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Ilya Ivanovich Ivanov chegou a Guiné Francesa, na África Ocidental, em novembro de 1926. Conseguiu que os locais caçassem para ele um grupo de chimpanzés. Em três animais fêmeas, inoculou sêmen coletados de homens russos não identificados. Nenhuma engravidou. Ele então mudou o foco: começou a procurar por mulheres humanas para engravidar de chimpanzés.
Sugeriu o plano ao governo francês, que na época controlava o país africano. Ouviu uma recusa. Pegou então 20 primatas e seguiu com eles para a república soviética da Abecásia, no Cáucaso. Apenas quatro animais chegaram vivos ao local, onde já havia cinco mulheres prontas para participar do experimento.
Elas foram submetidas a um regime alimentar considerado adequado para ajudar a engravidar, enquanto os chimpanzés se recuperavam da viagem. Mas três acabariam morrendo, e o último sobrevivente, que Ivanov batizou de Tarzan, estava pronto para a coleta de sêmen quando teve uma hemorragia cerebral. O pesquisador receberia mais animais em 1930, mas já era tarde. Havia caído em descrédito com o regime stalinista. Seria preso e morreria dois anos depois.
Era o fim da experiência mais imoral de Ilya Ivanovich Ivanov, que nas décadas de 1900 e 1910 era considerado um dos melhores pesquisadores de inseminação artificial. Nascido em 1870, na localidade de Shchigry, a 60 quilômetros de Kursk, ele começou a estudar a técnica no final do século 19, utilizando métodos que aprendeu no Instituto Pasteur de Paris com o fisiologista e psicólogo Ivan Pavlov, o primeiro russo a ganhar um Prêmio Nobel, em 1904.
Rapidamente, Ivanov havia alcançado objetivos impressionantes com cavalos. Sua estação de pesquisas era procurada por criadores do mundo todo. Mas ele não se contentou em reproduzir animais da mesma espécie. Começou a cruzar zebras com asnos, bisões com vacas, e a testar diferentes combinações de inseminações artificiais entre ratos, porquinhos da índia e coelhos. Em 1910, já declarava abertamente que pretendia cruzar seres híbridos de humanos com primatas.
Por quê?
Sabe-se hoje que, até quatro milhões de anos atrás, humanos e chimpanzés ainda procriavam, apesar de as espécies terem se diferenciado há 13 milhões de anos. Os DNAs são 95% similares, ainda que humanos tenham 23 pares de cromossomos e chimpanzés tenham 22, o que em tese não inviabilizaria o cruzamento, mas possivelmente geraria descendentes inférteis.
A reprodução é possível, como descobriu, em 1977, o pesquisador da Universidade Cornell Michael J. Bedford. Ele conseguiu penetrar um óvulo de gibão com um espermatozoide de um humano — algo que não aconteceu com primatas menores, como macacos rhesus.
A pergunta é: mesmo que seja possível, por que fazer? No início da década de 1920, Ilya Ivanovich Ivanov apresentou sua própria resposta a um comitê de cientistas bolcheviques, naquele momento bastante alinhados com Leon Trotsky: ele queria confirmar a teoria da evolução de Charles Darwin, e assim ajudar a reduzir o alcance da religião no planeta.
Foi com esse argumento que ele conseguiu financiamento russo. Suas boas relações com o governo da França, onde era respeitado como pesquisador, lhe garantiram acesso à Guiné — pensava-se na época, de forma racista e anticientífica, que negros africanos deviam ser geneticamente mais próximos dos primatas.
Ivanov fez uma primeira viagem ao país africano em fevereiro de 1926, com autorização para utilizar os chimpanzés que o governo local mantinha para estudos. Mas todos eram jovens demais para procriar. Por isso ele voltou à França e fez uma nova tentativa ao final do ano, agora com primatas que haviam sido capturados em seus habitats naturais.
Argumento materialista
“A primeira explicação, a que os bolcheviques deram a si mesmos, foi a de que o sucesso do experimento representaria uma vitória decisiva do materialismo e do ateísmo. Ajudaria, portanto, na batalha contra a religião que havia sido travada por Trotsky e seus seguidores”, afirma Alexander Etkind, historiador e cientista cultural, professor de relações entre Rússia e Europa no European University Institute.
“Mas há outra hipótese para explicar a autorização para a experiência de Ivanov: objetivos eugenistas. Trotsky defendia que, com a revolução comunista, o Homo sapiens passaria por uma transformação, resultado da seleção artificial e de treinamentos psicológicos e físicos”. Seria este, diz, ele o Novo Homem Soviético, assim mesmo, com letras maiúsculas — uma pessoa sem família, sem religiosidade e preparado para levar para o nível da genética as supostas transformações sociais e econômicas provocadas pelo comunismo.
Quando a tentativa de Ivanov veio à tona com o fim da União Soviética, nos anos 1990, especulou-se que Josef Stalin teria autorizado o experimento com o objetivo de criar um superexército de homens-macacos, mais fortes, menos sensíveis ao sofrimento próprio e alheio. Mas não há indícios de que o ditador tenha apoiado abertamente a tentativa de criar um ser híbrido.
Ivanov tinha, na verdade, apoio de um grupo de pesquisadores e de bolcheviques de segundo e terceiro escalões, alinhados com Trostky. A partir do fim da década de 1920, Stalin passaria a caçar o antigo colega, até conseguir que ele fosse assassinado no México. E preferiu dar apoio à pseudociência de Trofim Lysenko, que afirmava que a teoria de Darwin era inválida por ser burguesa. Em 1930, com o fracasso de suas tentativas, Ivanov acabou caindo em descrédito. Suas experiências, amplamente divulgadas pela imprensa internacional na época, acabaram esquecidas por décadas.
Outras tentativas
Mas a China também fez seus próprios experimentos em 1967, quando chimpanzés fêmeas teriam recebido esperma humano e engravidado, segundo relato posterior de Ji Yongxiang, chefe de um hospital na cidade de Shengyang. O médico afirma que a Revolução Cultural acabou com a experiência, com os cientistas sendo enviados para fazendas coletivas e chimpanzés grávidas de três meses — supostamente de humanos — morrendo por maus tratos.
Muito mais recentemente, em 2019, mais uma vez na China, o cientista espanhol Juan Carlos Izpisua anunciou que havia criado um composto de pessoas e macacos. Para isso, modificaram embriões dos animais e injetaram neles células humanas. O resultado, apresentado em detalhes em um relatório publicado em abril deste ano, foram três embriões híbridos, de apenas 10 mil células, que cresceram por 19 dias fora do útero. Izpisua alega que seu objetivo é gerar células híbridas capazes de gerar órgãos humanos viáveis para transplante. Para isso, agora quer criar células mistas de humanos com porcos — e utiliza instalações e pesquisadores parceiros na China por ter autorização de desenvolver sua pesquisa por lá, suscitando uma série de questões éticas com as quais nenhum regime comunista aparenta se preocupar, seja a ditadura soviética ou a moderna China totalitária.
Conteúdo editado por: Jones Rossi