida exige muita reflexão e planejamento: é mais fácil seguir buscando recompensas de curto prazo (miopia) e permanecer no piloto automático (inércia) do que fazer o que será bom para você a longo prazo.
Essas tendências podem afetar a todos nós, formigas e cigarras. A miopia costuma ser o problema da cigarra que gosta de se divertir e gasta muito.
A inércia também pode atingir a formiga responsável — principalmente mais tarde na vida, quando quem foi um zeloso poupador precisa de repente utilizar o pé-de-meia que construiu com tanto cuidado.
Os economistas comportamentais explicam que a racionalidade implicada em uma ação — neste caso, passar da poupança para a “despoupança” — não significa dizer que as pessoas a realizarão com facilidade.
A inércia é uma força muito poderosa. Como disseram certa vez os economistas Hersh Shefrin e Richard Thaler: “É difícil ensinar novas regras a uma velha família”.
Morrer sem nada me parece um objetivo tão claro e importante que quero ir direto ao próximo passo, que é ajudá-lo a descobrir como, de fato, atingir esse objetivo.
No entanto, já discuti essas ideias com um número suficiente de pessoas para saber que não posso ir direto ao “como”: as mesmas poucas perguntas e objeções continuam surgindo, e sei que não posso ignorá-las.
Então, primeiro responderei a essas perguntas frequentes e, se você ainda estiver me acompanhando em relação ao valor e a viabilidade de morrer sem nada, passaremos a algumas ferramentas que podem ajudá-lo a fazer isso acontecer.
“Mas eu amo meu trabalho!”
Quando digo que deixar dinheiro para trás equivale a um desperdício de energia vital ou a trabalhar de graça, às vezes escuto pessoas dizendo que a minha análise não se aplica a elas porque elas amam o que fazem.
Algumas pessoas chegam ao ponto de dizer que pagariam para exercer o trabalho que amam, algo do qual duvidei até começar a namorar uma dançarina profissional. (Não, ela não é stripper.)
A dança é um campo extremamente competitivo, com muito mais testes do que trabalhos pagos disponíveis para todos e, ao contrário da atuação ou de alguns outros campos competitivos, você nunca vai conseguir ficar rico dançando, não importa o tamanho do sucesso que alcançar.
No entanto, para seguir no mercado, é preciso aperfeiçoamento contínuo em busca de proficiência, além de morar perto de cidades caras como Nova York e Los Angeles.
Assim, a maioria dos bailarinos precisa ter outros empregos que, na verdade, custeiem sua verdadeira paixão. Então, sim, entendo que algumas pessoas amam o que fazem e veem o trabalho como uma experiência de vida gratificante por si só.
E eu acho isso maravilhoso e que todos nós deveríamos ter essa sorte!
Mas o problema é o seguinte: mesmo as pessoas que enxergam o trabalho como uma forma de diversão estariam melhores se gastassem pelo menos uma porcentagem do seu tempo em experiências que não envolvessem trabalhar por dinheiro.
Mesmo que a dança seja a sua vida, é provável que você não queira fazer isso 24 horas por dia, sete dias por semana.
Além disso, quando você estiver na casa dos 40, 50 ou 60 anos, talvez queira passar uma porcentagem menor da semana dançando do que quando tinha 20 ou 30 anos.
Claro, é possível que você não queira reduzir suas horas de trabalho à medida que envelhece; talvez você queira mesmo continuar dançando (ou advogando, lecionando ou seja lá qual for a profissão que goste) em tempo integral, desde que seja capaz, e ganhando dinheiro por fazer isso.
Fique à vontade! Apenas certifique-se de gastar o dinheiro que você ganha em tudo o que você valoriza: faça mais viagens de primeira classe, dê festas melhores, vá ver sua dançarina favorita se apresentar ao vivo.
Porque mesmo que você tenha aproveitado cada minuto do trabalho que lhe rendeu aquele dinheiro, deixar de gastar esse dinheiro é, sim, um desperdício.
Para usar uma metáfora dos videogames, é como se você ganhasse uma vida extra e depois decidisse jogá-la fora. É como preferir deixar o Mario cair de uma ponte em vez de levá-lo até o Reino dos Cogumelos.
Você faria isso só porque não estava contando com aquela vida extra? Por que adotar essa atitude de “tudo o que vem fácil, vai fácil”?
O mesmo acontece com qualquer dinheiro que você receba. Para “maximizar sua vida”, não importa de onde veio o dinheiro.
Quer você o ganhe por um trabalho que ama ou por uma herança de seu bisavô, quer o dinheiro seja resultado de seguir sua paixão ou por ser membro do clube dos herdeiros sortudos, uma vez dado a você, ele se torna seu.
E uma vez que é seu, ele agora representa horas da sua vida, que você pode trocar por qualquer coisa que o ajude a viver a melhor vida possível.
Se a dança é a sua vida, e você também ganha dinheiro com ela, vá em frente e gaste em experiências relacionadas à dança: esbanje em aulas particulares com os melhores professores, se é isso que você valoriza, ou contrate alguém para limpar sua casa para você ter mais tempo para praticar.
Só não deixe que esse dinheiro fique parado e seja desperdiçado por causa de onde ele veio. A origem do seu dinheiro não muda o cálculo para maximizar sua vida.
“Mas e os meus filhos?”
Quando digo a frase “morra sem nada”, a reação imediata da maioria das pessoas é de medo, logo seguido pelo pensamento de que morrer com dinheiro sobrando não é um desperdício total, porque esse dinheiro irá para seus herdeiros, ou talvez para instituições de filantropia.
A expressão mais comum desta crença está na frase: “Mas e os meus filhos?”
A questão dos filhos surge com tanta frequência, e há tanto a dizer sobre ela, que merece um capítulo próprio, e de fato existe um, juntamente com os meus pensamentos sobre as doações para a filantropia.
Mas, por enquanto, vou falar um pouco da minha resposta à questão dos filhos.
Em primeiro lugar, sim, com certeza você pode deixar dinheiro para as pessoas e causas com as quais você se preocupa, mas a verdade é que seria melhor que essas pessoas e causas aproveitassem a sua riqueza o quanto antes. Por que esperar até depois que você morrer?
Em segundo lugar, qualquer quantia que você der aos outros se tornará imediatamente dinheiro deles, não mais seu. Mas quando falo em morrer sem nada, estou falando do seu dinheiro.
Tudo o que você deu aos seus filhos vai seguir sendo deles, então não há necessidade de planejar sobre mais dinheiro para eles. Você vai aprender muito mais sobre como planejar de forma pensada o que deixar, para quem e quando, em um capítulo mais adiante neste livro.
Mas agora quero falar sobre o medo. Muitas pessoas me disseram ter medo, em muitos casos “pânico”, de ficar sem dinheiro antes de morrer.
E eu entendo. Ninguém quer passar os seus últimos anos na pobreza, por isso é compreensível que as pessoas poupem para o futuro. E não estou dizendo que você não deva fazer isso.
O que estou dizendo é que as pessoas que poupam tendem a poupar demais e para usar muito tarde em sua vida. Elas se privam hoje para cuidar de um “futuro eu” já muito, muito mais velho, que talvez nunca viva o suficiente para desfrutar daquele dinheiro.
Conteúdo editado por: Omar Godoy