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Imane Khelif, pugilista que representa a Argélia na competição olímpica do boxe feminino na categoria de 66kg, ganhou a medalha de ouro nesta sexta-feira (9) em Roland Garros após derrotar a chinesa Liu Yang.
A chinesa foi mais vaiada pela plateia que a argelina. Após o terceiro round, os jurados deram a vitória à argelina por unanimidade.
A presença de Khelif nas Olimpíadas, e da boxeadora taiwanesa Lin Yu-ting (na categoria dos 57kg), tem sido questionada desde que elas foram desqualificadas por teste de gênero da Associação Internacional do Boxe (IBA) antes do Campeonato Mundial de Nova Délhi, Índia, em 24 de março de 2023. O Comitê Olímpico Internacional (COI), que não reconhece a IBA, insistiu que as duas atletas mereciam competir.
Antes da final, Khelif derrotou Angela Carini (Itália), que pareceu revoltada, mas depois pediu desculpas por ter abandonado a luta após 46 segundos reclamando da força dos socos da adversária; Anna Luca Hamori (Hungria), que foi cortês, se declarou grata por poder competir e desejou sorte a todas as competidoras; e Janjaem Suwannapheng (Tailândia), que declarou “não segui a polêmica de perto, mas tudo o que eu sei é que ela é uma mulher e ela é uma lutadora forte”.
“Não quero que digam nada sobre a controvérsia”, declarou Khelif após derrotar a adversária tailandesa nas semifinais.
Briga de entidades do esporte por critérios de qualificação
A desqualificação não foi por excesso de testosterona, o hormônio masculino cuja aplicação já levou muitos atletas à reprovação no teste de doping, mas devido “a um teste distinto reconhecido cujos detalhes continuam confidenciais”, declarou a IBA em nota do mês passado (31), no dia anterior à primeira luta de Khelif. O presidente da IBA, o russo Umar Kremlev, rompeu o sigilo da própria entidade e disse à imprensa de seu país que as atletas “têm cromossomos XY”, o padrão cromossomal do sexo masculino.
O COI, que suspendeu a IBA de seu quadro de entidades do esporte em 2019 e a descredenciou em 2023 por “problemas de liderança”, “irregularidades financeiras”, decisões contestadas de arbitragem e recusa a implementar reformas, defendeu a qualificação das atletas.
Mark Adams, porta-voz da entidade, no dia 1º, declarou que “não era uma questão transgênero” e que as duas são registradas como mulheres em seus passaportes e competiram nas Olimpíadas de Tóquio em 2020. Adams lembrou que Khelif perdeu em Tóquio para a irlandesa Kellie Anne Harrington nas quartas de final do peso leve (60kg).
No dia seguinte, o COI afirmou em nota que “toda pessoa tem o direito de praticar esporte sem discriminação” e que “essas duas atletas foram vítimas de uma decisão súbita e arbitrária da IBA. Perto do fim do Campeonato Mundial da IBA em 2023, foram desqualificadas de repente sem qualquer devido processo”. O comitê disse que a própria IBA disse que ela deveria “estabelecer um procedimento claro sobre a testagem de gênero”.
“A agressão atual contra essas duas atletas se baseia completamente nessa decisão arbitrária”, continuou o COI. “Regras de qualificação não deveriam ser mudadas durante uma competição em andamento, e qualquer mudança de regra deve seguir processos apropriados e ser baseada em evidências científicas”.
Dois testes laboratoriais
A IBA respondeu com uma coletiva de imprensa na segunda-feira (5) e publicou um resumo. A entidade afirmou que as boxeadoras aceitaram fazer o teste “após muitas reclamações de treinadores”. Seu sangue foi coletado em maio de 2022. O teste foi feito pelo Laboratório Sistem Tip de Istambul e seu relatório foi publicado após o encerramento do campeonato. O resultado “não correspondeu aos critérios de elegibilidade da IBA para eventos femininos”, segundo os porta-vozes.
Os advogados da IBA então teriam orientado a entidade a entrar em contato com o COI, que teria sido informado, mas “nenhuma reação veio do lado do COI”. O teste durante a competição de Nova Délhi foi um segundo teste, disse a IBA, mas uma vez com consentimento das atletas. A entidade diz que a segunda bateria de testes só poderia ser feita em país “neutro” e “dentro do período de competição da IBA”. O sangue foi coletado em março de 2023. O laboratório responsável foi o Dr. Lal PathLabs, com “resultados idênticos aos primeiros”.
O secretário-geral e chefe executivo da IBA na época, George Yerolimpos, informou às duas atletas que foram excluídas do campeonato e deviam devolver suas medalhes (prata de Khelif e bronze de Lin). Importantemente, “as atletas receberam uma cópia de seu teste e foram informadas sobre a possibilidade de fazerem apelação junto à Corte de Arbitragem do Esporte (CAS) dentro de 21 dias”, disse a IBA. Elas acusaram recebimento assinando papéis. “Lin Yu-Ting não apelou da decisão de declará-la inelegível, tornando a decisão legal e vinculante”, já Imane Khelif iniciou a apelação, mas desistiu.
A IBA afirmou que “os testes afetam a vida privada da pessoa em questão e constituem informações médicas protegidas como dados pessoais. Não temos permissão de publicar esses documentos sem o consentimento da pessoa em questão”. Contudo, dois meses depois a entidade mudou suas regras: seus diretores decidiram que “as competições só serão conduzidas entre atletas do sexo masculino e entre atletas do sexo feminino”, definidos agora estritamente pelos seus cromossomos sexuais (o que o COI não faz), e que “a participação de atletas com DSD (‘diferenças de desenvolvimento sexual’) em competições de boxe foram consideradas perigosas para a saúde e segurança dos pugilistas”. Parece uma forma mais legalmente segura de fazer referência ao resultado dos testes sem parecer violar sua confidencialidade. A entidade disse que as duas atletas jamais disputaram a existência dos testes.
Veículos tão diferentes quanto a agência Reuters, a revista Time e o jornal Daily Mail chamaram a coletiva de “atabalhoada” e “bagunça caótica”. O jornal afirmou que o presidente da entidade destratou Thomas Bach, presidente do COI. Kremlev reagiu à cerimônia de abertura em Paris, no X, dizendo que os jogos “são completa sodomia e destruição dos valores tradicionais e Thomas Bach é responsável por isso”. Ele também afirmou que “homens convertidos estão ganhando permissão para lutar contra mulheres” e perguntou “onde está a igualdade de gênero?”
A disputa entre as duas entidades tem uma dimensão geopolítica: a IBA é acusada de agir sob influência russa por ressentimento, pois o COI suspendeu a bandeira da Rússia dos jogos olímpicos desde a invasão da Ucrânia. Atletas russos e bielorrussos ainda competem sob uma bandeira genérica de “atletas individuais neutros”. A Rússia tem sido uma dor de cabeça para o COI e para a Agência Antidoping Mundial (WADA) há mais tempo, com múltiplos casos de doping entre seus atletas.