O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou encerrar nesta quinta-feira (8) o burburinho das redes sociais sobre a taxação dos prêmios em dinheiro dos medalhistas olímpicos. Ele editou uma Medida Provisória que isenta os vencedores da alíquota de 27,5% do imposto de renda sobre os ganhos. A iniciativa vai na mesma direção de projetos de lei de deputados de oposição.
A onda de memes do mês passado contra o ministro Fernando Haddad, pelo aumento da carga tributária, se estendeu ao caso quando muitos brasileiros descobriram que mais de um quarto dos prêmios em dinheiro de medalhistas como a judoca Beatriz Souza e a ginasta Rebeca Andrade seria abocanhado pela Receita Federal.
A próprio Receita tentou esclarecer que a taxação era sobre o valor recebido em dinheiro, não sobre as próprias medalhas, ensaiando correção a um suposto desentendimento dos comentaristas, e foi corrigida pelas Notas da Comunidade do X.
É correto conceder o privilégio da isenção de impostos aos atletas?
A medida de Lula, que tem mais efeito em proteger a imagem do governo do que no erário, foi recebida sem amplo consenso até na esquerda. “É uma resposta açodada para uma demanda da extrema-direita que cria um precedente muito ruim e que será, em última instância, considerada uma vitória da direita”, afirmou no X o jornalista William de Lucca, do canal de esquerda ICL Notícias.
Mas o youtuber governista Felipe Neto, por sua vez, comemorou: “o que vai ter de bolsonarista chorando no banho hoje...”. Ao ver colegas de ideologia criticando, contudo, deu uma recuada: “Só para deixar claro, sou contra a isenção feita dessa forma. Lula fez isso por pressão da demagogia”. Para Felipe, “não é justo” que atletas “milionários” deixem de pagar imposto.
Demétrio Vecchioli, colunista do UOL Esporte, declarou-se contra a isenção aos medalhistas. Rebeca “treina num prédio público, em equipamentos comprados com dinheiro público”, afirmou. Para ele, essas e outras participações do Estado na carreira dos atletas justifica que eles tenham o mesmo tratamento dos outros cidadãos: “A universidade pública forma o médico, mas depois ele paga imposto, mesmo salvando vidas”.
Para os parlamentares Flavio Bolsonaro (PL-RJ) e Nikolas Ferreira (PL-MG), a MP de Lula é uma “cópia” de um projeto de lei anunciado pelo último no domingo (4). “A cobrança de impostos sobre essas premiações vai na contramão do reconhecimento que esses atletas merecem”, afirmou Ferreira, “uma vez que eles elevam o nome do Brasil no cenário esportivo mundial”. Para ele, portanto, o projeto seria uma extensão do espírito da lei que já isenta os atletas de pagarem impostos sobre as medalhas e troféus.
Em conversa com a Gazeta do Povo, o cientista político Adriano Gianturco disse que “a redução de impostos é sempre positiva, mas precisa ser acompanhada de redução de gastos”. Isenções seletivas “acabam sendo aumento de impostos para alguma outra categoria. Neste caso, me parece que ele [Lula] esteja fazendo a isenção por populismo eleitoral, por uma pressão popular que está acontecendo nas redes sociais”.
Defensores da liberdade econômica têm apontado o atraso do governo Lula em cumprir a promessa de campanha de aumentar para todos os cidadãos a faixa de isenção no imposto de renda de dois salários mínimos para R$ 5 mil. “Lula passou a campanha inteira dizendo que iria dar isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil”, disse Eduardo Ribeiro, presidente do partido Novo. Porém, quando a proposta foi colocada em votação na Câmara em 12 de março, “o PT votou contra”, afirmou. Este é o contexto em que os atletas medalhistas ganharam isenção.
Passa boi, passa boiada: a pressão por privilégios na Reforma Tributária
Em 10 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação da Reforma Tributária, em discussão desde o começo do governo. Na sessão, o único destaque aprovado foi a isenção de impostos para carne na cesta básica. Vale para todos os alimentos com proteína animal, exceto um notável: o chique patê de fígado de ganso francês, foie gras.
A reforma simplifica os impostos no Brasil, mas aumentará a carga tributária. O Ministério da Fazenda prevê uma taxação padrão de 26,5% — a média de 170 países que adotam o modelo (imposto sobre valor agregado) é de 15,9%.
Desde o começo da reforma, foi forte o lobby de diferentes grupos para serem poupados da forte carga de impostos que cairá sobre as costas do cidadão comum. Quando a PEC da reforma tramitava no Senado no ano passado, por exemplo, o relator Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou parecer que aumentava de nove para 13 o número de áreas inteiras da economia beneficiadas com redução de 60% na alíquota padrão.
Entre as 13 áreas estavam inclusos “produtos de cuidados básicos à saúde menstrual” (uma pauta tocada principalmente pela deputada progressista Tabata Amaral, PSB-SP); “produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura” e “insumos agropecuários e aquícolas”; além de “produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional”, fruto da influência do setor cultural.
Na época, o economista Felipe Salto disse que, se os pedidos de isenção fossem atendidos, a alíquota base da reforma poderia atingir 33,5%. A previsão pode não se concretizar porque o projeto de lei complementar aprovado pelos deputados incluiu uma “trava” que limita a alíquota padrão em 26,5%.
A lista de setores com isenção de 60% foi aprovada na votação da Câmara. Outra lista de 18 profissões ganhou desconto de 30%, dos biólogos aos museólogos e técnicos agrícolas. Planos de saúde para animais? Também 30%.
Um estudo da Universidade de São Paulo mostrou que, entre 1989 e 2020, foram propostos 4.841 projetos de lei, de emenda à Constituição ou medidas provisórias relacionadas ao sistema tributário. São 154 por ano. Desses projetos, 67,2% tratam de isenções, desonerações, regimes especiais ou despesas dedutíveis do imposto de renda. A sabedoria popular brasileira também tem algo a dizer sobre isso: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
No mês passado, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que o presidente Lula estava “extremamente mal impressionado” com o aumento das renúncias fiscais, as exceções dadas pelo governo para aliviar a carga tributária para alguns. Mas foi o próprio Lula em seus governos anteriores, e os governos da petista Dilma Rousseff, que aumentaram em muitos bilhões essa renúncia.
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